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drops ISSN 2175-6716

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Abilio Guerra faz uma pequena homenagem ao seu ex-professor Ítalo Tronca, historiador autor do livro Pau de arara – a violência militar no Brasil, em coautoria com Bernardo Kucinski, falecido no dia 9 de janeiro de 2015.

how to quote

GUERRA, Abilio. Ítalo Tronca e a história a contrapelo. Sobre o historiador e o contexto de sua atuação. Drops, São Paulo, ano 15, n. 088.04, Vitruvius, jan. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.088/5396>.


Quando entrei na graduação em história no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de Campinas – IFCH Unicamp, tirando alguns “avulsos”, os professores se dividiam em dois grupos: a velha-guarda de formação clássica e/ou marxista – o campineiro José Roberto do Amaral Lapa, o chileno Héctor Hernan Bruit e os norte-americanos Robert (Bob) Slenes e Michael Hall eram os expoentes –, que se dedicava aos estudos da escravidão e temas mais tradicionais, onde a economia ocupava posição estruturadora; e a “ala jovem”, liderada pela tróica formada por Edgar De Decca, Maria Stella Bresciani e Ítalo Tronca, que defendia uma nova história, ainda dentro de uma perspectiva materialista-dialética, mas revigorada por outras teorias e metodologias, e a inserção de novas temáticas. Esta divisão etária é, em grande medida subjetiva, afinal os norte-americanos não eram mais velhos, ao menos não pareciam. Mesmo sendo admirador e tendo excelente relação com o professor Lapa, me identificava com o outro time.

A máxima de Walter Benjamin de fazer a “história a contrapelo” animava meus professores prediletos e uma revisão da história do operariado – que se fazia ouvir com as greves promovidas pelos sindicatos do ABC paulista no final dos anos 1970, um dos fatos mais importantes que pressionava a abertura democrática – se iniciou neste ambiente de discussão, que tinha no acervo Edgard Leuenroth seu símbolo maior. Tipógrafo de profissão, militante anarquista na primeira República, Leuenroth colecionou um rico arquivo sobre a memória dos movimentos operário e anarquista, núcleo original da instituição que leva seu nome, fundada em 1974 no IFCH Unicamp. Minha primeira pesquisa, inconclusa e realizada neste acervo, tinha como material primário jornais operários dos anos 1977, 1978 e 1979. Minha tutora na ocasião foi Stella Bresciani, que orientaria também meus mestrado e doutorado, consolidando-se assim um vigoroso vínculo de duas décadas.

No escaninho de minha memória de fugitivo, que abandonou há muito este território da história, guardo de forma afetiva fatos vividos com alguns destes personagens: de Alcyr Lenharo publicaria artigo sobre Adoniram Barbosa na revista Óculum n. 1; com Marco Aurélio Garcia – antes de se tornar eminência parda de Lula e nunca mais o ver – trocava conversa sobre política e futebol nas caronas que me dava para São Paulo;  de Edgar De Decca li o grande livro daquele momento, 1930, o silêncio dos vencidos, uma abordagem da subida de Getúlio Vargas ao poder do ponto de vista dos trabalhadores urbanos, em especial, do operariado; Michael Hall associo ao curso maravilhoso que ministrou sobre Hannah Harendt, autora por quem ele tinha um sentimento ambíguo de amor e ódio.

Logo depois este ótimo time seria reforçado pela revoada da USP, que levou para lá Maria Silvia de Carvalho Franco, Marilena Chauí, Nicolau Sevcenko e Willi Bolle. Foi um momento especial para a escola e formidável para mim, que ainda pude conviver com outros professores de alto estatuto, dos quais também tenho lembranças (e seguramente algumas compartilho com meus colegas contemporâneos): Roberto Romano, editor do meu primeiro ou segundo artigo, que versava sobre um conto de E.T.A. Hoffomann; Jeanne Marie Gagnebin, filósofa suíça de língua francesa, especialista em Walter Benjamin, que me mostrou o encanto das dez teses presentes no texto Sobre o conceito de história (na primeira versão da tradução dela para o português, que viria a ser publicada mais de duas décadas depois); e Michael Löwy, filósofo franco-brasileiro, igualmente especialista em Benjamin, tema de diversos livros e artigos seus publicados nos anos seguintes.

Como pude verificar em sua sinopse biográfica disponível no website da Unicamp, Ítalo Tronca obteve os títulos de graduação e doutorado em história na Universidade de São Paulo nos anos de 1970 e 1976, respectivamente. Em sala de aula nos cursos de graduação, Tronca apresentava pontos de vista inusitados, que surpreendiam os jovens alunos – na esteira de Michel Foucault, iniciava pesquisa sobre o impacto cultural das doenças contagiosas, que se tornaria o livro As máscaras do medo muito tempo depois (1). Gostei dele de imediato, um professor que ouvia os alunos com atenção e era muito aberto nas discussões, sem nunca querer impor seu ponto de vista.

Como não era de contar vantagens, ninguém sabia que era autor do livro Pau de arara – a violência militar no Brasil, em coautoria com Bernardo Kucinski e publicado anonimamente na França, em 1970, e no México, em 1972 (2). Em resenha do livro por ocasião de sua recente publicação no Brasil, Edgar De Decca conta a trajetória rocambolesca do texto original do livro naqueles anos de chumbo: “Outro aspecto a destacar diz respeito aos originais, em português, de Pau de Arara. Em depoimento que consta na edição atual, Kucinski diz desconhecer seu paradeiro. No Natal de 1969, foram levados para Paris e entregues, no então conhecido Café Cluni, ao jornalista exilado Luis Merlino, morto em 1972 pela ditadura militar. Tampouco se tem conhecimento de quem foi o responsável pela tradução do texto para o francês. Mas Kucinski reconhece que a melhor versão é a espanhola, feita pelo jornalista Flavio Tavares, tomada como referência para a edição de agora” (3).  De Decca salienta o acerto do título – o “pau de arara”, cruel instrumento de tortura, um dos símbolos do regime ditatorial –, suas qualidades teóricas e de pesquisa documental, para destacar no fim sua dimensão ética diante do momento histórico: “Por ter sobrevivido à barbárie da tortura e da repressão, Pau de Arara deve ser valorizado como uma escritura do silêncio, tecida na quase clandestinidade, com o apoio e a solidariedade de colegas e amigos de profissão. Seus autores superaram todas as adversidades na composição de um painel histórico da violência institucional no Brasil” (4).

No mestrado, tivemos um desentendimento por um motivo bobo e, por birra, nunca mais conversei com ele. Agora que a morte impossibilita qualquer reconciliação, perde qualquer sentido quem tinha razão.

Ítalo Tronca faleceu no dia 9 de janeiro de 2015 (5) e foi viver do “brilho inútil das estrelas” na companhia de José Roberto do Amaral Lapa, Héctor Hernan Bruit, Nicolau Sevcenko e Alcyr Lenharo.

notas

1
TRONCA, Ítalo. As máscaras do medo. Lepra e aids. Campinas, Editora Unicamp, 2000.

2
O livro, publicado em francês e espanhol nos anos 1970 e 1972, foi publicado em português recentemente: KUCINSKI, Bernardo; TRONCA, Ítalo. Pau de Arara – a violência militar no Brasil. Cadernos História & Memória. São Paulo, Centro Sérgio Buarque de Holanda / Fundação Perseu Abramo, 2013 <http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/pauararacompleto.pdf>.

3
DE DECCA, Edgar Salvadori. Um encontro da memória com a história - tortura nunca mais! Jornal da Unicamp, Campinas, 2-8 jun.2014, p. 11. <www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/jornal/paginas/ju_599_paginacor_11_web.pdf>.

4
Idem, ibidem.

5
Professor aposentado do IFCH Unicamp, Ítalo Tronca, Ítalo Tronca faleceu no dia 9 de janeiro de 2015. O velório e sepultamento ocorreu no dia seguinte, no Cemitério Gethsêmani, no bairro Morumbi.

sobre o autor

Abilio Guerra é arquiteto, professor da graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

 

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