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drops ISSN 2175-6716

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português
Um ano após o falecimento do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, o editor Abilio Guerra comenta fatos ocorridos durante o lançamento do seu livro “Arquitetura – uma experiência na área de saúde”.

how to quote

GUERRA, Abilio. Um ano sem Lelé. Lembranças de um dia especial. Drops, São Paulo, ano 15, n. 092.06, Vitruvius, maio 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.092/5538>.


Há um ano, o portal Vitruvius trazia uma notícia que causou consternação: “Morre, dia 21 de maio, o Arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, aos 82 anos” (1). Um dos mais importantes arquitetos brasileiros, Lelé sempre aparecia nas minhas conversas como merecedor do prêmio Pritzker; eu falei isso diversas vezes, eu ouvi isso incontáveis vezes. Azar do Pritzker, que deixou de premiar um arquiteto cuja morte provocou uma tristeza genuína que poucas vezes se vê no falecimento de pessoas públicas. O motivo é muito simples de entender: além de grande arquiteto, era um homem excepcional.

Pouco mais de dois meses antes do seu falecimento, no dia 12 de março de 2014, fui buscá-lo no aeroporto de Cumbica e o conduzi até o hotel onde ficaria hospedado. Era estranha a situação: mesmo tendo conversado com Lelé ao telefone com frequência nos três anos anteriores, havíamos nos visto apenas uma ou duas vezes anteriormente. Os contatos visavam a edição do seu livro Arquitetura – uma experiência na área de saúde (2), do qual fui o editor responsável ao lado de Silvana Romano Santos e que resultou no primeiro prêmio Jabuti ganho pela Romano Guerra Editora. Naquela noite aconteceria o lançamento do livro no Museu da Casa Brasileira e este era o motivo de sua vinda a São Paulo.

Durante o percurso, em torno de uma hora, pudemos conversar sobre o livro e sobre os mais variados assuntos. Um deles foi muito divertido, pois tem como pano de fundo o fato de Lelé ter passado por quimioterapia na semana anterior, o que o levou a confirmar sua presença apenas alguns dias antes. Ele me alertou que ficava muito enfraquecido nos dias posteriores ao tratamento e que seria difícil sua presença. Por precaução – e por otimismo – reservamos uma passagem ida e volta de Salvador a São Paulo. No dia 10 de março, uma segunda-feira, dois dias antes do lançamento, ele me ligou para dizer que viria ao lançamento, mas não usaria a passagem que havíamos reservado, pois viria de Brasília. Foi sobre isso que conversamos no automóvel, enquanto percorríamos a rodovia em destino a São Paulo.

Lelé, muito animado, me contou que havia se encontrado com a presidente Dilma Rousseff e um sem número de autoridades para discutir um novo programa do governo federal, uma instituição para abrigar mulheres que sofrem maus-tratos de maridos e companheiros. Trata-se de um problema grave no Brasil e Lelé estava entusiasmado por ter convencido a presidente que o projeto não poderia se resumir a um albergue, pois inevitavelmente a mulher retornaria a situação anterior por falta de alternativas. A instituição deveria oferecer treinamento profissional, que pudesse abrir novas perspectivas de vida para as mulheres agredidas. Ele transformou um abrigo de pessoas sem perspectivas em um centro de formação, de educação. Bem a cara de Lelé.

Talvez ele tenha me dito – ou talvez eu tenha imaginado isso a partir de algo que me disse – que o projeto lhe foi encomendado como uma compensação pela não aceitação, por parte do governo federal, de seu projeto alternativo em estrutura metálica para o programa Minha casa, minha vida, que lhe valeu um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte em 2011 (3). Bem a história de vida de Lelé, com ideias renovadoras sempre pensadas para bem comum, algumas vezes assumidas pelo poder público, infelizmente outras vezes não. No caso, o projeto de habitação coletiva em estrutura metálica parece não ter sido do agrado das grandes empreiteiras especializadas em concreto armado.

Depois da reunião sobre o projeto de abrigo com Rousseff e staff – ainda segundo a narrativa de Lelé –, durante o coquetel, ele teria sido abordado por uma autoridade que se apresentou assim: “eu sou o Ministro tal; e o senhor, quem é?”. Lelé achou muito divertido que o tal ministro tenha vindo apenas para a “festa”, tendo faltado ao “trabalho”, e que tivesse se apresentado como sendo ministro, cargo provisório. Respondendo ao conviva, explicou que era o motivo do encontro. Vindo de outra pessoa, poderia parecer uma postura arrogante, jamais de Lelé, pessoa de impressionante modéstia pessoal e tranquilidade diante das estruturas de poder. Eu até brinquei que ele deveria ter respondido “eu sou o Arquiteto Lelé” e rimos bastante disso.

Eu pensei em contar esta história logo após sua morte, mas acabei desistindo por um motivo nobre. Meu amigo André Marques – que gentilmente aceitou meu convite para ser cicerone de Lelé de sua filha Adriana – me mandou um artigo sobre este mesmo dia 12 de março de 2014, que publiquei na ocasião (4). André fez um excelente mestrado sobre a obra arquitetônica de João Filgueiras Lima (5) e teve um contato pessoal muito mais próximo do que eu, o que me parecia ser o suficiente para publicar o texto dele e não o meu.

Neste um ano que passou célere tive a oportunidade de publicar outros dois textos sobre o arquiteto carioca: um pequeno artigo indignado de Adriana Filgueiras Lima, sua filha, que comenta a ideia de um Shopping Center junto à Estação da Lapa projetada por seu pai, intervenção desastrosa e desastrada proposta pela empreiteira OAS (6); e uma entrevista feita por Otavio Leonídio, que publicamos logo após a morte de Lelé (7), onde ele aborda questões como técnica, construção, ensino e outros temas.

Uma passagem da entrevista me parece especialmente interessante, pois enfrenta o tema da inserção do arquiteto na sociedade contemporânea. Pergunta Otavio Leonídio: Pessoalmente, julgo que a grande riqueza de seu conceito de arquitetura, Lelé, é não fazer uma distinção entre arquitetura como obra de arte e arquitetura em geral, ou mesmo entre arquitetura e infraestrutura. Você concorda com isso?”. E volta a resposta certeira de Lelé: “Concordo, e acho o seguinte: no futuro, devido à fragmentação cada vez maior do conhecimento, ou a arquitetura assume esse papel a que você se refere, ou o arquiteto não terá mais sustentabilidade social. Veja que isso já está acontecendo de uma certa forma, e não sei como nossa profissão vai se sustentar se o arquiteto não conseguir atuar dessa maneira”.

Lelé sempre mereceu de nossa parte um reconhecimento constante, sem grandiloquência, como entendo ser a medida certa para homenageá-lo (8). Arquitetos como ele são poucos e homens como ele são raros, pois não é fácil ter tanta energia e foco para uma vida dedicada à causa da arquitetura de inserção social. A foto que ilustra este pequeno texto, que me foi enviada por Adriana Filgueiras Lima para ilustrar o livro que editamos, diz sobre seu caráter mais do que pude dizer aqui: ao lado da filha, o homem bom, feliz e tranquilo se delicia ao lado do lago que projetou e construiu na nova capital do país.

notas

1
PORTAL VITRUVIUS. Morre, dia 21 de maio, o Arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, aos 82 anos. Notícias, São Paulo, Vitruvius, 21 maio 2014 <www.vitruvius.com.br/jornal/news/read/1959>.

2
LIMA (LELÉ), João Filgueiras. Arquitetura – uma experiência na área de saúde. São Paulo, Romano Guerra, 2012 <www.vitruvius.com.br/pesquisa/bookshelf/book/1387>.

3
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Prêmio APCA 2011 – Categoria “Projeto referencial”. Premiado: João Filgueiras Lima, Lelé / Projeto alternativo para o programa “Minha Casa, Minha Vida”. Drops, São Paulo, ano 12, n. 051.08, Vitruvius, dez. 2011 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.051/4154>.

4
Sobre o lançamento, ver: MARQUES, André. Lembranças de meu último encontro com Lelé. Drops, São Paulo, ano 14, n. 080.05, Vitruvius, maio 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.080/5167>.

5
MARQUES, André Felipe Rocha. A obra de João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização. Dissertação de mestrado. Orientador Abilio Guerra. São Paulo, FAU Mackenzie, 2012.

6
LIMA, Adriana Rabello Filgueiras. Shopping Center e a recuperação da Estação da Lapa. Projetos, São Paulo, ano 15, n. 169.06, Vitruvius, jan. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/15.169/5414>.

7
LEONÍDIO, Otavio. Eu vivo numa ilha. Entrevista com João Filgueiras Lima, Lelé. Entrevista, São Paulo, ano 15, n. 058.01, Vitruvius, maio 2014 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/15.058/5170>.

8
Abaixo, a relação de alguns textos sobre a arquitetura de João Filgueiras Lima, Lelé, publicado ao longo dos anos pelo portal Vitruvius:

COSTA, Maria Elisa. Sérgio Bernardes e João Filgueiras Lima (Lelé). Drops, São Paulo, ano 10, n. 030.04, Vitruvius, jan. 2010 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.030/2112

EKERMAN, Sergio Kopinski. Um quebra-cabeça chamado Lelé. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 064.03, Vitruvius, set. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.064/423>.

LIMA (LELÉ), João Filgueiras. Sarah Brasília Lago Norte. Centro Internacional de Neurociências. Projetos, São Paulo, ano 13, n. 153.01, Vitruvius, set. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/13.153/4865>.

LUKIANTCHUKI, Marieli Azoia; CAIXETA, Michele Caroline Bueno Ferrari; FABRICIO, Márcio Minto; CARAM, Rosana. Industrialização da construção no Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS). A construção dos hospitais da Rede Sarah: uma tecnologia diferenciada através do Centro de Tecnologia da Rede Sarah – CTRS. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 134.04, Vitruvius, jul. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.134/3975>.

LUKIANTCHUKI, Marieli Azoia; SOUZA, Gisela Barcellos de . Humanização da arquitetura hospitalar:. Entre ensaios de definições e materializações híbridas. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 118.01, Vitruvius, mar. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.118/3372>.

MARQUES, André. BACS Ribeirão Preto. Obras do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé. Drops, São Paulo, ano 11, n. 037.02, Vitruvius, out. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.037/3609>

MARQUES, André. Sede transitória da Prefeitura de Salvador. Aspectos da racionalização e contexto histórico. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 139.02, Vitruvius, fev. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.139/4207>.

PAZ, Daniel. Lele´s update. A apropriação da arquitetura como tecnologia e algumas reflexões sobre o tema – parte 1. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 074.07, Vitruvius, jul. 2006 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.074/341>.

PAZ, Daniel. Lele´s update. A apropriação da arquitetura como tecnologia e algumas reflexões sobre o tema – parte 2. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 076.04, Vitruvius, set. 2006 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.076/320>.

PINHEIRO VILLAR DE QUEIROZ, Haroldo. Beijódromo. Fundação Darcy Ribeiro. Projetos, São Paulo, ano 12, n. 133.07, Vitruvius, fev. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/12.133/4186>.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

 

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