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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Aparentemente, a violência é inerente ao homem ao longo de toda a história das sociedades. Seria, portanto, algo utópico pensar a cidade como um lugar de paz?

english
Apparently, violence has been inherent to the human species along the history of societies. Therefore, would it be utopia to consider the city as a place of peace?

español
Aparentemente, la violencia es inherente a los hombres a lo largo de toda la historia de las sociedades. Por lo tanto, ¿sería algo utópico pensar la ciudad como un lugar de paz?

how to quote

ANDRADE, Tarcisio Bahia de. Cidades em guerra. Drops, São Paulo, ano 16, n. 095.01, Vitruvius, ago. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/16.095/5628>.


É certo que, do ponto de vista tecnológico, a humanidade evoluiu, ou melhor, deu um enorme salto. Em 2001 - Uma Odisséia no Espaço, Stanley Kubrick apresentou-nos, de forma genial, essa caminhada que teve início no antecessor do Homo Sapiens e chega ao espaço sideral.

No entanto, no que se refere aquilo que a humanidade deveria ter de mais precioso, isto é, a fraternidade envolvendo as relações entre os indivíduos, certamente ainda somos uns selvagens.

O próprio Kubrick mostrou tal paradoxo, pois naquele momento primordial no qual o ancestral humano despertou na direção da racionalidade que caracteriza os que desenvolvem tal capacidade, o fez usando do sopro de inteligência por meio da violência. Ao dar-se conta de que um osso não era um osso, mas uma ferramenta a seu serviço, aquele hominídeo capacitou-se a estar em condição superior aos demais que ainda não dominavam qualquer instrumento manuseável. Sua vitória era a garantia e estímulo para que outros tentassem superá-lo, de tal modo que um processo competitivo iniciou-se, forçando o avanço tecnológico que caracteriza até hoje a humanidade.

Alguns antropólogos, psicólogos e historiadores afirmam que o homem é um ser naturalmente violento. Nesse sentido, o processo civilizatório seria um esforço (inútil) para “domesticar” o homem, tentando torná-lo capaz de conviver em harmonia com seu semelhante. Como se sabe, não há na história nenhum período longínquo de paz entre os homens.

E não há mesmo uma cultura da paz. Mesmo aqueles que não convivem diretamente com a violência, têm na fúria do homem contra homem sua fonte de prazer. Senão, como explicar os gladiadores romanos, os boxeadores do século 20 ou o UFC atual? Portanto, uma sociedade na qual pessoas sentem prazer em ver um homem agredir fisicamente outro homem é aquela que possui em seu cerne a cultura da violência.

E essa cultura é tão arraigada que serve, inclusive, para explicar o êxito tecnológico de civilizações, como é o caso dos Estados Unidos. Muitos argumentam que a hegemonia americana se deve ao seu histórico de guerras, justificando assim sua superioridade econômica, política e, claro, militar.

No entanto, se no passado os batalhões militares adversários combatiam nos campos agrícolas extramuros às cidades, deixando parte da população civil ilesa, hoje as guerras ocorrem no meio urbano. E assim, na cultura permanente da violência, mesmo aqueles povos que não se encontram em guerra, o Brasil por exemplo, são contaminados ubiquamente pela fúria humana.

É claro que a violência não se manifesta apenas fisicamente, pois sabemos que as várias formas de violência mental e moral podem ser tão danosas quanto aquela que maltrata o corpo biológico.

Aparentemente não há como escapar, estamos todos sob algum tipo de mira, seja ela literal ou não. E em nenhum lugar isso é mais evidente do que nas cidades, notadamente nas cidades brasileiras, mas também nas localizadas em países desenvolvidos constantemente sob risco de ataques terroristas.

Thomas More descreveu Utopia (1516) como um lugar fantástico, uma cidade insular onde todos seriam felizes. Desde então, o termo passou a designar algo desejável, porém nunca realizado e inalcançável. Seria então utopia pensarmos numa cidade sem violência, nem que fosse numa ilha? Em italiano, por exemplo, ilha é isola, de isolado, ou seja, só mesmo em ilhas, nem que sejam metafóricas, é possível a existência de um ambiente pacificado?

More concebeu sua alegoria no Renascimento, num período histórico fértil, no qual a humanidade acreditava no poder de transformação do mundo, graças às diversas descobertas e invenções, que vão desde o continente americano, passando pelas Belas Artes, até a imprensa. Se havia tantas novidades, talvez fosse mesmo possível pensar num novo modelo de sociedade com um caráter idílico. Mas não, apesar de todos os avanços ocorridos na época, a violência persistiu...

Ainda assim, a desejável utopia por um mundo melhor, cuja abnegação nos trará uma vida virtuosa, invariavelmente retorna, como ocorreu no Modernismo, outro período histórico de inegáveis avanços e transformações tecnológicas e sociais. Porém, aqui também houve fracasso...

Portanto, só mesmo na ficção é possível um lugar, uma cidade, sem que haja qualquer tipo de agressividade entre os homens?

Por outro lado, uma das razões para o surgimento das cidades foi a necessidade das pessoas se auto protegerem contra violentos ataques extramuros dos inimigos. No entanto, é justamente nas cidades onde hoje elas estão mais indefesas. E o que fazem as pessoas que, vivendo nas cidades, buscam ou reivindicam a paz? Reagem com a intolerância, que suscita a própria violência que desejam combater.

Se criam então territórios de exclusão, ilhas de rejeição social, formando cidades fragmentadas, na maioria das vezes com uma estrutura desconexa. Uma cidade na qual muitos assumem uma visão excludente e até mesmo preconceituosa em relação aos demais moradores da cidade.

Contraditoriamente, essa tem sido a tônica que rege justamente aquilo que se entende por democratização das decisões de planejamento das cidades brasileiras. Audiências públicas refletem o nível de egoísmo intolerante da população urbana atual. Há quem considere que isso faz parte do processo de amadurecimento social de uma democracia ainda jovem, haja vista termos sido umas das últimas nações latino-americanas a conquistar sua independência do colonizador, bem como termos passado por duas ditaduras em menos de 100 anos de vida republicana.

Enquanto isso, assistimos a uma verdadeira guerra urbana entre conterrâneos que já não reconhecem mais seu vizinho como um aliado e sim como um inimigo. Não há garantia sequer que o vizinho propriamente dito, isto é, o morador de um mesmo condomínio residencial, seja generoso ou complacente com os demais moradores.

Aparentemente, a violência urbana atual se tornou ubíqua e isotrópica. Seria isso, portanto, próprio da condição humana, tal como descrito no início desse texto? Fica a questão: ainda cabe a utopia? Considerando que cada indivíduo só deseja ver aquilo que lhe interessa, como então planejar as cidades nessas condições?

sobre o autor

Tarcísio Bahia de Andrade é arquiteto formado pela FAU-UFRJ. Doutor em Arquitetura pela Universidad Politécnica de Cataluña/Espanha. Professor Adjunto da UFES. É diretor do IAB/ES, Conselheiro do Plano Diretor Urbano de Vitória e da Câmara de Patrimônio Arquitetônico do Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo. Autor dos livros Abstrações Arquitetônicas em Aço (2006) e Visões sobre a Cidade (2011).

 

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