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drops ISSN 2175-6716

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Cybelle Salvador Miranda apresenta o Fórum Gulbenkian de Saúde, realizado nos dias 20 e 21 de outubro de 2015, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

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MIRANDA, Cybelle Salvador. Saúde e arquitetura em diálogo com Charles Jencks. Drops, São Paulo, ano 16, n. 104.04, Vitruvius, maio 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.104/6013>.


Raras e felizes são as oportunidades em que trabalho e prazer se unem, e quando encontros inesperados servem para ligar fases diferentes de nossa trajetória pessoal e profissional. Este momento ímpar ocorreu durante o Fórum Gulbenkian de Saúde, realizado nos dias 20 e 21 de outubro de 2015, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O tema em si já era um presente por encaixar-se como uma luva ao pós-doutoramento que desenvolvo na Universidade de Lisboa, parte de nossos estudos integrados ao Patrimônio da saúde e à História da Arquitetura. Mas um encontro especial estava reservado...

Nas palavras do Diretor do Programa Gulbenkian Inovar em Saúde, Jorge Soares, o Fórum em questão e a exposição de mesmo título convidam para um percurso “desde a Antiguidade Clássica até os tempos de hoje, na qual procurámos documentar o diálogo secular entre a Saúde, a Arquitetura e o Urbanismo”.

Reunindo pesquisadores e profissionais envolvidos em questões históricas e contemporâneas, trouxe a Lisboa um conjunto de visões que suscitam questões nem sempre bem resolvidas na defasagem entre teoria e prática. O primeiro dia compôs-se de falas acerca dos Hospitais na antiguidade e medievalidade, tratada em primeiro lugar pelos historiadores Peregrine Horden da Universidade de Londres e Peter Pormann da Universidade de Manchester.

Horden abordou as que lições que se pode aproveitar hoje a partir do conhecimento do passado. Refere que o primeiro hospital público é criado nos primeiros séculos depois de Cristo, sob o signo da Filantropia, descobrindo nestes exemplos primevos concepções hoje retomadas, como a música aplicada às terapias alternativas, que já fora adotada em hospitais do Médio Oriente. Um ambiente de terapia total, incluindo artes performativas, música, além de preces pode ser eficaz se integrado ao tratamento convencional em ambientes hospitalares.

A palestra foi comentada por José Luis Doria, que se atém a um relato ilustrado dos hospitais portugueses na história, iniciando pelas termas e albergarias romanas, passando pelas Caldas de Aregos (1058), o Hospital de S. Salvador em Viana do Castelo, as Caldas da Rainha (1488), enfatizando o impacto dos hospitais na criação de cidades.

Peter Pormann dissertou sobre os hospitais medievais islâmicos, detendo-se especificamente no período entre os séculos 9 e 10, chamado de período de formação. Baseando-se nas tradições gregas, apresentam rupturas e inovações referentes à epistemologia médica. De princípio adotam a patologia dos humores, mas sugerem inovações em aspectos tais como: presença de suporte financeiro assegurado aos hospitais; medicina de caráter secular, sem interferência religiosa; ensino e pesquisa feitos nos hospitais. O autor destaca a importância em pensar a historiografia destas instituições situando-os em seu contexto, de modo a valorizar adequadamente seu potencial vanguardista em relação ao momento em que se situa.

A parte da tarde foi dedicada inicialmente ao Hospital de Todos os Santos, nas falas do Médico António Barros Veloso e do olisipógrafo José Sarmento de Matos. Baseados em textos e iconografia antiga, destacam a relação entre o emblemático nosocômio e a cidade de Lisboa. A construção de seu edifício iniciou em 1492, na Horta do Mosteiro de São Domingos, e foi definitivamente destruído pelo sismo de 1755. Abrangia parte da atual Praça da Figueira, abrindo a fachada principal para o Rossio. As primeiras escavações arqueológicas que auxiliaram na elucidação de suas fundações foram realizadas nos anos 60 do século 20, sendo depois acrescidas de investigações feitas nos anos 2000. Dos vestígios persistentes pode-se inferir uma forma cruciforme com igreja ao centro e quatro braços de enfermarias, conformando quatro claustros, aos moldes dos hospitais italianos coevos. As enfermarias abriam balcões no segundo pavimento para a igreja, para que os doentes pudessem participar dos cultos sem misturar-se aos sãos, como verificamos no Hospital da Ordem Terceira de Belém-Pará.

Seguiu-se apresentação do escritório de Arquitetura espanhol PINEARQ, pelo Arquiteto Antonio Mota, que tratou o tema da Arquitetura Hospitalar contemporânea, atentando para parâmetros básicos de projeto tais como adequação ao lugar, sustentabilidade e direitos do paciente. Contudo, a problemática elencada muitas vezes não encontra correspondência nos edifícios efetivamente construídos, de modo a lançar imensas dúvidas quanto a questões referentes à escala da cidade, conservação de estruturas preexistentes e vizinhanças (ver a polêmica acerca da desativação dos Hospitais da Colina de Santana em Lisboa).

O dia 21 foi dedicado ao tema “Cidade Saudável”, iniciando com a conferência do professor da Universidade do Texas, Kirk Hamilton, arquiteto profissionalmente envolvido com a projetação de edifícios hospitalares. A palestra tratou do Desenho para cuidados à saúde informado por pesquisa e melhoria de resultados. Este método é derivado da evidence-based medicine, e destaca o papel da pesquisa científica na solução de questões de projeto, com ênfase em provas e não apenas na intuição. Refere os estudos de Florence Nightingale que produziram melhorias significativas no índice de recuperação de pacientes ao ordenar os pavilhões enfermarias de modo a promover a circulação de ar entre eles.

Das colocações da audiência, percebe-se já certa impaciência com tais teorias objetivistas, que apresentam incoerências evidentes quando tratam da criatividade versus o conhecimento racional: se por um lado o autor destaca a importância de resolver questões de projeto com base em evidências seguras, por outro demonstra a necessidade de resguardar espaço à criatividade do arquiteto, valorizando também a intuição que antes classificara como método do senso comum. Assim, a quantificação de resultados em busca de soluções que implicam demandas e contextos complexos não consegue atingir as necessidades do indivíduo, que ultrapassam a mera articulação mecânica de variáveis. Charles Jencks permitiu-se comentário irônico ao colega, apontando que a suposta cientificidade médica é uma falácia e que apenas quinze por cento dos tratamentos são baseados em análises e métodos cientificamente comprovados.

O livro pioneiro de Jencks sobre a Linguagem da Arquitetura Pós-moderna foi uma leitura memorável, datada da época do meu Mestrado, no final dos anos 1990. Vê-lo agora provocou um fash-back vertiginoso, me transportando aos tempos em que iniciava minha carreira acadêmica.

Em sua conferência, Jencks tratou do livro Architecture of Hope, que aborda soluções inovadoras de Casas-dia para tratamento de câncer no Reino Unido, que se originou da iniciativa de sua esposa Maggie, então diagnosticada com a doença. Reunindo uma complexidade de formas, o programa para o Maggie’s cancer caring Center tem por meta a arquitetura como construtora da metáfora da esperança, uma projeção para o futuro. Com sentido utópico realista, o programa pensa o paciente com uma doença incurável não como um doente terminal, mas como um ser humano que tem por aspiração viver melhor.

O primeiro centro foi criado em Edimburgo em 1996, e prevê uma série de atividades e atitudes que fortaleçam a rede de apoio social ao paciente, com ênfase em atividades físicas, cursos, acesso a informação sobre a doença e tratamentos. O local eleito para a integração dos pacientes é a mesa da cozinha – designando tal atividade de kitchenism – uma vez que a arquitetura é secundária em relação à prioridade, que são as pessoas, diz Jencks.

Foram construídos no Reino Unido e em outros países 20 centros com formas e tipologias diferentes, projeto de arquitetos de renome como Frank Gehry, Zaha Hadid, Norman Foster e paisagismo elaborado por Jencks. Este importante autor da historiografia da Arquitetura pós-moderna dedica-se a relacionar arquitetura com conceitos filosóficos e esotéricos, em busca de alargar o horizonte da dimensão humana.

Ademais, nestes projetos os interiores são vivificados pela presença da arte, especialmente uma arte figurativa que inspire paixão e empatia, a despeito de composições puramente abstratas. Jencks chama-os edifícios híbridos e complexos, citando mesmo o célebre título de Robert Venturi – Complexidade e contradição em Arquitetura – que ‘abracem’ e ‘envelopem’ as pessoas. Conclui que a boa Arquitetura é possível além dos edifícios-fábrica, aqueles depósitos de doentes sem identidade, que perdem qualquer vestígio de humanismo, sujeitos às regras de disciplina impostas pelo sistema. A despeito de quaisquer adendos, abre-se uma clareira para pensar a arquitetura além dos virtuosismos técnicos e das ideias narcisistas e megalômanas que, desafortunadamente, ainda grassam nos cérebros de ‘iluminados’ projetistas contemporâneos.

O Programa inclui uma interessante exposição que, ao traçar uma cronologia das formas hospitalares do mundo ocidental desde a Grécia até as arquiteturas atuais, auxiliada por maquetes de volume e desenhos em planta, torna fácil e didático o entendimento da mutabilidade das morfologias a luz do desenvolvimento dos tratamentos. Traz exemplos paradigmáticos para a história da arquitetura portuguesa, como o Hospital de Todos os Santos de Lisboa, o Hospital de S. José, o das Caldas da Rainha, bem como exemplares mais modernos como o Hospital Lariboisière de Paris e o Sanatório de Paimio, cumprindo importante papel de informar a comunidade e iluminar o debate acerca dos possíveis e necessários diálogos entre passado e presente.

sobre a autora

Cybelle Salvador Miranda é arquiteta e urbanista, e doutora em Antropologia, ambos cursados na Universidade Federal do Pará, realiza Estágio de Pós-doutorado em História da Arte na Universidade de Lisboa, com bolsa da Capes. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, coordena o Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO), na Universidade Federal do Pará.

António Barros Veloso e a maquete do Hospital de Todos os Santos, 2015
Foto Ronaldo Marques de Carvalho

Painel azulejar com Hospital de todos os Santos no Museu da Cidade, 2015
Foto Cybelle Miranda

Cybelle com Charles Jenks, 2015
Foto Ronaldo Marques de Carvalho

Architecture of Hope, 2015
Foto Cybelle Miranda

Maggie e o livro que publicou sobre o enfrentamento da doença – Comentário de Ana Tostões, 2015
Foto Cybelle Miranda

Jenks explicando a planta de um dos Maggie’s Centers, 2015
Foto Cybelle Miranda

Projeto de unidade do Maggie’s Center onde os jardins são parte do tratamento, 2015
Foto Ronaldo Marques de Carvalho

Exposição Saúde e Arquitetura em Diálogo, 2015
Foto Cybelle Miranda

Maquete do Hospital de Todos os Santos, 2015
Foto Ronaldo Marques de Carvalho

Maquete de volume e planta do Hospital Lariboisière, 2015
Foto Ronaldo Marques de Carvalho

Maquete de volume e planta do Sanatório de Paimio, 2015
Foto Ronaldo Marques de Carvalho

 

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