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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
A arquiteta Jurema de Sousa Machado se despede da presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.

how to quote

MACHADO, Jurema de Sousa. Na bagagem. Carta de despedida da presidente do Iphan. Drops, São Paulo, ano 16, n. 104.05, Vitruvius, maio 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.104/6023>.


Na bagagem, entre memórias, pequenos objetos e grandes afazeres:

– alfenins e pastelinhos de Goiás;

– Rodrigo Melo Franco e Mario de Andrade estreando no Facebook;

– um pacote completo de conceitos, estratégias e referências para a educação patrimonial;

– um altar de Santana de papelão que para em pé;

– um museu de profetas vivos e ex-votos agradecendo ao Senhor de Matosinhos pelas graças, muitas, alcançadas;

– livros competentemente feitos em casa, autoria de gente que é referência na história do patrimônio no Brasil, mas que no Iphan se conhece como o Nestor, o Cyro, a Dora, a Myriam, o Mário, a Lia, o Robert Smith, a Márcia, a Lélia e mais tantos e tantos;

– um conselho internacional partilhando a gestão do Centro Lucio Costa;

– uma violinha de coxo em miniatura;

– a Ponte de Jaguarão e as Missões no Patrimônio do Mercosul;

– o frevo e a capoeira na lista do Patrimônio Imaterial da Unesco;

– Pampulha recomendada pelo Icomos para entrar na Lista do Patrimônio Mundial, aguardando a reunião de julho em Istambul; o Valongo a caminho; a Lista Indicativa renovada e em marcha;

– uma versão chic da fitinha do Bonfim e um anel com a silhueta das montanhas do Rio;

– 300 mil documentos digitalizados conversando uns com os outros pelo país;

– projetos definitivos que um dia ficarão de pé nas Missões, no Museu do Mar, na Estação Ferroviária de São João del Rey, juntos com mais de duas centenas de outros aguardando tempos melhores;

– José Joaquim da Rocha, antes apenas cogitado, se revelando inequivocamente na restauração do forro da nave da Igreja de Sao Domingos de Salvador;

– uma boneca karajá;

– um portal que é uma verdadeira enciclopédia do patrimônio, usufruído por milhares de visitantes diários;

– um Conselho que, há oitenta anos, borda persistentemente uma colcha colando preciosidades que a gente chama de patrimônio nacional

– duas capivaras de madeira feitas pelos Guaranis das Missões;

– arranjos engenhosos associando o patrimônio restaurado a novas alternativas de desenvolvimento para Penedo e Jaguarão;

– macarons do Daniel Briand;

– financiamentos de imóveis privados, mesmo em tempos difíceis, e o desenho completo de um novo Fundo, que fica pra quem tiver visão e recursos, implantar;

– o movimento das esquadrias e o azul do Lucio Costa retornando à fachada do Capanema;

– os mais belos pareceres e powerpoints, povoados de Rugendas, Debret, Thomas Ender, Franz Post, muiraquitãs, urnas e machadinhas;

– oferendas no Bembé do Mercado de Santo Amaro;

– planos, estratégias, indicadores e estatísticas de quase tudo;

– quase dois mil títulos de propriedade em curso para os moradores do Parque de Guararapes e de Serra do Navio;

– uma miniatura da canoa costeira do Maranhão;

– a casa do Chico Mendes com normas de proteção e sendo restaurada;

– uma comissão de ética funcionando e pondo fim a práticas que já não podem mais ter lugar;

– uma árvore de Natal de miriti, pendurada de botos cor de rosa, tartarugas e radinhos de pilha;

– gente aprendendo e ensinando, treinando e sendo treinada todo santo dia;

– gente fiscalizando com registros on line, método e transparência;

– respostas consistentes, abrangentes e no tempo certo para prevenir os impactos dos milhares de empreendimentos sobre o patrimônio;

– uma oração do Divino de Paraty que minha mãe guardou pra rezar pela pátria e por todos nós;

– Vitória e Vila Velha com normas claras, sem mais perdas da visada do Convento da Penha;

– comitês e critérios pra tudo, a gestão de pessoas mais próxima e mais transparente;

– uma garrafinha de cajuína da mais cristalina;

– Brasília finalmente com as normas que todo mundo pedia, mas ninguém ousava precisar, atualizar e espacializar;

– colares de contas de quase todas as cores e quase todos os orixás;

– sistemas nacionais de serviços e suprimentos garantindo transparência e facilitando a vida de todo mundo;

– dois banquinhos de pé de raiz da Ilha do Ferro;

– jardineiros da mais alta linhagem, voltando a montar os lustres de flores que o Roberto lhes ensinou na sala de jantar do Sítio Burle Marx;

– Maria Betânia ocupando o Paço e a Praça XV;

– reservas técnicas de arqueologia abarrotadas Brasil afora, agora também com normas e monitoramento

– igrejas ucranianas protegidas no Paraná e um inesperado acordeom no pátio da chácara do Portão;

– potinhos de areia colorida do Ceará com meu nome escrito;

– um guia de documentação e sete línguas inscritas no livro da Diversidade Linguística;

– queijo do Serro com goiabada de Inhaúma;

– o Centro do Folclore fazendo falar seu espetacular acervo do Cordel e, junto com onze estados, finalizando o Registro;

– duas centenas de casas sendo restauradas na Vila de Paranapiacaba;

– um passeio-teste de VLT pela Avenida Rio Branco;

– aulas de gente de terreiro nos ensinando a compreender suas práticas e suas casas;

–  toques do tambor de crioula e do samba de Recôncavo ecoando lá e fluindo aqui no Eixão Rodoviário...

Delicadezas e fortalezas de todo tipo (lista impossível de se completar!) e o brilho da gente mais rara, que nenhum obscurantismo será capaz apagar.

Com o peso dessa bagagem, não consigo ir pra muito longe. Estarei irremediavelmente por perto.

A todos minha infinita gratidão.

Jurema, maio de 2016

sobre a autora

Jurema de Sousa Machado é arquiteta (UFMG, 1980). Trabalhou na Plambel – Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foi diretora de Planejamento e Patrimônio de Ouro Preto (1993-1994) e presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). Atuou na concepção do Programa Monumenta (1999-2001), foi coordenadora de cultura da Unesco no Brasil (2001-2012) e presidente do Iphan (2012-2016).

 

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