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drops ISSN 2175-6716

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Jorge Coli, crítico e professor de artes, comenta a tradição do nu e da sexualidade na arte e os atos recentes de moralismo na sociedade brasileira.

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COLI, Jorge. Por moralismo torpe, pessoas decidem eliminar a reflexão e neutralizar a arte. Drops, São Paulo, ano 18, n. 121.06, Vitruvius, out. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.121/6734>.


Detalhe da reprodução do Louvre da estátua para o templo de Vênus, de Praxíteles
Foto divulgação


Refletir pressupõe não só ter consciência de si mesmo, mas também consciência do outro. Com a reflexão, o pensamento inclui, em seu exame, aquilo que o outro é. Ao levar o outro e suas razões em conta, o pensamento original se modifica, desviando-se da direção primitiva. A etimologia ensina que flexus, em latim, de onde vem a reflexão, quer dizer vergar, dobrar. Ou seja, abandonar a linha reta na qual caminhavam as convicções.

A reflexão pertence ao domínio da consciência e do conceito. Por exemplo, se eu vivesse no século 17, estaria convencido de que a Terra é fixa no centro do universo. Mas alguém (no caso, Galileu) traz para mim argumentos e provas contrárias a essa ideia. Então reflito, mudo minha concepção. Se, depois de conhecer as razões de Galileu, eu me mantivesse na convicção anterior, permaneceria em erro.

Mas existe um modo de reflexão que não é abstrato e vai além das argumentações claras. Este modo, bem mais complexo do que o primeiro, é proporcionado pela arte.

A arte não estimula em nós apenas as faculdades racionais. Causa impactos, provocando modificações em nossa sensibilidade e nossas emoções. Atua de modo profundo em nosso cerne, nossas entranhas, nossas contradições, nossos desejos e nossos medos.

Nunca é simples e nítida. Pode ser bela, sinistra, erótica, repulsiva e muito mais. Ultrapassa sempre as intenções do artista, mesmo as mais claras e racionais; pode mesmo negá-las e contradizê-las.

A arte, tantas vezes, nos choca. Abrigávamos um conjunto de sentimentos pacificados e, de repente, uma obra vem perturbá-los. Nós ou a recusamos, e permanecemos imóveis em nós mesmos, ou a aceitamos, e ampliamos os poderes compreensivos de nossa sensibilidade.

Há cerca de 2.400 anos, os habitantes da ilha de Cos encomendaram a Praxíteles uma estátua para o templo de Vênus. Ele figurou a deusa despida, preparando-se para o banho de purificação. Tomou, diz-se, a linda cortesã Frineia como modelo. Ora, as esculturas gregas não tinham o hábito de figurar mulheres sem roupa, e os sacerdotes recusaram a obra por ser indecente. Está aí um caso antigo e célebre de escândalo moralista.

Mais lúcidos, os habitantes de Cnido compraram a estátua, que se impôs logo como obra-prima absoluta. Era erótica a Vênus de Praxíteles? Era. Conta-se que um jovem grego, alucinado pela beleza da escultura, escondeu-se no templo para —como dizer?— gozar solitariamente daquela soberba sensualidade.

Não preciso aqui enumerar os escândalos, sexuais ou não, que as obras de arte provocaram, nem seria possível contar todos. É o papel delas: assim como o conhecimento, a arte é subversiva.

Sabemos, os regimes totalitários e os fundamentalismos religiosos não gostam de inquietações que perturbem o pensamento único. Odeiam contradições e dúvidas. Por isso, controlam o conhecimento e submetem a arte à censura.

No Brasil, hoje, pessoas que se recusam a pensar o outro, que se negam a entender o que lhes escapa, invadem museus em nome de um moralismo torpe (o MAM-SP, instituição contra a qual investiu uma horda de trogloditas) e atacam exposições que incomodam.

Pior ainda, instauram a autocensura, pois financiadores e instituições temem escândalos. Isso já ocorreu: não apenas a exposição Queermuseu foi abreviada em Porto Alegre, como o Museu de Arte do Rio, o MAR, que deveria recebê-la, renunciou, cedendo às pressões da prefeitura carioca.

Ao mesmo tempo, o Theatro Municipal do Rio, entidade pública, em princípio laica, anuncia um programa com o seguinte conteúdo: “O Renascer Praise nasceu de duas vontades que combinaram: a de Deus, em querer abençoar o povo e habitar no meio dele (porque a Bíblia diz que Deus habita no meio dos louvores), e a vontade da Igreja Renascer e da bispa Sonia, em adorar ao Senhor de todas as formas, com todos os instrumentos e ritmos”.

Simultaneamente, multiplicam-se as perseguições às religiões afro-brasileiras.

Em nome do moralismo e da fé, essas pessoas decidem eliminar a reflexão e neutralizar os poderes da arte. Quanto mais submissos, melhor. Têm base política impressionante e poder gigantesco. Aceleraram de dois anos para cá. Em meio à corrupção desenfreada, utilizam-se de instintos conservadores primários para manipulações e alianças políticas que lhes permitem subir cada vez mais.

Parece-me claro: se nada for feito, logo viveremos sob uma teocracia fundamentalista cujo obscurantismo se iguala à sem-vergonhice mais sórdida e oportunista.

nota

NE – publicação original do artigo: COLI, Jorge. Por moralismo torpe, pessoas decidem eliminar a reflexão e neutralizar a arte. Folha de S.Paulo, São Paulo, 15 out. 2017.

sobre o autor

Jorge Coli é professor titular e diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Campinas SP, Brasil.

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Tempos Temerários é um projeto de Abilio Guerra e Giovanni Pirelli, produzido pela equipe do Marieta (portal Vitruvius + Irmãos Guerra Filmes + produtora Cactus), que visa ser um momento de debate sobre temas da atualidade, como um laboratório permanente para pesquisar técnicas, ações e ideias de resistência e transformação politica, social e cultural.

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TOURINHO, Emmanuel Zagury. Agressão à liberdade de expressão. Nota oficial da UFPA. Drops, São Paulo, ano 18, n. 122.09, Vitruvius, nov. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.122/6787>.

Reprodução do Louvre da estátua para o templo de Vênus, de Praxíteles
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