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drops ISSN 2175-6716

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A pesquisa histórica de Laura Belik revela um fato pouco conhecido do público em geral: a construção de sete campos de concentração no Nordeste brasileiro durante o período de 1915 a 1932, abrigos para migrantes em fuga da seca do sertão nordestino.

how to quote

BELIK, Laura. Campos de concentração no Nordeste brasileiro 1915/1932. Drops, São Paulo, ano 19, n. 136.07, Vitruvius, jan. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.136/7229>.



A falta de conhecimento sobre os campos de concentração do Nordeste brasileiro é um exemplo e resultado do que poderíamos chamar de “apagamento histórico”. Construídos em 1915 e 1932, estes campos seguiam uma retorica de ajuda humanitária para proteger e amparar grupos da população vindos do sertão do Ceará, que migraram para a capital do Estado, Fortaleza como refugiados das secas. Estes espaços não eram (necessariamente) zonas de trabalho forçado ou de extermínio, mas, antes de tudo, de quarentena e isolamento. Independente disso, as condições de vida do lugar mostravam-se lamentáveis. Diretamente influenciados por grupos da elite de Fortaleza temendo a chegada em massa de flagelados para a capital, a existência destes espaços foi planejada precisamente como uma barreira ao acesso à cidade mascarada sobre um discurso humanitário. Dos sete campos de concentração construídos em 1932, hoje se encontram vestígios de apenas um, que está em ruínas, tornando-se assim um símbolo histórico e de resistência.

Através do financiamento da Tinker Summer Research Grant, bolsa de pesquisa do Centro de Estudos Latino Americano da Universidade da California, Berkeley, tive a oportunidade de visitar, pela primeira vez, o Ceará em junho de 2018 para começar uma pesquisa sobre este assunto. Enterrado junto às ruinas do que um dia foi parte tão importante da história nordestina (e brasileira) não estão apenas os campos, mas as inúmeras histórias que estes espaços trazem à tona, pouco conhecidas ou reconhecidas no país. Apesar deste tópico já ter sido previamente discutido por outros pesquisadores, a ênfase em sua importância se mostra clara nos trabalhos dos professores e historiadores como a Dra. Kênia Sousa Rios (1), da Universidade Federal do Ceará, e o Dr. Frederico de Castro Neves (2), da Universidade Federal do Ceará. Se por um lado, Neves usa uma bibliografia que se baseia em trabalhos de historiadores clássicos, destacando momentos esparsos onde se fizeram menções e referências aos campos, Rios, que se utiliza e faz referência aos trabalhos de Neves, e continua a investigação fazendo uma meticulosa pesquisa de arquivo em busca de maior documentação e referências primárias sobre o tópico. Ambos autores trazem à tona em seus trabalhos uma série de contradições que os espaços dos campos de concentração representam como barreiras físicas e morais ao acesso à cidade e dão exemplo do domínio e poder que a divisão de classes no Brasil produziu.

Espacialidade dos campos de concentração

Além dos trabalhos existentes apontados, do ponto de vista da história da arquitetura, uma questão chave permanece incerta: como era a espacialidade dos campos de concentração? É vital que se entenda a importância tanto dos aspectos físicos quanto da organização destas construções, revelando assim como se davam os usos e modos de vida nas escalas social e politica daqueles lugares, e isso tem sido um dos principais desafios desta pesquisa. Pouca documentação visual existe – ou foi encontrada até agora –, e como mencionado anteriormente, também não houve preservação física destes espaços. Outro desafio a ser considerando é que cada um dos sete campos possuíam uma organização diferente. Ainda assim, o que todos estes espaços têm em comum é precisamente sua efemeridade. A arquitetura e construção dos campos descrita como frágil, era feita com pedaços de madeira, terra e coberturas provisórias.

Apesar das ruínas do Açude do Patú, em Senador Pompeu CE serem consideradas a única evidência física ainda existente deste passado, o que encontramos no espaço hoje são, na verdade, vestígios anteriores, de construções feitas por uma companhia britânica no inicio do século 20, que investiu em uma barragem na região. Os barracos que mais tarde foram usados pelos flagelados em 1932 há tempos não se encontram mais. Os usos  dos espaços originais mudaram durante o período das secas, se adaptando às necessidades do campo, que chegou a abrigar mais de 16000 pessoas em um ano (3). Mas os espaços de abrigo dos refugiados per se, aqui entendidos como os mais precários, formados por estruturas temporárias, não sobreviveriam à passagem do tempo.

As ruínas que encontramos hoje no local são um exemplo do palimpsesto de seu tempo. Esforços da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará – Secult para o reconhecimento deste complexo como patrimônio cultural levanta questões sobre a importância da preservação desse patrimônio nos âmbitos material e imaterial. Para homenagear esta história, desde 1982 existe um evento anual em Senador Pompeu chamado “Caminhada da seca: em memoria das vitimas do campo de concentração da seca de 1932”, reunindo mais de dez mil pessoas em um ritual que se divide em grupos políticos e religiosos (4). A aceitação popular destas ruínas como um espaço de memória mostra a importância da discussão sobre valores e representação, além de enfatizar a sua significação histórica e as consequências que o espaço do campo de concentração tem até hoje na vida dos cearenses.

Considerando a escassez de documentação visual e evidencia física dos campos, diferentes métodos de pesquisa tiveram que ser considerados para tentar reavivar essas historias. Apesar deste tópico não ser tão atrativo entre pesquisadores, as colaborações interdisciplinares e trocas sobre o assunto neste âmbito têm sido essenciais para se definir o estudo destes espaços. Com isso, a pesquisa de campo é entendida como parte indispensável nesta busca, e em especial, importante para encontrar e conhecer outros possíveis colaboradores. Historiadores, arquitetos, geógrafos, cineastas, ativistas, dentre outros, estamos todos no mesmo caminho tentando reconstruir e enfatizar a importância deste passado escondido ou apagado que tem claros efeitos na sociedade brasileira até hoje.

É difícil não pensar como certas estratégias politicas, sociais e econômicas estabelecidas há mais de um século ainda permanecem no modo como o Brasil é governado até hoje. Estão os campo de concentração extintos, ou apenas transformados e mascarados? Minha hipótese é de que nós continuamos a produzir os mesmos espaços de exclusão. A efemeridade destas construções contrasta diretamente com a perenidade das castas sociais do país.

notas

1
RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932. Fortaleza, Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará /UFC, 2014.

2
NEVES, Frederico de Castro. Curral dos bárbaros: os campos de concentração no Ceará (1915-1932). Revista Brasileira de Historia, v. 15, n. 29, 1995, p. 93-122.

3
RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932. Fortaleza, Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará /UFC, 2014, p. 91.

4
PIMENTEL, Alex. Caminhada da Seca promete reunir mais de 10 mil pessoas em Senador Pompeu. Diário do Nordeste, 10 nov. 2017 <http://blogs.diariodonordeste.com.br>.

sobre a autora

Laura Belik é arquiteta pela Escola da Cidade (São Paulo, 2013), mestre em Design Studies pela Parsons – The New School (Nova York, 2016) e doutoranda em arquitetura pela Universidade da Califórnia (Berkeley), onde estuda as relações entre espaço e sociedade, discutindo tópicos como urbanismo e direito à cidade.

 

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