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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Roberto Segre entrevista o arquiteto e urbanista cubano Mario Coyula, vice-presidente do Grupo de Desarrollo Integral de la Capital – GDIC, de Havana, Cuba, e um protagonista das transformações ocorridas em Havana na segunda metade do século XX

english
Roberto Segre interviews the architect and cuban urban planner Mario Coyula, vice president of the Grupo de Desarrollo Integral de la Capital - GDIC in Havana, Cuba, and a protagonist of the changes taking place in Havana in the second half of the twenti

español
Roberto Segre entrevista al arquitecto y urbanista cubano Mario Coyula, vicepresidente del Grupo de Desarrollo Integral de la Capital – GDIC, de La Habana, Cuba y protagonista de las transformaciones ocurridas en La Habana en la segunda mitad del siglo XX

how to quote

SEGRE, Roberto. Mario Coyula. Entrevista, São Paulo, ano 07, n. 026.01, Vitruvius, abr. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.026/3303>.


Casa moderna da década dos anos 50, Vedado, Havana
Foto Jupira Corbucci

Roberto Segre: Você combinou persistentemente a ação projetual com a docência, tanto na escala nacional como internacional. Como estas experiências transformaram a teoria urbanística destes últimos anos em Cuba? Quais são as atuais referências externas que se consideram válidas?

Mario Coyula: A combinação de docência e prática me serviu muito, foi uma interação constante. E conhecer enfoques estrangeiros enquanto trabalhava em problemas nossos também foi uma maneira de interagir. Penso que entre as primeiras manifestações dessa interação estiveram os novos princípios para povoados rurais mais diversos e vivos, ainda que não se aplicaram; a crítica ao modelo de habitação social vertical, pensando que existem soluções de baixa altura com alta densidade (teve que esperar quase vinte anos para que a Vila Panamericana as aplicasse…), e a crítica à remodelação urbana traumática, como se havia começado em Cayo Hueso.

A linha de reanimação urbanística entronca em parte com o townscaping de Gordon Cullen e a obra de Lawrence Halprin. As teorias de Kevin Lynch me marcaram, me fizeram ver a cidade de outra maneira, mais humilde, pensando mais nas pessoas que a usam.

Quando conheci a Peter Calthorpe e Andrés Duany simpatizei de inicio com as propostas do New Urbanism. Penso que a idéia central de Duany é o papel conformador de cidade que têm os regulamentos, e compartilho. Mas sigo pensando que as cidades não se podem desenhar nem construir de uma vez: precisa-se deixar uma margem para a diversidade (natural, não procurada), e isso lhe dá o tempo e as pessoas. Nosso provincianismo nos leva a recusar com suspeitas o que vem de fora, ou todo o contrário, aceitá-lo sem questionamento. Segue sendo válida a frase de Máximo Gómez quando definiu aos cubanos: sempre passam ou ficam curtos. Mas se o New Urbanism nos Estados Unidos busca reinventar a pequena cidade perdida, nós somente temos que conservá-la.

RS: Nos anos 90 se permitiram inversões estrangeiras na cidade para construir hotéis, escritórios, habitações. Que conseqüências, positivas ou negativas tiveram as novas obras para a cidade?

MC: Me parece que já respondi isso antes. Para mim o mais triste foi ver a atitude subalterna em alguns arquitetos, aceitando as coisas ridículas que lhes pedia o investidor estrangeiro, más reproduções da pior arquitetura comercial de Miami. Um caso limite foi a resposta encontrada por um arquiteto cubano ao requerimento de um importante promotor imobiliário que pediu uma arquitetura para seus edifícios que fora neoclássica, mediterrânea e colonial cubana. A solução foi como uma salada de sorvetes com três sabores: os primeiros andares neoclássicos (?), os do meio "mediterrâneos"… e os últimos coloniais, com arcos e vitrais coloridos (!). Ouvi dizer que esse arquiteto recentemente se foi de Cuba: me imagino que buscando beber diretamente em sua fonte de inspiração.

RS: Em Miami existem grupos de estudos sobre Havana, tentando prever e definir as conseqüências de futuras transformações econômicas, funcionais e morfológicas da cidade. Existe uma vinculação e um diálogo entre os especialistas de ambas cidades preocupados com os problemas presentes e futuros?

MC: Penso que é necessário diferenciar a atitude de Duany e sua equipe, abertos ao diálogo, a transmitir-nos suas experiências sem querer impor; e compará-la com a de outros, que fecham de inicio toda possibilidade de colaboração com Cuba, exceto com indivíduos sem vínculos institucionais. Não sei como conseguirão, em um país onde quase a totalidade dos arquitetos e urbanistas trabalham para o Estado.. Duvido de sua capacidade de pensar sobre uma cidade que não pisaram em 45 anos. Quando se vê aos que patrocinam algumas dessas iniciativas, se da conta que não é um interesse cultural nem patriótico, mas especulativo, colocando-se adiante na fila para quando chegue a partilha.

Chama-me a atenção que alguns que lá expressam escrúpulos por envolver-se com uma ditadura, no entanto, colaboraram alegremente com a de Batista, quando os cadáveres de jovens assassinados eram lançados à rua como advertência. Vejo uma espécie de fanatismo parecido aos autos de fé e aos expedientes de limpeza de sangue, quando se havia que demonstrar que não se tinha antepassados judeus ou mouros. Para esse tipo de exílio fundamentalista, os únicos limpos seriam os “batistianos”. Compreendo o ressentimento, e o que passou de ambas partes; mas assim não se chega a nada estável, bom para todos.

Mas também há outros em Miami que se preocupam honradamente para que não se repitam aqui os erros que se cometeram lá e em outras cidades dos Estados Unidos e outras partes do mundo. Lamentavelmente, existem importantes cidades asiáticas onde o desenvolvimento se identifica com copiar o pior do Ocidente; ou o que já não querem mais lá onde o inventaram; e o confundem com progresso. Repete-se o engano dos Conquistadores, trocando com os aborígines espelhinhos por pedras de ouro. Não é somente em Miami onde se pensa no futuro de Cuba. Há muitos urbanistas americanos, europeus e latino-americanos preocupados pela macdonaldização de nosso patrimônio.

Um deles, Jeff Horowitz, fez uma montagem digitalizada sobre o Malecón, cheio de anúncios, Pizza Huts, Burger Kings, GAPs e no estilo. Sinistro. As novas restrições às relações acadêmicas e inclusive familiares que a Administração Bush aprovou este ano paralisaram essa iniciativa de Urbanists International. Igual sucede com as oficinas de desenho que vínhamos realizando sobre Havana com universidades dos EEUU, e as viagens de acadêmicos cubanos para dar conferências ou cursos lá. Agora todos recebemos um modelo impresso dizendo que nosso visto viria em detrimento dos interesses dos Estados Unidos. Que alguém – ainda que seja um burocrata – me considere perigoso aos 69 anos é quase uma lisonja, mas teria preferido que fosse uma linda mulher.

RS: Qual é sua visão dos principais problemas que têm Havana atualmente e que meios reais existem para resolvê-los?

MC: É difícil pensar em problemas principais, porque são muitos e estão entrelaçados. Na essência, todos dependem da economia e dos mecanismos de gestão. Já tinha dito que é necessário fortalecer a economia em todos os níveis. Não se pode pensar em melhorar a economia macro se não melhora ao mesmo tempo a das cidades, dos bairros e das pessoas. E o problema da economia dupla, em pesos e em dólares, não parece ter solução em curto prazo. A recente substituição do dólar dos Estados Unidos pelo peso conversível cubano, aos efeitos internos somente muda a cor da nota. Essa dualidade está gerando desigualdades evidentes que não existiam, e por sua vez se reflete em formas de vida e até tendências estéticas mutantes que mudam a imagem da cidade.

Indiretamente, influi também num aumento da segregação racial. Parece que menos negros estão chegando aos estudos superiores. Ainda que a matrícula seja gratuita, estudar uma carreira –sobre tudo Arquitetura – requer cada vez mais apoio econômico da família; e os muito pobres não podem afrontá-lo. Claro que existe um sistema de bolsas de estudo e ajudas, mas a realidade é que para um jovem negro que vive em um tugúrio, tudo resulta mais difícil. Paradoxalmente, a Lei de Reforma Urbana de 1960 arraigou a cada qual onde vivia, e a única mobilidade possível é por permutas, já que a construção de novas habitações para a população está de fato paralisada. O que teve a desgraça de nascer em um bairro pobre e habitar numa sub-moradia, é muito possível que arraste esse problema toda a vida. O governo se preocupou por dar estudo e emprego a jovens que não estavam trabalhando nem estudando, e garante o salário aos trabalhadores das centrais açucareiras que fecharam – a metade delas – mas isso é uma carga a mais sobre uma economia colapsada.

A indisciplina cidadã cresce e pode implicar também no futuro em outro problema pior de segurança pública. Já tinha mencionado antes como essa indisciplina empobrece a imagem da cidade e anula esforços para melhorá-la. É necessário conseguir uma participação efetiva da população desde etapas iniciais na tomada de decisões, não depois que as decisões já foram tomadas. Ainda há que avançar muito aqui, e usar melhor a capacidade de mobilizar a população; isso têm que ser através de tarefas que sintam como suas.

A alimentação adequada segue sendo um problema sério, especialmente para os aposentados e os de ingressos mais baixos, o que com freqüência coincide com quem não recebe moeda estrangeira. Sucede que a maioria dos que se foram definitivamente ao exterior eram brancos, e enviam (ou enviavam) dinheiro a seus familiares em Cuba, também brancos. A agricultura urbana teve muito desenvolvimento, cria empregos e evita deslocamentos longínquos. Mas se tem que evitar que se use água do aqueduto para regar, e proteger às plantações –sobre tudo aos vegetais de folha – dos resíduos tóxicos liberados por veículos que passam próximos.

A infra-estrutura da capital está destroçada. O aqueduto necessita uma reconstrução para evitar a perda de quase a metade da água antes de que chegue às casas, mas isso também sucede em Washington DC. Ademais, é necessário melhorar a qualidade da água potável. O esgoto de Havana data de 1913, desenhado para 600 mil habitantes (o dobro da população de então), e a cidade tem agora 2,18 milhões. Os efluentes se lançam crus à Corrente do Golfo. As ruas são quase intransitáveis, exceto as vias por onde circulam ônibus. Isso, unido ao calor, à falta de peças, aos acidentes e ao aumento de veículos nas ruas, fez retroceder o uso massivo da bicicleta, que teve um crescimento espetacular em meados dos anos 90.

Um problema muito sério é a energia elétrica. Cuba depende exclusivamente de geração termoelétrica usando petróleo, que vinha quase todo da URSS. Uma vitória importante da Indústria Básica foi aumentar a produção nacional em mais de cinco vezes, até 4 milhões de toneladas de petróleo e equivalente em gás acompanhante. A eletricidade se gera totalmente com petróleo bruto cubano, mas é um petróleo muito pesado e ao parecer agressivo com as turbinas. É possível que o fechamento da metade das centrais açucareiras tenha influído também, porque muitos se auto-abasteciam energeticamente queimando o bagaço da cana, e serviam à população ao redor. Em mediados de 2004 se produziu uma crise muito séria que terminou na destituição do ministro do ramo correspondente.

O transporte público se apóia no ônibus Diesel e no invento crioulo do "camelo", enorme transporte de perfil corcovado onde se compactam 220 pessoas. Existe um círculo vicioso: como o transporte público é tão deficiente, existem mais ônibus próprios de organismos estatais que os de serviço para toda a população. O paradoxo é que estamos na situação ideal para desenvolver um bom transporte público massivo que dissuada o uso de automóveis individuais; mas a realidade é que cada ano cresce o número de automóveis. Vêem-se menos automóveis americanos dos ‘50s, quase todos convertidos em táxis com motores Diesel muito contaminantes, os chamados "amendoeiros"; e também menos automóveis soviéticos que haviam começado a substituir. Agora, sobre tudo na zona privilegiada do oeste, onde se concentram as empresas estrangeiras ou mistas que operam em divisas, se vêem cada vez mais automóveis japoneses, sul-coreanos e franceses, cruzando com o Lada resplandecente de vidros forrados em preto e música disco ensurdecedora dos "macetas" (novos ricos).

A habitação é um velho problema. O Estado fez esforços por atendê-la, mas se apoiando sempre na construção massiva de novos conjuntos de edifícios multifamiliares verticais. As "Microbrigadas" foram uma experiência interessante de esforço próprio com forte ajuda estatal, mas com o inconveniente de que os construtores não sabiam construir, e quando aprendiam já haviam terminado seu edifício. De fato, as "Microbrigadas" se paralisaram com o período especial depois da desaparição da URSS. Apesar dos infinitos debates, não se pôde implantar o conceito de habitação em crescimento, porque depende de que o interessado possa comprar facilmente os materiais para crescer no momento em que possa e queira.

A manutenção do fundo existente sempre foi sub-valorizada pela prioridade dada à nova construção. Outros programas de construção de obras sociais –hospitais, escolas; e num tempo industrias – tiveram maior atenção que a habitação. Fica no ar o fantasma de como resistirá Havana à passagem de um grande furacão como o Iván de setembro passado (2004), com ventos de mais de 300 quilômetros por hora. O paradoxo é que a vida nesta ilha depende em grande parte da água que deixam os ciclones; e a habitação ideal para todo o ano, com grandes beirais e aberta à brisa por todas partes, é a que pior se comporta ante um grande furacão. Nunca se pode ter tudo.

Prédio de apartamentos, década dos anos 50. Vedado, Havana
Foto Jupira Corbucci

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Paulo Mendes da Rocha

Andrea Macadar

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