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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Abilio Guerra entrevista o arquiteto paisagista José Tabacow, que fala de sua formação e trabalho com Burle Marx, de sua experiência como diretor do Museu de Biologia Professor Mello Leitão em Santa Teresa/ES e sobre ecologia e meio ambiente no Brasil

english
Abilio Guerra interview landscape architect José Tabacow, who talks about his training and work with Burle Marx, from his experience as director of the Museu de Biologia Professor Mello Leitão in Santa Teresa/ES and on ecology and environment in Brazil

español
Abilio Guerra entrevista al arquitecto paisajista José Tabacow, que habla de su formación y trabajo con Burle Marx, de su experiencia como director del Museo de Biología Profesor Mello Leitão en Santa Teresa/ES y sobre ecología y medio ambiente en Brasil

how to quote

GUERRA, Abilio. José Tabacow. Entrevista, São Paulo, ano 07, n. 028.02, Vitruvius, out. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.028/3299>.


Centro Cívico de Santo André, projeto arquitetônico de Rino Levi, paisagismo de Burle Marx
Foto Nelson Kon

Abílio Guerra: Você já comentou como conseguiu seu estágio no escritório de Burle Marx e gostaria de conversar um pouco sobre sua longa relação com nosso mais famoso paisagista. Quais foram os primeiros trabalhos nos quais participou? Qual sua participação nos mesmos e qual sua relação profissional, nesses momentos iniciais, com Burle Marx?

José Tabacow: Quando o único desenhista do escritório foi embora, alguns meses depois de entrarmos, Haruyoshi Ono e eu pedimos para ocupar seu lugar. Burle Marx aceitou e passamos a ser desenhistas, além de estagiários. Até então, nos trabalhos de faculdade, prevaleciam a régua “T” e os esquadros. Predominava a reta, quase não se usava a curva. Mas em paisagismo era diferente.

O primeiro projeto que desenhei foi um acréscimo ao projeto anterior para a fazenda da família de Olivo Gomes (hoje área pública com o nome de Parque Roberto Burle Marx), em São José dos Campos. A composição era toda em arcos de círculo que se concordavam sucessivamente. A ele seguiram-se o Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada da República Federal da Alemanha, em Brasília, a residência Candido Guinle de Paula Machado, com uma ampla escadaria gramada e um belo painel feito com granito lavrado, de demolições de velhas construções do Rio de Janeiro, o Parque Siqueira Campos, o terraço do Edifício Itália e o Parque Anhembi, os três últimos em São Paulo, o edifício-sede da Petrobrás no Rio de Janeiro e o Centro Cívico de Santo André.

Trabalhamos por cerca de três anos nesta condição e chegamos a fazer uma divisão de tarefas nos mesmos desenhos, segundo as habilidades de cada um. Desenhávamos a nanquim com a velha e excelente caneta Graphos, normógrafo LeRoy, pantógrafo, planímetro, cintel e diversos instrumentos que hoje caíram em desuso. Às vezes havia quatro ou cinco desenhos nas pranchetas e apenas nós dois como desenhistas. Andávamos de mesa em mesa, cada um fazendo o que sabia fazer melhor. Haruyoshi desenhava concordâncias de curvas a nanquim com perfeição, eu normografava com rapidez.

Pouco a pouco fomos mudando o padrão de apresentação de projetos do Escritório. Passamos a pintar o papel vegetal no verso, com tinta a óleo e graxa para sapatos. Com a prática, a qualidade dos desenhos melhorou de forma significativa. O mesmo aconteceu com o detalhamento, pois incorporávamos aos conteúdos dos projetos, algo do que aprendíamos na Faculdade ou em obras.

Paralelamente, e na condição de estagiários, íamos aprendendo as técnicas de composição, aumentando nosso conhecimento sobre as plantas e suas associações e com os diversos substratos, terra, areia, pedra, água. E acompanhávamos as visitas do Roberto às obras de execução, suas broncas nos clientes quando mudavam algum detalhe do projeto. Lembro até hoje de meu constrangimento quando, a uma cliente que havia mandado fazer à revelia, uma fonte pseudocolonial, com direito a volutas e tudo mais, ele disse: “Se eu precisasse de colaboração, certamente não seria a você que eu iria pedir!”.

Outras atividades extremamente enriquecedoras e fundamentais em minha formação foram as excursões de coleta de plantas com potencial uso paisagístico em diversas partes do território brasileiro. Mas este é um capítulo à parte, sobre o qual gostaria de falar com mais profundidade.

Esses três anos foram importantes pelo contato com um mundo totalmente novo, para mim muito enriquecedor. A cada dia, novas descobertas, novos conhecimentos. Roberto não fazia segredos. Muitas vezes ele ia rabiscando e explicando o quê e porquê estava fazendo daquela forma. Como se fosse um narrador ao vivo de seu próprio mister. Nessas ocasiões formava-se um grupo ao redor da prancheta e tínhamos verdadeiras aulas sobre técnica do projeto de paisagismo, arte, história da arte, composição.

No período que se seguiu, pleiteamos o status de Colaboradores, pedido que também foi aceito. Aliás, é curioso como nunca fomos promovidos por iniciativa de Roberto. Mas ele nunca negou um pedido de promoção partido de nós. A esta altura faltavam cerca de dois anos para concluirmos o Curso e o trabalho no Escritório já adquirira maior intensidade. Aumentamos a quantidade de desenhistas, porém admitindo sempre estudantes de arquitetura ou de artes. Muitos entravam como estagiários, aprendiam a desenhar e passavam a ganhar com os desenhos que realizavam, como ocorrera conosco. Projetos de destaque desta época são os Parques São Lourenço e Barigui, em Curitiba, O Tribunal de Contas da União e o Parque Sarah Kubitschek, em Brasília, o Parque Ecológico do Tietê em São Paulo e o Aterro da Baía Sul, em Florianópolis.

Com a conclusão do Curso, passamos naturalmente à condição de Arquitetos Colaboradores e nossas atividades de desenho foram caindo gradativa e paralelamente ao aumento de encomendas de projetos. Por esta época o Escritório já contava com oito ou dez desenhistas trabalhando intensamente. Fizemos muitos projetos para Brasília, São Paulo e para a Venezuela. Seria cansativo enumerar todos, mas destaco o Jardim Botânico de Maracaibo, na Venezuela, o Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, O Banco Central do Paraguay, em Assunción, a sede da Xerox do Brasil e o Jockey Club Brasileiro, ambos no Rio.

Em todas estas etapas, Roberto foi delegando a nós, cada vez mais, a tarefa de coordenar e desenvolver os projetos. Nos últimos anos, ele dava apenas os riscos iniciais. Nós desenvolvíamos e ele revisava. A partir daí, passávamos aos estudantes e controlávamos a elaboração dos desenhos finais.

AG: O Sítio Santo Antônio da Bica, de propriedade de Burle Marx, é uma lenda dentre arquitetos e paisagistas. Como foi sua origem e formação? Como se deu sua doação para o Governo Federal?

JT: A idéia do Sítio nasceu na famosa estufa de Dahlem, em Berlim. Tendo conhecido plantas brasileiras que não eram usadas em jardins, Burle Marx decidiu adquirir uma área onde pudesse colecioná-las e, sobretudo, testar seu potencial para uso em paisagismo. Isso significa analisar não apenas sua beleza intrínseca, mas sua relação plástica com outras plantas e com o entorno, seu comportamento ou docilidade sob cultivo, avaliar suas possibilidades e exigências, relacionadas com variáveis tais como solo, umidade, iluminação.

Para tanto, ele necessitava de um terreno que oferecesse grande diversidade de ambientes, que pudessem acolher plantas oriundas de locais com as mais diversas conjugações dos fatores acima mencionados.

Após uma procura que durou mais de ano, finalmente foi localizada e adquirida, em sociedade com seu irmão Siegfried, uma área que reunia tais pré-requisitos. Assim, passava ele a dispor de espaço para suas experiências com vegetação a introduzir nas composições paisagísticas.

Iniciou-se, para não mais terminar, uma febril atividade de colecionamento de espécies que conseguia através de diversas estratégias: permutas com outros colecionadores institucionais ou particulares, compra em viveiros comerciais e, principalmente, excursões de coleta pelo interior do País.

Um mês depois de eu ter entrado no Escritório, realizou-se a fatídica excursão ao Morro do Chapéu – BA, quando faleceu o arquiteto Rino Levi, amigo de Roberto que costumava acompanhá-lo em algumas dessas viagens. Passou-se então um longo período até que Roberto se animasse a voltar a este tipo de atividade.

As coleções foram crescendo sem parar. Quando Roberto ia fazer alguma viagem a trabalho, usava um artifício curioso: preparava sua mala com coisas pessoais, e colocava esta mala dentro de outra maior, que invariavelmente voltava repleta de mudas e sementes. A cada viagem, uma grande quantidade de espécies era acrescentada. Pouco a pouco, o Sítio foi se tornando uma enorme coleção de plantas, com destaque para as autóctones do Brasil, como resultado das cada vez mais freqüentes excursões que voltou a realizar. Para abrigá-las, Roberto foi comprando terras vizinhas dos posseiros da região. Em termos fundiários, o Sítio constituía-se de um mosaico de pequenos terrenos de posse difusa, sem titulação forte e, em conseqüência, sem registro de propriedade.

Paralelamente a esse processo, o paisagista ia acumulando obras de arte: cerâmica popular brasileira, imaginária barroca, conchas, arte popular do nordeste, cerâmica do vale do Jequitinhonha, objetos antigos de cristal, carrancas e mobiliário popular da região do São Francisco, talhas de artistas então desconhecidos, cantaria de antigas construções, que ele adquiria em demolições no Rio de Janeiro, entre outras, transformaram-no em verdadeiro colecionador de coleções! E o Sítio atingiu proporções que começaram a trazer problemas sérios de manutenção. A necessidade de pessoal aumentava constantemente. A área cultivada se expandia e os cuidados que as plantas demandavam aumentaram de forma vertiginosa. Uma seca um pouco mais prolongada ou uma ventania eventualmente mais forte provocavam enormes prejuízos, com perda, muitas vezes irrecuperáveis, de valiosas espécies das coleções.

Diante de tal situação, Burle Marx começou a pensar em doar o Sítio a alguma instituição que pudesse arcar com as despesas de sua manutenção. Era seu desejo que o Sítio a ele sobrevivesse e que, além da manutenção de suas coleções, se transformasse em centro de estudos relacionados com paisagismo. A princípio, ele buscou organizações estrangeiras mas, as que se interessaram, desistiram ao tomar conhecimento da confusa situação fundiária do Sítio. E o assunto ficou engavetado...

Por esta época, Robério Dias, atual diretor do Sítio, e eu procuramos a Fundação Nacional Prómemória (atual IPHAN), buscando financiamento para um projeto que propunha refazer parte da viagem de Von Martius, cento e setenta anos depois, e comparar o ambiente que ele viu e o que existe hoje. Quando acabamos de tratar do assunto, João Leite, funcionário que participava da reunião, perguntou sobre como estava o Sítio. Relatei as dificuldades por que passava e ele sugeriu que Burle Marx fizesse o mesmo que fizera Augusto Ruschi, com seu Museu, poucos anos antes: doar ao Governo Federal, através da própria Fundação, à qual ficaria vinculado.

Levamos, Robério e eu, a idéia ao paisagista que, quase sem pensar, como era seu feitio, encarregou-nos de negociar a transferência. Esta foi feita com grande dificuldade, em razão da oposição e das exigências do sócio, seu irmão Guilherme Siegfried. Mas após pouco mais de um ano, a doação concretizou-se.

Algum tempo depois, conversando com Roberto sobre o assunto, ele se manifestou amargamente arrependido. Havia criado a expectativa de contar com muitos recursos e não considerara os entraves burocráticos, que retardam a liberação de verbas, que predestinam o uso dos recursos (conhecido, no Governo, como ”dinheiro carimbado”), entre outras dificuldades. Tampouco valorizava a ajuda efetiva que o Governo dava e dá até hoje. Antes da doação, Roberto mantinha 17 empregados cuidando de tudo. Depois de doado, o quadro aumentou para 54 funcionários. Mas ele estava tão contrariado, que não enxergava o lado positivo. Comecei a me sentir culpado, eu que fui um dos que o estimularam. Mas depois de sua morte, vi que havíamos feito a coisa certa. Se o Sítio tivesse passado a mãos particulares, provavelmente não existiria mais. Seria, para qualquer um, quase impossível manter suas coleções. No entanto, ele sobrevive e está bem mantido. Suas coleções de obras de arte estão catalogadas, a biblioteca organizada e as plantas saudáveis e bem conservadas.

Casa Olivo Gomes, São José dos Campos. Projeto arquitetônico de Rino Levi, paisagismo de Burle Marx
Foto Nelson Kon

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