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interview ISSN 2175-6708

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Veja a entrevista de Antônio Agenor Barbosa e Juliana Mattos com o arquiteto Marcos Konder, cujo mais conhecido projeto é o Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, no Aterro da Glória, Rio de Janeiro

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Vea la entrevista de Antônio Agenor Barbosa y Juliana Mattos con el arquitecto Marcos Konder, cuyo más conocido proyecto es el Monumento a los Muertos de la II Guerra Mundial, en el Aterro de la Gloria, Río de Janeiro

español
Read the interview of Antonio Agenor Barbosa and Juliana Mattos with architect Mark Konder, whose best known project is the monument to the dead of World War II, in aterro Gloria, Rio de Janeiro

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BARBOSA, Antônio Agenor; MATTOS, Juliana. Marcos Konder. Entrevista, São Paulo, ano 08, n. 029.02, Vitruvius, jan. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/08.029/3297>.


Monumento aos Mortos da 2ª Guerra. Arquitetos Marcos Konder e Helio Ribas Marinho
Foto Antônio Agenor Barbosa

Antônio Agenor Barbosa e Juliana Mattos: Inicialmente,gostaria que o senhor fizesse uma narração, da maneira que lhe for mais adequada e pertinente, a respeito das suas memórias da infância e da juventude. Quais os fatos, passagens e personagens deste tempo que o senhor destacaria como sendo os mais emblemáticos e importantes na formação da sua personalidade e da sua sensibilidade. Acho também relevante que o senhor enfatize algumas informações a respeito da sua família, dos seus pais, do lugar em que nasceu e foi criado e da escola onde iniciou seus estudos.

Marcos Konder: Olha, até que para falar um pouco da minha infância não me parece algo muito difícil por que neste exato momento eu estou escrevendo as minhas memórias da infância e da minha juventude. Na verdade, creio que já escrevi cerca de uma terça parte do que pretendo ainda escrever, de maneira que muita coisa está fresca na minha memória. Mas, vamos lá, eu vou começar a narrar para vocês passagens que julgo mais relevantes desde os meus primeiros anos de vida, está bem assim?

Eu nasci em Blumenau, no Estado de Santa Catarina no dia 11 de novembro de 1927. Em 2007, portanto, farei 80 anos. Sou filho de uma família tradicional de toda aquela região que é a família “Konder”. E esta família é originada de imigrantes alemães. Para ser mais preciso é uma família de alemães católicos que desde a sua origem havia a tradição do nome “Markus Konder”, assim mesmo com “U” e com “K”. Um dos filhos deste Markus Konder, meu bisavô alemão, foi o meu avô que também se chamava Markus konder. Depois este nome não se repetiu na geração de meu pai e retornou na ocasião do meu nascimento e passei a ser chamado de Marcos Konder Netto, agora o “Marcos” já sem o “K” e sem o “U”. De maneira que é uma antiga tradição na nossa família este nome “Markus”. E também tive conhecimento de muitas outras pessoas que também possuíam este nome como foi o caso do poeta, muito bom diga-se, que era o Marcos José Konder Reis que era meu primo. E na verdade este meu primo era de Itajaí e não de Blumenau.

Cabe dizer que aquele meu bisavô alemão chamado Markus Konder veio para o Brasil e se estabeleceu pioneiramente em Itajaí. Ele veio para o Brasil para ser professor, e veio a pedido de um migrante também alemão que chegara alguns anos antes no Brasil e que já havia até constituído família aqui no Brasil e tinha filhos. Então, como naquele tempo não havia no interior tantas escolas e um ensino formal e de qualidade, e também pelo fato de os alemães terem o interesse em manter o ensino da língua, o meu bisavô foi literalmente importado para ser professor, ou melhor, preceptor, dos filhos deste alemão. E o meu bisavô veio para o Brasil e depois de algum tempo se enamorou por uma brasileira, o que é um fato curioso pois, naquele tempo, era raro um alemão casar e constituir família com uma moça que não fosse também alemã. E o meu bisavô então se enamorou por uma brasileira, moreninha que não tinha muito a ver com o tipo alemão. Ele foi até bastante criticado por isto, pois muitos alemães eram muito racistas e perguntavam a ele por que ele não havia escolhido uma moça também alemã para casar e constituir família. Mas ele gostava muito dela e costumava dizer que ela era uma princesa.

Pois bem, este meu bisavô alemão teve oito filhos sendo quatro homens e quatro mulheres. E os homens desta família se desenvolveram em algumas coisas. Eu tive, por exemplo, dois tios avôs, irmãos de meu avô, que foram políticos famosos e importantes em Santa Catarina. Um deles foi o Adolfo Konder que, ainda antes dos anos 30, foi Governador do Estado de Santa Catarina e foi também Deputado Federal. O meu outro tio avô foi o Victor Konder – que tem até uma rua aqui no Rio, no Bairro da Barra da Tijuca com o nome dele – que chegou a ser Prefeito de Blumenau e também ocupou o Cargo de Ministro da Aviação e Obras Públicas no Governo do Presidente Washington Luis. E foi este meu tio-avô que abriu esta estrada Rio – Petrópolis, pois o Washington Luis tinha como slogan do seu governo a idéia de que governar era abrir estradas.

Um fato curioso é que em certa ocasião o Presidente Washington Luis esteve lá em Santa Catarina e ficou impressionado com a qualidade das estradas que tinham lá no Estado e quis saber quem era o responsável. Então informaram pra ele que tinha sido o Secretário de Obras o Victor Konder que tinha sido o responsável pelas estradas. Então a partir daí o Presidente Washington Luis convidou o meu tio-avô para ser Ministro.

Então a minha família sempre esteve ligada diretamente à política no Estado de Santa Catarina. Eu não diria que se constituía numa oligarquia, pois não havia a mesma relação entre a política e as formas de dominação e o coronelismo como nas oligarquias do Nordeste, por exemplo. Cabe dizer que estes meus antepassados eram, na sua maioria, profissionais liberais ligados diretamente à política. Não eram, como em geral ocorre no Nordeste, grandes proprietários de fazendas e terras.

Mas, de fato, é uma família que sempre ocupou várias esferas de comando em Santa Catarina, tanto é que até hoje um dos mais importantes expoentes da política no Estado é o Senador Jorge Bornhausen (PFL – SC) que é, na verdade, Jorge Konder Bornhausen e ele é meu primo. Na verdade, o pai dele era um alemão que viveu em Itajaí de nome Bornhausen que se casou com uma das irmãs de meu avô.

Antes dele também teve o Antônio Carlos Konder Reis que foi Deputado Federal e também Governador de Santa Catarina várias vezes. E por aí você já observa que eu sou oriundo de uma família tradicional lá do Estado de Santa Catarina.

Bem, então voltando ao que nós comentávamos, eu devo dizer que o meu avô casou com uma moça lá de Santa Catarina e um dos filhos dele foi o meu pai que foi o Gustavo Konder. E o meu pai se casou com uma carioca, pois minha mãe tinha ido com uns parentes dela lá para Santa Catarina. Na verdade minha mãe era órfã e era criada por um tio que era médico e que foi trabalhar lá em Santa Catarina numa espécie de serviço profilático do Ministério da Saúde na época. E aí minha mãe se fixou em Itajaí e por lá ela conheceu o meu pai e eles se casaram. Aliás, foi um casamento que, infelizmente, não foi muito feliz. Pois quando eu ainda era criança com cerca de 10 ou 11 anos os meus pais se separaram. E eu fui o único filho deste casamento.

Na verdade eu devo dizer que a minha mãe chegou sim a ter um outro filho algum tempo depois que eu nasci mas, infelizmente, este meu irmão morreu ainda criança por que naquele tempo as coisas eram mais difíceis e a minha mãe teve algumas dificuldades no parto e ela não podia fazer cesariana e também tinha a dificuldade de transportes pois em Itajaí não tinha um hospital com muitos recursos. E a minha mãe contava que eu quase morri também por que tive que ser levado às pressas para Blumenau que era uma cidade com uma rede hospitalar mais avançada. Daí a explicação de eu ter nascido em Blumenau. Por que a família toda era baseada em Itajaí. E Itajaí é uma cidadezinha que fica no litoral de Santa Catarina, onde tem um porto e Blumenau é uma cidade do interior do Estado. A distância até não é muito grande é como se fosse do Rio até Petrópolis mais ou menos. E Blumenau sempre foi uma cidade mais desenvolvida, com um bom hospital fundado pelos alemães, pelas freiras e pelos padres alemães.

Então, devido à morte daquele meu irmão recém nascido eu fiquei sendo filho único. Eu passei uma grande parte da minha infância em Blumenau com os meus pais durante um período em que eles se fixaram lá. E em 1930, eu com três anos, estive no Rio de Janeiro por conta até de questões políticas. Foi o período em que Getúlio Vargas chegou ao poder e derrubou o Governo do Washington Luis. E como a minha família era toda ela ligada ao Washington Luis, então tivemos que partir para uma espécie de pequeno exílio no Rio de Janeiro. Houve muita retaliação contra a nossa família de maneira que vieram todos para o Rio de Janeiro. Então, ainda bem criança eu passei uma temporada no Rio de Janeiro mas, algum tempo depois, meus pais retornaram para Blumenau por que meu pai tinha que trabalhar lá na cidade. Meu pai era escrivão de uma coletoria.

Aos sete anos eu também passei uma outra temporada aqui no Rio por que meus pais estavam meio brigados e já em um processo de crise e a minha mãe veio para cá e eu vim com ela. E fiquei um ano aqui de forma que estudei aqui numa escola pública durante um ano ainda nos anos 30. Era o tempo do Prefeito Pedro Ernesto, um grande prefeito que investiu muito em educação e que modernizou as em escolas municipais. Mas era um tempo em que as crianças eram obrigadas a participar de alguns rituais meio fascistas em que tínhamos que louvar o governo de Getúlio Vargas e cantávamos canções nativistas e por aí vai.

Então depois eu voltei novamente para Blumenau e acabei o meu curso primário lá e parte do meu curso ginasial também em um colégio de Padres Franciscanos.

Eu pra ser sincero nunca fui muito ligado a estas questões religiosas e nunca fui muito católico, até por que minha mãe era espírita e meu pai não era também muito ligado a estas questões e nunca acreditou muito naquela história toda. Mas como era a melhor escola então eu cheguei a fazer primeira comunhão e tudo mais.

Quando eu tinha 11 anos aí meus pais se separaram definitivamente e eu vim para o Rio de Janeiro com a minha mãe. A princípio fui morar com ela, mas depois eu passei a morar com a minha avó, mãe do meu pai, que desde 1930 tinha ficado residindo aqui no Rio. E como a minha mãe era uma pessoa pobre, não tinha recursos, a família do meu pai decidiu cuidar de mim.

Isto foi um golpe muito violento para a minha mãe, mas creio que também eles fizeram com boas intenções já que queriam que eu pudesse ter acesso a melhores oportunidades.

Então eu fui morar em Copacabana. Isto foi mais ou menos em 1937 ou 1938. Mas lembro-me também que logo que cheguei ao Rio eu estudei seis meses no Colégio Salesiano em Niterói. Era um colégio horrível, eu era aluno interno e eu me lembro que a gente não podia sair da escola. Então eu fiquei de janeiro até junho nesta escola que detestei. Era uma escola que não tinha saídas. As crianças somente tinham direito a receber visitas aos domingos como se nós fôssemos prisioneiros. Eu detestava aquele colégio.

Mas aí um dos irmãos de meu pai, um tio meu que me influenciou muito na minha vida, resolveu me tirar daquela escola. O nome dele era Victor Konder, que era o mesmo nome daquele tio-avô que eu já mencionei. Pois na minha família tinha muito esta tradição de repetir os nomes. E o meu tio Victor era o irmão mais novo do meu pai e foi uma pessoa importante na minha vida. Ele era ainda bem jovem quando eu vim para o Rio com a minha mãe. Eu tinha 11 anos e ele tinha cerca de 20 anos mais ou menos.

E o meu tio Victor era, embora jovem, uma cara de ideais de esquerda e um tanto quanto rebelde e já com certas opiniões e conceitos bem definidos na política. Ele era comunista, na verdade. Para você ter uma idéia ele era irmão do Valério Konder que foi o pai do Leandro Konder, um grande filósofo brasileiro, de ideais marxistas e que é meu primo. Na verdade também era “comuna”, como a gente dizia na época. Este meu tio Valério Konder, irmão do meu pai e do meu tio Victor e pai do Leandro Konder, chegou a ser preso em 1965.

Enfim, a minha família também sempre teve internamente estas dicotomias na política pois alguns eram de direita e outros eram comunistas, com idéias mais avançadas como era o caso deste meu tio Victor Konder que já mencionei. Tem tanto uma figura de direita como o Senador Jorge Konder Bornhausen como um grande homem de esquerda que é o Leandro konder, ambos meus primos.

E o meu tio Victor decidiu que eu não iria mais estudar em colégio de padre e fui estudar num bom colégio que era o Colégio Juruena que ficava na Praia de Botafogo e era um colégio leigo. E ali eu fiz todo o meu científico. Meu pai havia ficado em Blumenau e eu perdi bastante o contato com ele neste período após a separação. Somente quando eu já tinha 17, 18 anos é que pude retomar uma ligação mais constante com o meu pai.

A minha mãe, que passava muitas dificuldades financeiras, morava numa pensão na Rua do Catete. E eu visitava a minha mãe todo final de semana. Mas naquele tempo tudo isto era muito difícil pra mim, pois havia muito preconceito com relação a filhos de pais separados. E eu me lembro que eu tinha vergonha de dizer aos meus amigos que ia visitar a minha mãe lá no Catete. Eu me lembro que eu sumia, assim de repente, sem dar muita satisfação pra ninguém todo sábado à tarde quando eu ia ficar com a minha mãe. E no domingo eu voltava para a casa da minha avó em Copacabana e ia pegar uma praia com os meus amigos.

Hoje em dia, tudo isto pode até parecer uma bobagem mas, naquele tempo, foi muito complicado de administrar e eu tinha um pouco de vergonha também da situação. De forma que estas visitas que eu fazia à minha mãe era um segredo que eu guardava e não contava para ninguém.

Então eu acho importante expor tudo isto para vocês nesta nossa entrevista por que são aspectos da minha vida que, certamente, marcam a pessoa e que contribuíram para formar a minha personalidade e a minha maneira de ver e de perceber as coisas.

Então se eu pudesse resumir tudo isto eu resumiria assim estas passagens da minha infância: “memórias de um menino nem sempre feliz”. Por que eu lembro de ter vivido momentos de muita melancolia e de tristeza por conta de uma série de questões que já mencionei aqui para vocês.

E eu me lembro bem de Copacabana naquele tempo. Já estava lá o Hotel Copacabana Palace e a minha avó morava num casarão. Copacabana, naquele tempo, tinha apenas casas, ainda não tinham os edifícios de apartamentos. Mas eu me lembro que o maior edifício de Copacabana era o edifício OK que ficava ali na Praça do Lido. Um edifício art deco. E esta casa onde eu morei com a minha avó era uma mansão com três pavimentos, quintal, tinha um monta carga interno que ligava a cozinha que ficava em baixo à sala de jantar que ficava em cima. Depois a gente se mudou para um outro casarão que ficava na Rua Figueiredo de Magalhães, bem no coração de Copacabana. E isto tudo com a minha avó que era uma matriarca que tomava conta de todo mundo, cuidava dos filhos, dos netos. Ah! E tem um detalhe importante que eu tenho que dizer para vocês que é o fato de o meu pai ter nascido surdo. Este é um fato importante e que marcou a minha vida. E minha avó, lá por volta de 1910, resolveu que não ia aceitar que o meu pai também ficasse mudo. E veja você que coisa interessante, ela passou a se corresponder com algumas autoridades médicas e professores das mais importantes instituições da França e, por conta própria, a partir das informações que ela recebia destas pessoas, ela passou a ensinar o meu pai a falar e a entender o que nós falávamos a partir da leitura labial. E aos 6, 7 anos de idade meu pai já estava alfabetizado.

A minha bisavó, casada com o velho “Markus”, não gostava muito da minha avó. Por que a minha avó era uma livre pensadora, com pensamentos de esquerda. Era uma mulher avançada para a época dela. E ela foi a grande responsável pela educação do meu pai que, apesar da deficiência auditiva, adquiriu uma instrução muito boa. Quando o meu pai foi para São Paulo, ele passou um ano lá se aperfeiçoando como professor. Esta história é muito interessante por que, anos mais tarde, ela se repetiu na minha família. Eu, por exemplo, tenho um filho mais moço que também nasceu surdo. E isto é uma coisa genética na minha família e de vez em quando alguém nasce com esta deficiência. Eu tenho uma prima e uma sobrinha que são surdas também.

A minha mulher, Sarita Konder, que também é uma pessoa muito inteligente, avançada, ela é professora. Ela, já sabendo do caso do meu pai, nós constatamos logo cedo a surdez do nosso filho. Aí quando os nossos filhos nasceram a gente logo em seguida corria para fazer uma audiometria para verificar se algum deles havia nascido surdo. E quando o nosso segundo filho nasceu, o Ricardo, nós constatamos logo que tudo indicava que ele tinha nascido surdo. Aí a minha mulher teve a mesma iniciativa que a minha avó e passou a se corresponder com alguns especialistas dos Estados Unidos já que ela é professora de inglês. Ela descobriu uma Clínica Especializada em Surdez de crianças que nos orientou como proceder nos cuidados com o nosso filho. E a Sarita, minha mulher, foi a grande responsável pelo nosso filho ter sido criado dentro de um ambiente completamente normal, pois ele estudou, se formou e hoje é funcionário público e tem uma vida normal. Ao contrário de ter estudado numa escola específica de educação de surdos, onde eles ensinam apenas a linguagem de sinais e com isto, na minha opinião, vai se criando uma espécie de um gueto, por que somente as pessoas que dominam aquela linguagem é que podem se comunicar. E o meu filho também pode conhecer o meu pai que era um homem muito culto e que tinha uma biblioteca muito grande e lia muito.

AA / JM: Em que momento o senhor se sentiu despertado pela arquitetura? Havia algum arquiteto e ou artista na sua família?

MK: Esta pergunta é boa. E cabe dizer que desde que eu era bem pequeno eu já gostava de desenhar. Quando eu não tinha amigos pra brincar eu não ligava a mínima pra isto por que eu ficava distraído com meus desenhos. E instintivamente, eu até já fazia alguns “desenhos de arquiteto”, por que eu fazia cortes. Eu gostava muito de imaginar túneis e com pessoas andando ali por dentro. E talvez muitos destes desenhos deviam ter a influência de revistas de histórias em quadrinhos que começavam a chegar no Brasil naquela época tais como: Flash Gordon, o Príncipe Valente, o Fantasma Voador. E todo mundo na minha família dizia: “esse menino tem muito jeito pra desenho e quando crescer vai ser engenheiro!”

Aí eu cresci com esta idéia de que, pelo fato de desenhar bem, só me restava ser engenheiro.

E agora eu faço um corte importante nesta história que é que quando eu tinha uns 16 anos eu me mudei pra Ipanema, ali na Rua Nascimento Silva. E a Nascimento Silva lembra alguém a vocês da Música Popular? Pois bem, foi ali que nasceu a Bossa Nova e onde morava o Tom Jobim de quem eu fui grande amigo e companheiro por muitos anos. Fui amigo dele e do Newton Mendonça. Nós éramos três inseparáveis. Éramos adolescentes e eu vi nascer o Tom Jobim como músico. O Tom era filho de uma professora, proprietária do Colégio Brasileiro de Almeida. E nós nos reuníamos com mais um outro rapaz que era o Carlos Madeira que, mais tarde, se formou em medicina. E todos nós tínhamos muito interesse por arte e também por música. Uma ocasião resolvemos estudar gaita e o Newton Mendonça, que morava três edifícios além do meu, já tocava piano e violino. Todos da mesma geração, mesma idade, eu era um pouco mais moço, coisa de meses. Creio que todos até tínhamos nascido no mesmo ano em 1927. Então vivenciamos tudo isso juntos. Para o Tom, aquela coisa de “gaitinha de boca” não satisfazia. A mãe dele tinha uma garagem no colégio onde tinha um piano para a aula de música, ele ia pra lá e ficava batucando no piano, de ouvido. Lembro-me que a gente passava várias tardes por lá, eu também ia, a gente cantava as músicas da época. Isso na década de 1940, pois entrei na faculdade em 1945. O Tom Jobim era um garoto, assim como eu. A mãe dele, Dona Nilza, e o padrasto, Celso Pessoa, pessoas avançadas para a época, também perceberam seu talento para a música e contrataram uma professora de piano particular, a Dona Lúcia Branco. E o Tom começou a estudar música como se fosse para ser um pianista, um concertista. E aprendeu e reclamava muito que gostaria de ter a mão maior para ser um bom pianista. E eu ficava gravitando em torno desse universo musical e conheci a irmã dele, uma moça muito bonita, a Helena Jobim, mais moça, ela é escritora e recentemente escreveu um livro sobre o Tom Jobim. Então fomos crescendo, naquela rodinha de amigos. O Tom estudava comigo no Colégio Juliano, nós íamos de bonde, pegava o bonde lá na praça General Osório e íamos até a praia, tinha bonde no Rio de Janeiro inteiro naquela época.

Mas o fato é que a gente estava meio sem saber o que fazer da vida, e como a gente gostava muito de arte, resolvemos estudar arquitetura. Mas, inicialmente, eu comecei a me preparar para prestar o vestibular para engenharia. Naquele tempo não havia cursos preparatórios para o vestibular e sim os professores particulares. Nós éramos garotos de praia. Em uma ocasião, eu estava na praia, num domingo, e conversando com um rapaz um pouco mais velho que eu, que tinha acabado de entrar pra faculdade, e estávamos conversando sobre vestibular e ele me perguntou o que eu iria fazer. Falei-lhe que iria fazer engenharia. E ele: “Engenharia, por quê?” Respondi que iria fazer engenharia porque gostava de fazer projetos, desenhos. Não rapaz isso não é engenharia, isso é arquitetura (risos). E perguntei a ele: “E tem essa faculdade de Arquitetura?” E ele me disse que havia acabado de entrar para a faculdade de arquitetura, um curso da Escola de Belas Artes. Na época não era uma faculdade como hoje, mas apenas um curso da Escola de Belas Artes. E então decidi fazer o curso de arquitetura, num domingo na praia. E nos preparamos entre tantas farras, estudamos bem e passamos bem. Eu acho que eu passei em terceiro lugar e o Tom Jobim em quinto. O Tom era muito inteligente e tinha muita facilidade para aprender matemática e física. É engraçado, podemos ver como é curiosa a relação entre estas duas matérias com a música. Ele não tinha sido um aluno muito aplicado no ginásio e quando fomos estudar para o vestibular, compramos livros e estudamos sozinhos. E o Tom mesmo não sendo um bom aluno, como já mencionei, tinha muito mais facilidade que eu para a matemática. Entramos juntos para a faculdade de arquitetura, mas o Tom nunca abandonou a música. O Tom ficou apenas seis meses e desistiu. E nós entramos para o Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes no mesmo ano em que este foi transformado em Faculdade de Arquitetura. Entrei em 1945, quando, então, foi fundada a Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. Sou, portanto da primeira turma, que concluiu o curso após essa mudança. Interessávamos-nos muito pela garotas da Escola de Belas Artes. Na época, a hoje famosa atriz Nathalia Timberg, era uma dessas alunas da Belas Artes, estudava pintura. As primeiras faculdades de arquitetura no Brasil foram essa aqui no Rio e a Mackenzie, em São Paulo. Sendo a do Rio a primeira Federal de Arquitetura do Brasil. Vindo nela estudar muitos alunos de fora como, por exemplo, o compositor Billy Blanco Trindade, que se formou na mesma turma que eu. Ele era do Pará, foi estudar no Mackenzie, e quando ele estava no terceiro ano (naquela época era por ano e não por semestre como hoje em dia) veio a ser meu colega. E ele até fez o samba da nossa formatura. O “Eu danço samba de anel no dedo”. Ele fez um samba, também na ocasião da transferência da Capital, o “não vou pra Brasília...nem eu, nem minha família...”. Ele é um bom compositor, mas assim como o Tom Jobim, não se dedicou à arquitetura.

Objeto popular na residência Marcos Konder em Santa Teresa
Foto Antônio Agenor Barbosa

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Julio Roberto Katinsky

Gabriel Rodrigues da Cunha

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