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interview ISSN 2175-6708

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Ao pichar obra de Nuno Ramos na última Bienal de Arte de São Paulo, o pixador Djan Ivson, conhecido como Cripta Djan, chamou a atenção para a ambiguidade de sua forma de expressão, que ronda perigosamente a contravenção e flerta envergonhada com a arte.

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LASSALA, Gustavo; GUERRA, Abilio. Cripta Djan Ivson, profissão pichador. "Pixar é crime num país onde roubar é arte". Entrevista, São Paulo, ano 13, n. 049.04, Vitruvius, mar. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.049/4281>.


Matéria sobre Cripta Djan Ivson na capa do caderno Ilustrada, Folha de São Paulo
Foto divulgação [FSP, 15/03/2012, p. E1]


Gustavo Lassala e Abilio Guerra: Você sabe como surgiu esse movimento em São Paulo? O que você acha que motivou o início da pixação?

Cripta Djan Ivson: Cara, esse movimento da pixação com “x” começou mesmo com os punks, tá ligado? A gente analisa os primeiros pixadores: eles eram punks. Final dos anos de 1980, cara, a partir de 1986, tá ligado? Só que no final dos anos 80 começou a ter festa, point e as uniões, entendeu? Isso começou a se caracterizar: Os Melhores, Os Piores, Os Mais Antigos, Os Mais Fortes, Os Mais Imundos, entendeu? Essas uniões começaram a se consolidar e se você vê os convites da época, os caras, com desenho punk, os temas, eram todos punks, os caras com a guitarra na mão, com moicano, entendeu? A galera tinha essa lance de protestar, esse cunho político, mais adotado pelo movimento punk. Não era aquele político da época da ditadura, mas o punk tinha uma linha de anarquia e tal, sempre protestando e questionando. A raiz do pixo é o movimento punk, entendeu?

GL/AG: Você acha que eles tinham contato com revista e livro do movimento que acontecia em Nova York, com o movimento do grafite, que tem muita semelhança com a pixação? Existe alguma ligação?

CDI: Cara, isso que é legal, a galera não tinha influência nenhuma, pixador nunca foi influenciado pelo grafite. Nunca! Pelo contrário, quem sempre influenciou o grafite foram os pixadores. Antigamente, pixador nem gostava de grafiteiro.

GL/AG: E você acredita que o design das letras do pixo está ligado ao logotipo das bandas de punk da época?

CDI: Totalmente. Porque os caras pixavam... O Lixomania é uma banda de punk, os caras pixavam “Sex Pistols”. Tinha o Birajá Punk, tinha... Bom, você pode reparar nas letras, eles se apropriavam mesmo, eles faziam os nomes... Era muito ligado com isso, entendeu? Tinha muito cara que pixava nome de banda, tinha o Dead Kenyds, tá ligado? Deve ter tido “Ramones”; tem uns caras que não chegaram a se destacar, mas, às vezes, a gente acha uma assinatura, uma folha de alguém, uma foto.

GL/AG: Ainda no design de letras, o Cripta, quando você entrou, já tinha essa assinatura?

CDI: A raiz dela foi criada pelo CBR. O CBR era um cara que tinha facilidade para inventar letra, tá ligado?

Pixo com a assinatura da gangue Cripta, imagem capturada a partir de um quadro na sala da casa de Djan Ivson Silva
Foto Gustavo Lassala

GL/AG: Ela se diferencia da letra padrão do pixo?

CDI: Muito, muito! Sabe o que aconteceu, o CBR em 1998 foi pro Nordeste, não sei que Estado exatamente, não me lembro. A gente fez uma viagem, eu fui prá Bahia... Ele voltou com influência dessas letras puxadas, essas perninhas, e falou que foi influência de lá. Eu andei reparando por aí e tem um lance assim nas pixações de outros estados.

GL/AG: E você acha que isso também foi um fator de destaque em relação às outras gangues?

CDI: Cara, todo pixador tem que buscar uma diferenciação, mas o CBR conseguiu inventar uma letra que realmente se diferenciou e que eu aperfeiçoei com muito rolê. Basicamente, ela é a mesma, mas os traços começaram a ficar mais arrojados. A gente sempre teve uma letra mais simples e uma mais complexa, uma para fazer mais rápido e outra, com mais trabalho e tal.

GL/AG: E tem relação com o espaço para desenhar a letra?

CDI: Tem muito! Às vezes, a gente está com uma galera grande e essas letras se destacam muito, por mais que eu esprema elas...

GL/AG: E se deixar as últimas letras apertada ou encavalada, “queima o filme”?

CDI: Existe vaidade na pixação, existe pixo bonito, pixo feio... Eu era um cara que quando comecei a me destacar, era porque eu subia numa janela e não deixava espaço, eu fazia de ponta a ponta... Eu sempre gostei de manter a tradição no pixo: jogando primeiro a união, depois a gangue, assinando, colocando data, zona, entendeu? E é bem típico paulista; nos outros estados não tem isso, é só aqui em São Paulo. Sempre gostei mesmo de manter a tradição, tá ligado? Porque tem muita molecada que, às vezes, acaba dispersando. Eu não, sempre fui um pixador à moda antiga e por isso que a galera da velha sempre prestou atenção no meu rolê, por causa dessas coisas. Eu ergui união que os caras viam na época deles. Os caras falavam “esse moleque tá representando Os Mais Fortes”.

Edifício pichado, São Paulo
Foto Jemandanderes [Wikimedia Commons]

GL/AG: O que motiva os pixadores a continuarem hoje em dia?

CDI: A motivação dos caras é a disputa. É essa busca existencial, sabe?

GL/AG: Mas disputa com quem? Com o poder público, entre os pixadores?

CDI: Basicamente, cara, eu defino como uma busca existencial. Sabe, porque a vida do cara muda, o cara passa a ter Ibope, muda tudo, parece que você era pobre e ficou rico, entendeu? E você não precisa ter dinheiro para isso, cara, e aí tem o cara que é “mó” tranqueira, mas aí é pixador, mano e tem fã. O cara anda pela cidade inteira, dormindo na casa de um e de outro, pixando com um e com outro, sério...

GL/AG: E é bem tratado?

CDI: É, tipo os caras pulando, pega no colo... Tem cara que “banca a lata”, mesmo. Tem cara que prá desenvolver uma caminhada então, essa busca existencial, o cara não era porra nenhuma, era um fudido... Na pixação ele encontra uma forma de ser reconhecido sem a questão do dinheiro, né? Sem a questão econômica envolvida.

GL/AG: Existem personagens míticos antigos e recentes cultuados pelos pixadores?

CDI: Tem muito, lógico. O Di, o Tchentcho, o Xuim. O Tchencho e o Xuim foram os primeiros caras a pixar no alto e a se destacar, serem grandes referências nisso. O Di já pixava na época dos caras, mas ele começou a pegar prédio, vendo os caras fazer prédio e aí os caras pararam e ele deu continuidade, acabou superando todo mundo.

GL/AG: Esses foram os precursores em pixar prédios?

CDI: Eu não posso afirmar se foram os primeiros, primeiríssimos, mas que eles foram os primeiros a se destacar. Foram as primeiras matérias de jornal a sair: “prédios viram alvo de pichadores”. Aquele prédio na Faria Lima, de esquina, tem uma escada assim: “Tchentcho e Krellos catô”, tá ligado?

GL/AG: O Di morreu, não é? E o Tchentcho e o Xuim?

CDI: O Xuim até que “cola” com a gente, às vezes, cara. O Tchentcho está na igreja e é aquele cara muito radical com o lance de igreja. O Xuim deu uma pixadinha de leve, mas o Xuim virou empresário. Hoje em dia ele trabalha com negócio de carro e até o nome da empresa dele é Xuim; é um cara bem sucedido.

Edifício pichado, São Paulo
Foto Edgar Fabiano [Wikimedia Commons]

GL/AG: Como se entra num grupo de pixadores? Tem algum ritual de iniciação?

CDI: No Cripta, rolam os convites. Eu tenho a percepção de chamar os moleques e de transformar eles em monstros. Eu consigo fazer isso com a minha influência de trazer eles pro Cripta e falar “ó, eu não só chamo, eu incentivo, eu mostro, eu dou ideia, eu converso, explico”. Minha experiência: eu tive minha independência na pixação, ninguém me apadrinhou, tá ligado? Então eu tento passar isso pros caras. A gente era tirado de bafo, colava nos points, se sentia humilhado e usava aquele ódio para reverter isso no rolê, entendeu? E falava “um dia eu vou colar aqui e vou ser respeitado”, tá ligado? Então, eu explico isso pros caras e eles sabem a responsabilidade de entrar no Cripta. Às vezes, o moleque entra no Cripta e se transforma, então os caras falam “Porra, Djan! Como você tem sorte assim?”. Todos os moleques que eu pus no Cripta representaram, eles não chegaram ao meu nível, mas alguns chegaram até perto, tá ligado? Mas os moleques todos fizeram rolê digno, têm sua expressão no Cripta, se fala assim “ó, esse é fulano, esse é beltrano...”. Todo mundo conhece a assinatura dos moleques e é muito difícil, cara, isso acontecer. Teve alguns que não deram certo.

GL/AG: Mas como que é, “os caras” se aproximam, colam no point? Conhecem você da rua?

CDI: Olha, a gente tem uma tradição de colocar quem tá mais próximo. Às vezes, a molecada do bairro que já pixa, já tem um vínculo. Minha casa, cara, nesses anos de pixação, sempre foi muito visitada por pixadores, por molecada. Vinham ver foto, vídeo... Esses moleques, às vezes, têm uma presença muito constante na minha vida e quando vejo, esses moleques já estão fazendo parte do meu convívio, só de colar em casa, de me ver no point, de me acompanhar ali... Às vezes eles colam com um moleque que já é mais envolvido comigo e vão criando vínculo e quando eu vejo, começo a ver a importância daquele moleque, começo a ver o rolê dele na rua e a gente dá o incentivo na hora certa. Eu consigo ter essa facilidade de fazer os caras, incentivar. Até os manos da zona leste lá falaram “porra, Djan, você aponta e diz ‘você vai ser o próximo zica da pixação’”. Os caras têm até essa visão, sabe? De fora, eles não conseguem achar, recrutar os moleques com facilidade.

GL/AG: O que seria “zica”?

CDI: Zica é um cara corajoso, que é embaçado mesmo, que é um cara linha de frente, que vai encarar qualquer coisa, sabe? Aquele cara que é encardido mesmo, tá ligado? Essa expressão é muito usada. Antigamente zica era mais usado prá coisa que deu errado. Hoje em dia, ao contrário, zica, se torna até uma qualidade. Se vê pelos pixos dos caras “Os Mais Imundos”, “Os Porra Nenhuma”, “Sujos”...

GL/AG: Mas e se o cara quer entrar no Cripta, você dá o aval, conversa com os outros integrantes?

CDI: Hoje em dia eu tenho condição de estar na liderança mesmo, na linha de frente do negócio, sabe? Porque foi uma coisa muito espontânea, uma liderança que acabou se dando com o tempo. Eu sempre respeitei o CBR, que foi o líder, o cara que inventou o Cripta, meu parceiro. A gente andou muito tempo junto, pixamos bastante, tanto é que teve uma época que saí d’Os Garotos porque eu realmente queria ser do Cripta e o CBR já tinha um conceito na quebrada e tal e a gente era parceiro. Todo mundo d’Os Garotos parou e só ficava eu e o CBR no rolê. Gostava do Cripta prá caramba e pedi até prá entrar porque ele ficava com vergonha de me chamar e a mina dele me falou: “ele é tímido e está com vergonha de te chamar”. Sabe como ele é... Aí, entrei no Cripta. Logo que eu entrei, uma semana depois, uma gangue, a mais famosa da cidade, que era a Autopsia, me chamou. O cara mandou uma carta da cadeia, um monstrão que foi preso, mandando o outro me por na gangue. Era o Dé. Esses caras eram nossas referências máximas de pixação em Barueri e aí foi difícil prá mim negar esse convite, velho. Me chamaram prá entrar no Autopsia e eu li a carta. Eu fiquei divido, mas eu tinha aquele vínculo de amizade com o CBR e eu não deixei o Cripta. Muita gente não acreditou, falou “porra, mano, você é louco! Deixou de entrar no Autopsia. Foi bom porque o Autopsia já tinha esses caras como referência, né? Eu ia conseguir me destacar, lógico... Mas no Cripta foi legal que foi uma parada que nós erguemos do zero. Era um pixo de vila.

GL/AG: O que é se destacar? Pixar alto? Maior quantidade de vezes?

CDI: Você conseguir ter nome, cara, é conseguir ter nome na pixação, mano, reconhecido por todo pixador. A grande maioria vai, flagra seu pixo, quando o cara te “trombar” assim: “você que é o Cripta? Você chegou na minha quebrada, pixou em tal lugar”. Isso é ser reconhecido. Chegar em vários lugares e a galera conhecer seu rolê, entendeu? Tem os caras que se empenham mais no centro; tem outros caras que não tem nada no centro, mas “explode” a cidade toda; e tem várias formas, várias outras modalidades do cara se destacar na pixação, entendeu? Tem a galera mais do “baixo”, tem cara que não faz nem pé nas costas, tem uns caras que já gostam de sair metendo escada por aí, outros mais de vara, de extensor, tem muito tipo de pixador.

GL/AG: O que você acha da forma que o Tumulus faz, de pixar em lugares que a mídia vai fazer cobertura, só para aparecer na TV?

CDI: O Tumulus ficou até mal visto na pixação por causa disso. Não o Tumulus, a gangue, mas o Tatei. Porque não tem rolê na rua, apesar de ser um cara antigo na pixação, de “milianos” [“mil anos", “há tempos”], que nunca teve rolê. Mas o Tumulus sempre foi uma gangue de nome porque tem o Marcal, outros caras e sempre entrou uma molecada boa que representava o Tumulus, entendeu? Pode se dizer que o Tatei é tipo o cara que cuida do marketing da gangue, mas é também uma forma de se destacar, velho, de certa forma tem gente que admira também o cara, né? Ele conseguiu ser competente também.

GL/AG: Na sua grife é você quem dá a última palavra?

CDI: Também... Eu me tornei o líder dos Os Mais Fortes, que é uma união antiga, de muita tradição, tem 21 anos, inclusive. Eu entrei em 1999 n’Os Mais Fortes, eu sou líder de duas grifes – O Círculo Vicioso e Os Mais Fortes – e essa liderança se deu por uma coisa assim, espontânea, sabe? O “Círculo” eu peguei morto, a gente pegou morto em 1998. É uma união de 1995, a gente trouxe para zona oeste e começou do zero, já viemos como líder para cá e eu entrei n’Os Mais Fortes. O primeiro grande líder foi o Alex, “Tita, do Elementos”; esse cara pixou com nós até dias atrás e a gente tá ligado até hoje. Hoje em dia ele tá na igreja, tá de boa, mas mesmo assim ele tem vínculo com a gente. A gente se liga, se fala, entendeu? E aí, eu entrei porque eu era realmente um moleque que “puxava o bonde”. Eu consegui levar essas grifes a uma visibilidade que elas nunca tiveram, por isso que eu me tornei o líder, entendeu? Eu já tinha esse lance, tudo eu estava à frente, era uma coisa muito espontânea, sabe? Quando eu via, era a própria galera que falava “não, mano, é o Djan!”. A própria galera me promovia a líder, entendeu?

GL/AG: Uma vez dentro de um grupo, um pixador pode mudar para outro?

CDI: Às vezes o cara é “espirrado”, às vezes o cara sai, normal...

GL/AG: E se for como na política, sai de um partido e vai para outro?

CDI: Aí fica uma mágoa, dependendo de qual for a rincha, se tá entrando numa grife que tinha treta com a outra, tá ligado? É uma questão muito política. Às vezes, o cara sai de um prá virar inimigo do outro.

GL/AG: Você se vê pixando fora do Cripta?

CDI: Não, nunca. Cripta é minha família, cara. Depois da minha família, aqui em casa, o Cripta é minha família mesmo, tipo parente, velho. Se o cara entrar pro Cripta, ele vai ter um vínculo diferente prá sempre. Da época do CBR, tinha uns caras que até hoje a gente vê, se fala... Estes caras não pixam há muitos anos, mas vem em festa, “cola” junto, é tipo um parente, não é apenas um amigo. O cara ser do Cripta ou d’Os Mais Fortes é diferente. Ele já passa a entrar prá família, entendeu? Literalmente entra prá família, entendeu?

Djan Ivson Silva segura jornal em que ele e Rafael “Pixobomb” são destaques da reportagem sobre convite para a Bienal de Artes de Berlim em 2012
Foto Gustavo Lassala [O Estado de S. Paulo]

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