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interview ISSN 2175-6708

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O arquiteto Jayme Zettel trabalhou em parceria com Lucio Costa e esteve inserido tanto no contexto da construção de Brasília como da memória da arquitetura modernista no Brasil.

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LEVY, Wilson. Entrevista com Jayme Zettel. Entrevista, São Paulo, ano 16, n. 064.03, Vitruvius, nov. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/16.064/5809>.


Memorial JK, Oscar Niemeyer
Foto Magno Júnior [Wikimedia Commons]


Wilson Levy: Nesse meio tempo eu adquiri dois livros que eu achei muito legais com as fotos do Jean Manzon. E qual o outro fotografo que retratou bem a construção de Brasília?

Jayme Zettel: Mário Fontenelle? É o que eu me lembro.

WL: Não, foi um livro que saiu pelo Instituto Moreira Salles, Retratos de Brasília. Que tem o Jean Manzon e tem esse outro que fez muitas fotos. Enfim, depois eu lembro.

JZ: Marcel Gautherot?

WL: Isso.

JZ: As fotos de arquitetura dele são extraordinárias.

WL: Sim, sim. E eu sempre comento que elas, de certa forma, traduzem de maneira muito fidedigna se não um espírito de época mas uma expectativa de época. Acho que isso é a maneira como a execução do projeto é retratada.

JZ: É, ele era muito integrado com a gente. Ele era amigo nosso. Funcionava num escritório, num ateliê. Era ótima pessoa.

WL: É um tema que tem me interessado bastante por conta do meu doutorado. Porque – pelo menos eu leio assim e a gente até pode conversar a respeito – o projeto não é só um projeto; o projeto traz um repertório que fica no backstage muito grande. E tentar traduzir o projeto numa linguagem antropológica, estética, cultural, histórica, é sempre um desafio muito interessante.

JZ: Só pra te lembrar que, na verdade, a gente naquele momento acreditava no Modernismo. Então, o Modernismo trazia isso tudo. Quer dizer, os princípios de educação, de planejamento urbano estavam embutidos naquilo. Na verdade a cidade é isso. Agora, o Oscar transforma aquilo em uma outra realidade, a verdade é essa. Ele, quando faz sua arquitetura, já é uma expressão formal de arquitetura que ultrapassa a questão sociológica, urbanista, que a gente acreditava. O próprio Lúcio, se você lê o Plano Piloto: houve uma grande discussão na hora do jurí, quando foi feito o resultado, em que o Marcelo Roberto dizia que a cidade do Lúcio era uma cidade do século 19. Isto porque havia um módulo: quando você lê o plano, o Dr. Lúcio faz citações, fala do mall inglês, ele fala que você tinha de sentar em umas cadeiras de lona verde, ao longo do Eixo Monumental. Vale a pena: é uma curiosidade interessante ver como o Dr. Lúcio escrevia isso. Por outro lado, quando eu fui fazer minha pós-graduação, que naquele momento era especialização, em Londres, eu tive as aulas e percebi que os nossos projetos eram cópias, quer dizer, não eram cópias, mas outro sentido desse planejamento que vem com a Escola Inglesa, que era o princípio que a gente seguia de urbanismo. O Oscar vai para o Corbusier e o Lúcio também. Mas o planejamento urbano era o que estudávamos.

WL: Jayme, você que viveu efetivamente o período. Como o Brasil se enxergava? Qual era o clima no país naquele meados de década de 1950? Não só do ponto de vista ideológico, mas também cultural, intelectual.

JZ: Era a maior euforia. Você pode ver. Se você pegar todas as atividades culturais, deu gente da melhor qualidade: música, pintura, arquitetura. Você tinha Villa Lobos, Portinari, as grandes figuras. Você tinha o Oscar. Os paulistas gostam de dizer que era um “reflexo da Semana de Arte Moderna de 22” (risos).

WL: Mas, também do ponto de vista político, qual era a novidade? Ou não havia novidade?

JZ: Tinha. O Juscelino era uma grande novidade. Porque lembre-se que passamos do Getúlio, da sua morte…

WL: Para o Café Filho.

JZ: Sim, mas de qualquer maneira veio o Juscelino que era o “Brasil grande”, “Brasil Maior”. Aquelas coisas que realmente criaram um clima de muita euforia. Nós íamos fazer várias cidades para poder fazer o desbravamento do interior. Essa era ideia, não apenas ficar em Brasília, você tinha que continuar subindo, né?

WL: E tudo de maneira articulada? Como se Brasília fosse um centro irradiador?

JZ: Como se fosse, não; era. Na verdade, a ideia é que era um centro irradiador. Você tinha saído do litoral para desenvolver o Centro-Oeste.

WL: E quais foram as motivações de JK e daquele momento que acabaram por desaguar na ideia do projeto de Brasília?

JZ: O projeto de Brasília na verdade era antigo. Era de 1800 e tantos. Não me lembro exatamente a data. Tinha sempre essa ideia de você sair do litoral e ir pro interior e o JK pegou essa ideia e desenvolveu.

WL: E isso estava, de alguma forma, articulado com esse movimento intelectual?

JZ: É.

WL: Não sei se a palavra é própria, mas ele é como algo antigo ressignificado por esse caldeirão de coisas.

JZ: Exatamente.

WL: E qual era a visão de JK nesse processo? O que ele enxergava nessa iniciativa?

JZ: Eu acho que, na verdade, era esse Brasil grande, Brasil maior, tudo era uma coisa over, entende? Mesmo no desenvolvimento das cidades, você vê que havia os elevados, os minhocões, não sei das quantas. Quer dizer, há de qualquer maneira uma coisa que é muito interessante que é o processo migratório. Eu gosto muito de citar isto: quando eu dava aula, 60% era área rural e 40% área urbana. E nesse momento, nos anos 1950/60, houve uma mudança para chegarmos hoje em dia em 80% de ocupação urbana. Há o desenvolvimento da indústria automobilística, por exemplo, e tem um pecado que eu acho muito grande que foi acabar com a malha ferroviária. Era uma coisa importantíssima, mas que foi substituída pela malha rodoviária, caminhões, carros, gasolina etc. Você tinha o petróleo, a Petrobrás (“O petróleo é nosso”). Todo o clima era de euforia.

WL: Mas isso também se deu num contexto político fragmentado. JK era uma figura de destaque, mas politicamente havia muitas tendências e muita disputa no parlamento; os movimentos políticos se contrachocando num contexto geopolítico maior. Como a classe política recebeu a ideia do projeto de Brasília?

JZ: Mal. Foi uma imposição, não sei nem o termo. Primeiro, as pessoas não acreditavam. A UDN combatia furiosamente essa ideia do JK. Porque se dizia que estava gastando um dinheirão, o que é verdade, para fazer essa capital, mas ele foi pelas composições, pelo PSD, e conseguiu montar uma estrutura de aprovação. Temos que lembrar que Brasília foi feita em 3 anos. Eu tenho uma história curiosa: tinha o Gustavo Corsão, que era da direita e não acreditava em nada do que estava acontecendo no Planalto. E quando eles fizeram a ligação de telefone o Zé Paulo, que era o diretor da Telefônica, telefonou pro Corsão e o Corsão achou que era mentira. Foi tudo assim. Trabalhávamos 12 horas por dia, achando que a vida era assim mesmo e bom, tudo bem.

WL: Mas ele produzia uma costura política?

JZ: Sim.

WL: E o Partido Comunista, à época, já havia voltado à legalidade?

JZ: Eu acho que voltou e depois tornou-se ilegal de novo. Não tenho muita certeza não. Em 1946 voltou e depois caiu na ilegalidade de novo, não é isso?

WL: Sim, com Vargas. E como a imprensa recebeu?

JZ: Havia os jornais de direita que combatiam o tempo todo o JK, ele foi muito combatido. Teve o episódio de Aragarças, tentativa de golpe da Aeronáutica. JK, com muito jeito, anistiou, perdoou, mas você sentia que existia essa direita atravessada. No momento em que foi possível, ela se manifestou, bateu panela (risos).

WL: E agora, descendo um pouco mais à questão dos arquitetos. Imagino eu que, para a classe dos advogados, o momento de construir uma cidade talvez seja muito parecido com o momento de redigir uma constituição. Como os arquitetos e técnicos receberam? Como isso agitou o meio dos arquitetos, urbanistas, engenheiros? Como essa geração enxergou tudo isso?

JZ: Foi uma oportunidade extraordinária de trabalho para todo mundo. Abriu-se uma frente de trabalho extraordinária para empresas, arquitetos, engenheiros, para o mercado imobiliário. Foi sem dúvida alguma um momento de riqueza.

WL: O que isso produzia nas conversas, nos diálogos, no IAB, nos institutos?

JZ: Na verdade, todo o instituto de arquitetos estava na mão dos arquitetos modernos. Não havia nenhum conflito. Todo mundo achava que era assim mesmo. Na minha cabeça, que eu me lembre, as pessoas produziram para Brasília. E quero te dizer que, para mim, era complicado, pois eu era absolutamente fanático (risos). Imagine-se recém formado indo trabalhar com o desenvolvimento do Plano, não era pouca coisa né, mas eu já tinha desenhado, quando estagiário, no projeto do Luiz Roberto. Quero te dizer que estávamos integrados nessa ideia. Não se cogitava que não era pra ser feito aquilo não.

WL: Saindo um pouco da questão dos conflitos ideológicos dentro da arquitetura: como você descreveria a sensação de uma geração de arquitetos que se via no desafio de construir uma capital do zero? O que fervilhava na cabeça?

JZ: Pra te dizer com franqueza, nós achávamos que a vida era assim mesmo, extraordinária. E te digo mais uma coisa curiosa: quando fui para a Inglaterra, quando me ofereceram a especialização em urbanismo Town and Counter Planning em Londres, eu fui e fiquei quase um ano, e meu orientador, Percy Johnson Marshall, foi ser professor em Edimburgo, e me chamou para ser seu assistente, pois gostava muito de mim. Eu disse que não, pois quando eu teria de novo no mundo a oportunidade de fazer uma capital? A gente se lembrava que só Pequim e Washington haviam sido construídas, ou seja, Brasília era uma oportunidade fantástica pra você se posicionar como profissional. Então eu não cogitei em nenhum momento ficar em Edimburgo.

WL: E as escolas de arquitetura se engajaram. Os estudantes buscavam oportunidades de estágio?

JZ: É, teve uma transição, porque ainda o urbanismo que era dado era conservador. Urbanismo que não tinha ainda os princípios do Corbusier. Há uma cisão: a partir de Brasília, e aí a UNB foi muito importante porque deu um outro olhar sobre a questão do urbanismo. Porque os professores eram pessoas antigas, que não aceitavam Corbusier e suas ideias. Mesmo na ala do planejamento urbano inglês há uma virada quando Brasília é construída. Depois, em 1968, você começa a repensar a questão urbana. Quando você começa a olhar o urbanismo já com o olhar da Jane Jacobs – que já é outra questão – você sai do formalismo, que era o design, o desenho urbano, e começa então a pensar nos centros comunitários, essa coisa toda. Eu li uma vez uma coisa muito interessante: que Brasília foi a ultima utopia. Possivelmente, se Brasília fosse feita um pouco mais tarde, ela teria outro modelo. Ela não teria aquele formalismo, aquela coisa do design – porque é uma cidade de design né? – que era a maneira como se enxergava o urbanismo no momento.

WL: Então havia um corpo docente ainda instruído com base em um urbanismo mais conservador e uma nova geração sendo formada por esses professores mas confrontados com a experiência prática de Brasília acontecendo. Isso devia alucinar a cabeça da molecada.

JZ: É, a gente nem prestava atenção neles. Debochava, achava velhos, nada a ver.

WL: Você se graduou pela Faculdade Nacional de Arquitetura. E também com essa pegada?

JZ: É, mas já havia professores, como por exemplo os de Composição de Arquitetura, que eram professores que já trabalhavam (com projeto). No nosso tempo, os professores eram arquitetos que funcionavam. Não havia essa carreira acadêmica de arquiteto de hoje, que eu acho uma pena porque as pessoas vão se formando depois fazem o mestrado e o doutorado, e depois não põem a mão na massa. Dr. Lucio me dizia a todo o tempo “Você tem que ir pra obra, você tem que aprender chão de fábrica logo.” Essa gente antiga tinha essa ideia de que você tinha que aprender desenhando. Tinha o Ernane Vasconcelos, que foi meu professor e eu gostava muito. Você vinha com o rolinho, e ele dizia “Pode voltar, venha com desenho direito se não, não dá.” Era importante você usar a mão no croqui, era uma prática da arquitetura. Agora você usa a máquina, né? (risos).

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