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interview ISSN 2175-6708

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O arquiteto Jayme Zettel trabalhou em parceria com Lucio Costa e esteve inserido tanto no contexto da construção de Brasília como da memória da arquitetura modernista no Brasil.

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LEVY, Wilson. Entrevista com Jayme Zettel. Entrevista, São Paulo, ano 16, n. 064.03, Vitruvius, nov. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/16.064/5809>.


Plano piloto de Lúcio Costa para Brasilia [Wikimedia Commons]


WL: Jayme, vamos pensar um pouco sobre Brasília hoje. A existência de bolsões de pobreza que começam a se consolidar na execução do projeto. Como você vê isso? Tem relação com o projeto? É uma intercorrência?

JZ: Olha, há duas questões. Aquela que eu te falei, que quando você sai e começa o processo migratório, né?

WL: Sim.

JZ: Quer dizer, você passa de 40% da população urbana para 80%, e Brasília não escapou disso. Quer dizer, todo mundo vinha. E as pessoas vieram para a escola, para o hospital...era o centro (regional). O cara trazia a “véia” e o “véio” que estavam lá no Ceará, na Paraíba, sei lá para onde. E trazia para se tratar no hospital distrital. Então, você começa a criar. Teve o fenômeno Roriz (Joaquim Roriz), populista. Porque a ideia inicial era dentro da ideia do planejamento urbano inglês. Você tinha as cidades satélite e o planejamento regional. Você tinha uma ideia (central) e tinha as cidades satélites: Guará, Taguatinga, Sobradinho, Planaltina, entende? Essas cidades seriam, na verdade, alimentadoras. Então você teria a indústria. Tinha todo um pensamento que era esse pensamento inglês de planejamento e que furou completamente. É aí que você começa a entrar com a especulação imobiliária, e não há dúvida nenhuma que tem.

Eu sou muito amigo da Maria Elisa, filha do Lúcio, que é chefe, diretora, o que você quiser chamar, da casa dos Costa. Na verdade a gente fazia a preservação do que chamaríamos de centro histórico.

WL: Tá.

JZ: Que era para manter as asas, a cidade, aquela coisa toda, e deixar desenvolvimento das outras áreas com a especulação fora da bacia do Paranuá. Porque, como eu te disse, a bacia era pensada lá no século 19. Já era desenhada para ser a capital do país.

O outro problema que temos, e esse é complicado, é a ocupação dos pilotis, que é na verdade a ideia primeira do Lúcio, no setor residencial. É quando você vê através dos pilotis. (Mas) já estão se fechando. Essa coisa de portarias, enfim. A luta agora seria de fazer preservação do centro histórico, como o de Tiradentes, de Paraty, dessas cidades históricas, já que ela é tombada não só por aqui. É patrimônio da UNESCO essa coisa toda.

WL: E o processo de periferização? Ele começa já na execução do projeto ou é posterior? Porque as pessoas que construíram Brasília, elas iriam para essas cidades satélites. Elas seriam trabalhadoras do setor de serviços?

JZ: Foram feitas, por exemplo, as quadras 400. Eram chamadas para o pessoal “de portaria”, veja como chamavam. Os contínuos. Essa coisa toda na mudança para Brasília. Imediatamente, quando eles tomavam posse, eles vendiam e iam morar num lugar mais distante. Aí fizeram, não sei como chamava, já esqueci o nome. Lá em cima perto da torre, tinha um núcleo. Esqueci o nome.

JZ: É, é. Aí começaram a construir como se fosse Minha Casa Minha Vida. Também venderam, e o Roriz começou a criar os núcleos para vender dentro, da maneira mais ordinária, que é você pegar uma área desapropriada e criar o núcleo. E então tem o problema do transporte, de tudo. Ou seja, o que aconteceu com qualquer cidade grande acabou acontecendo com Brasília.

WL: Então o operário, aquele que vinha construir Brasília, recebia um lote para habitar, vendia esse lote e ia para mais longe. Foi um processo sistemático.

JZ: É. No primeiro lugar, nós tínhamos a velha CAP, onde funcionou e tinha os barracões de trabalho. Tinha os acampamentos – e ainda tem – das antigas construtoras, perto do Alvorada, perto do Brasília Palace. Você conhece Brasília, né?

WL: Sim.

JZ: Então, ali também se consolidou um núcleo, que era do pessoal antigo, que também ficou por lá. Eu acho que o processo de Brasília não é diferente do processo de urbanização das outras cidades: Rio, São Paulo...

WL: Bom, eu peguei um trecho do seu currículo em que você fala “Cidade Para Vida”. Um Congresso que você participou e organizou. Pegando um pouco esse gancho: você acha que o projeto de Brasília pretendia, como eu posso dizer, favorecer...

JZ: Pretendia. Vou dizer para você: pretendia. Porque na verdade os arquitetos, naquele tempo, achavam que tudo nascia do conceito – que é o conceito Corbisier – da arquitetura. Se você tivesse uma boa arquitetura, um bom design, então você estava com o problema social, econômico, tudo resolvido.

WL: Ou seja, a cidade podia fomentar uma forma de vida emancipada?

JZ: Exatamente. Essa era a cultura. Era nisso que acreditávamos, e acreditávamos mesmo. (Risos). Ou seja, você ia mudar o mundo pela arquitetura. E você pode imaginar que não foi bem assim, né?

WL: Mas como você avalia esse movimento hoje?

JZ: Eu acho que, na verdade...

WL: O desenho, o design pode, ele tem...

JZ: Não, não tem.

WL: Aproveitando a presença do Sérgio aqui, o design pode ser...

Sérgio: Não, eu não tô aqui.

JZ: Você não está aqui, está chegando (risos). É uma utopia, como eu te disse antes. Foi a última utopia. A utopia socialista. Você tentar resolver o mundo, essa coisa de gente que acredita no Iluminismo, entendeu? Mais ou menos assim.

Sergio: Posso te dar um conselho?

JZ: (Risos).

WL: Então o projeto incluía uma pretensão de servir à emancipação humana?

JZ: Exatamente. Sem dúvida nenhuma.

WL: Tá. E como é que você enxerga? você falou um pouco disso no começo, esse momento posterior que é marcado principalmente pelos textos da Jane Jacobs.

JZ: É, 68. A partir de 68 começa a haver um movimento forte dentro da universidade, repensando o problema das comunidades, quer dizer, de como você circula: quem é o vendedor de jornal, como você se integra na comunidade. Passam a ser mais importantes as relações de...como posso chamar? De...

WL: Uma alteridade.

JZ: É, é. Do que na verdade o design, entende? Quer dizer, a velhinha que está na janela do sobrado. É importantíssimo para ela saber o que está acontecendo no sistema.

WL: O pequeno comércio...

JZ: O cara da padaria...

WL: A livraria...

JZ: Isso, exatamente.

WL: E como você avalia esse movimento?

JZ: Eu gosto muito disso. Eu acho que mudou, houve essa transição e é assim que a vida vai, né?

WL: E esse sentido de comunidade? Ele é emancipatório?

JZ: Eu acho que não vejo outro.

WL: Você não vê outro?

JZ: Não.

WL: Então o fortalecimento dos laços de comunidade dentro da cidade – mais do que o design que é uma coisa que vem de fora – ele é emancipatório?

JZ: É. Você vê, por exemplo, que há uma insistência – embora o IAB tenha lutado contra isso – que a Minha Casa Minha Vida é isso. Quer dizer, uma imposição. Um mal design inclusive, para colocar aquelas pessoas lá dentro sem nada, né?

WL: Última pergunta. Depois eu tenho uma pergunta extra. Qual o seu balanço em relação à experiência em Brasília hoje, o que ela tem a nos ensinar, qual a visão que você tem hoje da cidade, onde que errou e pode ser corrigido?

JZ: Eu acho que você tem a evolução urbana, e acho que é assim em cidades medievais; cidades que foram se desenvolvendo. E Brasília é um marco dentro desse sistema, por isso ela é tombada e protegida. Pois representa uma época de pensamento, da racionalização, mas é só isso. Daí em diante é a vida que segue né?

WL: Eu lembro que nós conversávamos um pouco sobre isso em Tiradentes, no final do ano.

JZ: Eu disse alguma besteira?

WL: Não! A gente teve um debate que eu até gravei, estou usando na minha tese, é um diálogo seu com a Barbara. Que na verdade o projeto é o projeto. Não dá para criticá-lo enquanto projeto. E o projeto é apropriado e significado pelas pessoas, né? As pessoas que atribuem significado. Então, uma forma de amenizar as críticas que se fazem a Brasília é o projeto, que teve uma hermenêutica por trás.

JZ: Agora, você sabe que eu morei em Brasília, na super quadra. Era extraordinário. O projeto da super quadra era um projeto excelente. A maneira de você morar em uma superquadra é o melhor acerto, cá entre nós, de Brasília. Eu me lembro, meu filho pequenininho, eu olhava da janela ele saindo e ia pra creche sem atravessar nada. Era um sistema de vida muito bom. Na superquadra, a área residencial é da melhor qualidade em Brasília, eu ainda acho. A quadra 114, era ótima. Do projeto do Banco do Brasil, um projeto muito bom. Eu morava na 305, que também era um bom projeto, mas você tinha liberdade, quer dizer, essa coisa de ir pro colégio. Tinha o pequeno comércio.... a gente vivia bem em Brasília, vivia bem.

WL: Não sei se você conhece o Hector Vigliecca, um uruguaio que se especializou em projeto de habitação de interesse social.

JZ: Eu tenho uma vaga ideia.

WL: E ele fez o único estádio com uma assinatura forte de projeto: o Castelão, de Fortaleza. Mas o interesse de pesquisa dele é sempre a questão da habitação social. E, aproveitando esse gancho que eu acho que cabe muito bem, ele expressa a dificuldade de traduzir em sociabilidade as pretensões de um projeto. Então ele disse que planejou conjuntos habitacionais populares com áreas integradas, espaços comuns, equipamentos compartilhados, playground, enfim, toda uma estrutura de comunidade. E quando o projeto é entregue, a primeira coisa que as pessoas fazem é colocar grade, colocar uma guarita, cercar, limitar o acesso.

JZ: Acho que é uma questão de educação, né. Por exemplo, estão repensando o projeto do Pedregulho do Reidy, que é um projeto da melhor qualidade.

WL: Daqui, né?

JZ: Isso. E aí as pessoas estão começando a entender.

Se bem que tem um monte de gente de classe média indo morar lá, pois ela passa a entender que esse é um estilo de vida possível de ter, etc.

WL: Eu imagino que para o arquiteto isso não deve ser uma tarefa fácil, pois você na verdade, projeta a sociabilidade.

JZ: É, mas é porque a gente tinha – e ele (Reidy) também deve ter – a ideia de achar que através da arquitetura poderia mudar a sociedade. Era essa a ideia do Modernismo: você faz uma arquitetura e modifica a sociedade. Não é.

WL: Agora, a última pergunta Jayme.

JZ: Dessa vez é.

WL: Dessa vez é. (risos). É mais um interesse meu. Hoje, o Brasil tem 2100 faculdades de Direito. Pelas contas do Ministério da Justiça, nós temos mais faculdade de Direito do que todos os outros países do mundo juntos. Na arquitetura, o processo é um pouco parecido, embora em menor escala: há 50 anos atrás deviam existir, o quê, umas 30 escolas de arquitetura?

JZ: Nem isso...

WL: Hoje, são 300. Qual o lugar do arquiteto? Pois eu faço a seguinte ponte e queria ouvir seu comentário: o que transcorreu entre a geração que projetou uma capital, que sonhou em desenhar um país e hoje, 300 escolas de arquitetura que produzem projeto “copia e cola” para grandes construtoras, varanda gourmet, uma coisa muito pasteurizada. O que aconteceu?

JZ: Sem dúvida nenhuma. Eu acho que ficou faltando uma geração intermediária. A minha geração, por exemplo, foi colada na geração dos grandes. Não só na arquitetura, como também no patrimônio. E a gente aprendia com eles. Ficou um gap; na verdade, uma das questões na ditadura foi esse buraco em que você não conseguiu transmitir o conhecimento, então, como fez o Jarbas Passarinho, ele em vez de fortalecer as grandes universidades, privatizou-as. Colocou escola para todo lado. Aquele momento foi um momento desastroso. Eu, por exemplo, no IPHAN... você fica espantado de ver o nível. Fui a uma reunião outro dia, e não tive nem coragem de falar. Quer dizer, meu Deus, o que são essas pessoas? Que eles tão fazendo aqui? Como eles chegaram para entrar no patrimônio histórico? Quer dizer, ou seja, você com regras fixas, a primeira coisa que você aprendia é que cada caso é um caso, você tinha que ter uma observação. Hoje não, o cara tem que trazer o papel carimbado não sei das quantas, os canos, os tubos. Eu tenho um projeto lá há dois anos. Vai cair uma igreja, na Ilha do Governador. Uma capelinha linda. Tá na área técnica estudando...

WL: Jayme, muito obrigado.

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