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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
A entrevista de Fernanda Ferreira com Paulo Mendes da Rocha pretende discorrer sobre as questões abordadas pelo arquiteto no processo de criação de um espaço cenográfico.

english
This interview aims to discuss the issues addressed by Paulo Mendes da Rocha in the process of creating the scenographys.

español
Esta entrevista pretende discurrir sobre las cuestiones abordadas por el escenógrafo Paulo Mendes da Rocha en el proceso de creación de un espacio escenográfico.

how to quote

FERREIRA, Fernanda S.. Uma conversa com o cenógrafo Paulo Mendes da Rocha. Entrevista, São Paulo, ano 19, n. 074.01, Vitruvius, maio 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/18.074/6980>.


Croqui do cenário de Futebol [Acervo Paulo Mendes da Rocha]

Fernanda S. Ferreira: Sobre seu envolvimento com a cenografia, levantei algumas montagens com a Bia Lessa: Suor AngelicaO Homem sem QualidadesFutebol... Como foi a construção da ideia presente em Suor Angélica? A história é angustiante, não é mesmo?

Paulo Mendes da Rocha: Suor Angelica é uma história belíssima. Puccini escreveu a peça para convencer sua irmã a não entrar em um convento. O convento era uma infâmia, porque as meninas que se apaixonavam e engravidavam eram enviadas para lá ficarem escondidas. E tiravam o filho. Ele escreveu tudo isso para tentar dissuadir a irmã de entrar para um convento. Coisa real.

A peça, portanto, é belíssima porque Puccini estava vivendo esta emoção de não querer que a irmã fosse para um convento. Então, ele já construiu a ideia para seduzir a irmã. É tudo um raconto. Eu tive muita sorte, pude acompanhar por meses os ensaios.

Você imagina: as freirinhas brincavam no recreio jogando as bolinhas. Nós rebaixamos o palco. A plateia ficava mais alta, portanto não via as meninas, apenas via a bolinha passando de um lado para o outro e escutava as risadas. E o coro estava escondido, parte do vedo da parede feita de madeira era falso, feito com tela pintada na cor da parede, que não se percebia. Elas cantavam atrás disso, o que dava uma sensação que o convento era enorme. Parte do coro estava no alto, reservou-se umas cadeiras lá atrás. Isso dava a sensação espacial de amplitude, parecia que você estava em um convento. São coisas assim que se inventa. Há uma cena absolutamente encantadora, quando a Suor Angelica está sozinha, no final, cantando o amor, e ela vai ao jardim, tira a sandália e lava os pés. É muito erótico, isso. Para isso ser possível, fizemos uma mangueira que vinha por trás, furava a parede e acaba em uma torneira. O público vê a água no proscênio. Coisas muito bonitas. Água brilhando em pleno teatro. Uma fonte. É incrível.

O teatro é uma coisa extraordinária. Você, diante de um texto, diz ao outro: “veja você”. Alguém faz você ver aquilo que está escrito para que você veja. O interessante nesta mágica de trabalho que move as emoções dos outros é que você procura convocar e trabalhar a emoção das pessoas, não representar de modo visível o óbvio. Fazer deste “veja você” uma coisa extraordinária. É daí que vem a ideia de “vamos fazer as freirinhas desesperadas”, essa imagem que passa a existir: elas subindo pelas paredes. Mas vão perguntar: como? Ao fazer uma ópera, os cantores sobem pelas paredes? Como resposta, imagina-se uma estrutura escondida por madeira e uns pregos do mesmo material saindo para fora, contrata-se uma trupe de circo para subir pelas paredes vestidos com as mesmas roupinhas das noviças. O resultado é uma coisa maravilhosa, de um realismo brutal, brutalista no sentido da palavra: transformou a imagem em coisa. O que é muito interessante para um arquiteto é a ideia de imagem e coisa.

FSF: E sobre Futebol?

PMR: Existe um camarada da mesma idade que ela [Bia Lessa] muito interessante, muito erudito. Neto de um dos maiores educadores do país, Abgar Renault, esse menino (Alberto Renault) trabalhava com a Bia Lessa, ele fez coisas incríveis. Ele inventou essa história e virou teatro. O Futebol.

A história é a seguinte: em uma pequena comunidade isolada do mundo, provavelmente uma ilha, havia uma população que vivia da pesca, principalmente de lagosta. Um dia apareceu pelo mar um navio de um inglês que aportou ali. Ele veio até a praia, fez amizade; voltou muitas vezes e ensinou a turma da comunidade a jogar futebol. Porém, o terreno era todo ondulado, jogavam futebol em um terreno que não era plano, com bola qualquer, um coco ou algo assim. Até que um dia ele trouxe uma bola perfeita e disse que a única forma de se jogar bem era se jogar no plano.

Então eu fiz o cenário assim: quatro ou cinco metros de plateia na horizontal e oito metros de plano inclinado. Mas o comandante com a bola de verdade tinha que jogar no plano. E neste momento o cenário fica horizontal e jogam brilhantemente. E você ouve, como música de fundo, gravado ao vivo de um “Fla-Flu”, os gritos da torcida. Não é lindo? Tudo isso este menino, Renault, inventou. E a Bia Lessa transformou.

Eu fiz o cenário com uma viga de ferro, articulado, com umas âncoras segurando. Na hora “H” entra alguém por baixo sem ninguém perceber, tira as escoras, o plano fica horizontal e acontece o grande final. Nós fizemos cenários móveis, consultávamos o calculista para verificar se o palco aguentava a carga concentrada linear. Conto tudo isso por conta da questão dos adereços, pois eu pensei e pensei muito nisso, inclusive na figura do navio passando por trás, uma silhueta de navio puxado por um barbante qualquer. Lindo!

Os pescadores chegavam com as canoas, que se moviam de um jeito peculiar porque o remo é atrás, onde se descarregavam as lagostas. Eu não fiz nada disso, mas esse menino engenhoso, Guto Lacaz, que é incrível. Sabe esse carrinho de puxar carga, que tem duas rodas atrás e uma na frente? Pois bem, ele o escondeu de tal forma que parece o movimento de uma canoa; e com uma vara ele toca o chão como se estivesse remando. Aí descarregavam as lagostas que eram feitas com essas pinças de cozinha, cor de laranja. Até o barulho era de lagosta. Você via que não era, mas o barulho era de lagosta cozida. A vida é um teatro. Você tem que seduzir o outro para dizer o que você quer. Necessidades e desejos ao mesmo tempo. É muito interessante.

FSF: Você também fez cenário de shows, não é? Para Marina Lima?

PMR: Fiz, fiz, este eu vou te mostrar porque é muito bonito. Mas ele não foi feito. Não foi realizado. Justamente foi quando ela se afastou da música. Esse cenário, puxa, eu não me lembraria se você não falasse. Mas eu vou te mostrar como eu fiz. Eu tenho uma maquete dele até hoje. Inclusive a maquete se faz para se conversar.

Maquete de estudo para cenário do show de Marina Lima
Foto Fernanda Ferreira

Aqui é a plateia e na frente temos o proscênio. Eu vou por uma figura, para dar escala. Aí a Marta (Moreira) que trabalha comigo fez esta bonequinha da Marina Lima. A ideia é a seguinte: na frente há uma fita de lona branca, que você pode mexer, presa  a uma vara. Ela é móvel. Esta fita pode ficar à frente e simularia algo como se a Marina estivesse cantando em um balcone. Os músicos ficam ao lado. São três ou quatro músicos. Esta estrutura é articulada e pode, inclusive, avançar sobre a plateia ou subir para que a Marina passe por baixo, como se ela saísse por uma porta. Então isso é a interpretação de uma casa. Ou ela sai da casa, ou fica na porta, ou entra em casa e fica no balcão. Tudo isso sem sair do lugar. Há também um retângulo branco logo atrás, que se ela ficar na frente dele, com o jogo de luzes, seria como se ela estivesse em uma janela, sabe como é?

Paulo Mendes da Rocha, com o bilhete de Flavio Motta em mãos e em primeiro plano os bonecos feitos por Naná
Foto Fernanda Ferreira

Já que estamos falando de comunicação, vou te mostrar uma outra coisa, que a minha filha Naná fez, com oito anos. Pode parecer bobagem, mas estamos falando de expressão, de cenário. Você dobra, dobra o papel e depois recorta e faz um monte de bonequinhos. Veja, estamos falando de uma criança. Ela não fez apenas bonecos, ela pintou as camisas dos jogadores. Ela fez um time futebol. Ela fez o futebol, já que falamos da peça Futebol. É uma interpretação. Eu guardei, não resisti. Está perdendo a cor, não é incrível?

Que ver outra coisa? Outra forma de expressão. Uma vez o Flavio Motta passou por aqui. Ele queria convidar a mim e minha esposa para um jantar, mas como não me encontrou ele me deixou um bilhete.  Poderia ter sido um bilhete qualquer, mas não. Ele recortou uma pequena tira de papel e escreveu o convite. Enrolou e colou as duas pontas e deixou sobre a minha mesa. Esta é a graça: a forma que devemos dizer o que precisa ser dito, de maneira inventiva.

Tudo é assim. Já me perguntaram qual o objetivo da arquitetura, que diabos pretende a arquitetura. Ela pretende amparar a imprevisibilidade da vida. Essa coisa de que a arquitetura molda o comportamento, a “função”, é um pretexto para você construir assim. Porém, você está amparando a imprevisibilidade da vida. Ali pode-se fazer qualquer coisa. A nossa vida é um discurso sem fim. Nossa existência é um discurso sem fim. É um mistério. Nós não sabemos nada.

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074

074.02

A arquitetura dá significado à vida

Gabriela Celani and David Sperling

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