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my city ISSN 1982-9922

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FARIA, Rodrigo Santos de. Notas de uma indignação profissional. O PT e Oscar Niemeyer em Ribeirão Preto, duas faces da mesma irresponsabilidade social. Minha Cidade, São Paulo, ano 02, n. 021.01, Vitruvius, abr. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/02.021/2064>.


Foto aérea da região do Novo Shopping Ribeirão. Considerado, quando todo edificado, o maior shopping "horizontal da América Latina"


Foto da maqueta do projeto elaborado pelo arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, para uma nova ocupação do Parque Maurílio Biagi e todo entorno

Vista da Região da Av. Jerônimo Gonçalves. Ao fundo, a vegetação do Parque Maurílio Biagi e Rodoviária

 

 

Mais uma vez a indignação com o Poder Público Municipal de Ribeirão Preto exige uma tomada de posição. Em anúncio do dia 29 de março de 2002, no jornal Tribuna Ribeirão, o referido jornal trazia em manchete de capa: “Ribeirão Preto contrata Niemeyer por R$320 mil”. Na continuação da matéria na página 3 do jornal a justificativa para nossa indignação:

“A Prefeitura de Ribeirão Preto pagou R$ 320 mil por um anteprojeto do arquiteto Oscar Niemeyer (...) Para contar com os serviços do homem que projetou Brasília – Niemeyer e Lúcio Costa elaboraram o projeto de construção da capital federal – a Secretaria Municipal da Administração dispensou o processo de licitação. Segundo o edital publicado no Diário Oficial do Município (DOM) de 21 de março, fica ‘ratificada a inexigibilidade de licitação nos termos do artigo 13, 25, 26 e 111 da Lei Federal 8666/93, com redação dada pela Lei Federal 8883/94’. Em bom português o prefeito Antônio Palocci Filho apelou ao artigo 111 da Lei de Licitações (8666/93) para evitar o processo licitatório” (Jornal Tribuna Ribeirão, 29 de março de 2002).

Na mesma reportagem, os interesses da atual Administração Municipal de Ribeirão Preto, em poder do Partido dos Trabalhadores (PT) ficam declarados:

“O Prefeito quer promover em Ribeirão reuniões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização das Nações Unidas e outras instituições mundiais. Além de elevar o nome da cidade, o turismo de negócios é uma extraordinária fonte de receita, garante o secretário Nelson Rocha Augusto, secretário de Planejamento e Gestão Ambiental.(...) Estamos Seguindo o Plano Diretor, há um planejamento urbano. Tanto que vamos construir o Centro Administrativo na zona Norte e o de Convenções na zona sul, diz Augusto.(...) Vamos competir com Las Vegas, Santiago, São Paulo, Rio de Janeiro. Por isso a assinatura de Niemeyer é importante para o projeto. Justifica o secretário de Planejamento” (Jornal Tribuna Ribeirão, 29 de março de 2002).

São essas as preocupações de um Partido Político, no caso o PT-Ribeirão Preto, que parece se esconder atrás de um discurso social, mas, que na verdade é a face mais fiel de uma proposta de planejamento urbano mercantilista, competitivo e perverso, ou na tão propagada moda do Planejamento Estratégico? É verdade que eles estão seguindo o Plano Diretor como diz o atual Secretário de Planejamento. É na zona Sul da cidade, região mais rica, com total infra-estrutura urbana, local de implantação dos grandes condomínios fechados, do eixo de verticalização mais cara do município, localização do RibeirãoShopping entre tantas outras representações do mundo globalizado, que a Prefeitura quer, que os engravatados neoliberais do BIRD, ONU, FMI entre tantas outras instituições que colaboram com o mais “verdadeiro” desenvolvimento do planeta através das suas ações diretas nas escalas municipais de poder, caminhem pela cidade. Até podemos pensar que para chegar ao Aeroporto eles terão que passar por grande parte da cidade. Isso porém não é necessário: a escolha do local de Construção do Centro de Convenções (zona sul) – que foi pago ao Arquiteto Oscar Niemeyer o valor de R$ 320 mil pelo anteprojeto – está localizado em um dos acessos pelo anel viário da cidade, o que permite locomover os executivos internacionais sem entrar efetivamente na cidade.

Está claro também que o objetivo declarado da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto é de promover um “marketing urbano”. De promover a cidade como uma mercadoria parcelada em conjunção aos interesses financeiros, imobiliários e privados. E a arquitetura, nesse cenário, com suas grandes estrelas, que estão cada vez mais interessados nesse jogo de desejos. Vários são os exemplos não só nacionais, mas muito mais mundiais, e que nossos governos pretendem adotar: Berlim, Lisboa, Bilbao, São Paulo e o mais novo logotipo de dominação norte-americana depois do “M”, o “G” de Gehry e de Guggenhein.

É importante, desde algum tempo, uma avaliação histórica da ação do arquiteto Oscar Niemeyer. Entendemos a importância de toda a sua obra. Não é objetivo aqui discutir seus projetos. Queremos discutir, e isso é fundamental, sua relação com os poderes constituídos, que podem render ótimos frutos, ou melhor, projetos, isso desde Brasília; assunto que aliás deve merecer um tratamento efetivo por parte dos estudiosos em arquitetura e urbanismo no Brasil, sobre as verdadeiras motivações da escolha do plano ganhador no concurso.

Assim como no caso do concurso do Museu de Arte em São Paulo, que toda a comunidade e profissionais arquitetos e urbanistas se posicionaram, exigimos a mesma postura para o caso de Ribeirão Preto. O IAB-SP, deve estabelecer uma postura crítica, pois a atividade profissional de arquiteto continua sendo tratada como mera “cosmética” para enfeitar as nossas casas e nossas cidades. Os poderes públicos desconhecem, em meio a uma enormidade de coisas que não merecem o nome de arquitetura, mas de simples construções, os atuais e verdadeiros valores da nossa arquitetura. Estão, por descaso e falta de conhecimento, sempre se remetendo aos “grandes mestres”, até como uma nostálgica identificação nesses mestres, da única possibilidade de garantia de qualidade de projeto e obra.

É assim que a arquitetura vem se perdendo sua importância na sociedade brasileira. Uma profissão que vende em banca de revista, no tipo almanaque “faça você mesmo”.

No caso do IAB, eu não estou me referindo ao IAB-Ribeirão Preto, pois tal unidade do Instituto de Arquitetos de Brasil, está inserido no grande mercado imobiliário, produtor de exclusão sócio-espacial das nossas cidades. É uma mera entidade de interesses político-econômicos, e grande oportunidade de negócios. Não estou defendendo a tese de se evitar os trabalhos com os poderes públicos. Estou defendendo a tese da possibilidade e necessidade da arquitetura e os profissionais arquitetos-urbanistas estabelecerem uma postura ética em relação aos trabalhos cujos clientes são os poderes públicos, pois, na verdade os clientes nesse caso, são todos os cidadãos que pagam os enormes impostos cobrados.

Voltando à questão do Planejamento Urbano, as ações do Poder Público Municipal de Ribeirão Preto, através da administração do Partido dos Trabalhadores, é o exemplo máximo dos dizeres do professor Milton Santos. Em entrevista ao caderno Le Monde Diplomatique: um outro mundo urbano é possível, ele fala da incapacidade da esquerda no desenvolvimento do planejamento urbano. Para ele, quando a esquerda assume o poder ela faz as mesmas coisas que a direita. Ela trata a cidade como “coisa”, ela não entende as verdadeiras problemáticas do planejamento urbano. E todo o discurso da atual Secretaria de Planejamento Urbano de Ribeirão Preto está afinado com o Senhor Secretário Nelson Rocha. De formação em economia ele vem demonstrando entender à cidade como uma bela mercadoria que pode ser vendida e comprada no mercado de câmbio das Bolsas de Valores. Em recente artigo publicado no caderno FolhaRibeirão do jornal Folha de São Paulo do dia 04 de novembro de 2001, sobre um outro grande projeto da Prefeitura para o centro da cidade – também sem concurso e que envolveu o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé –, ficam bastante claras suas intenções para com a cidade como um todo integrado: “De nada adianta algumas tentativas de melhora na infra-estrutura que não contemplem uma inversão de tendências e procurem atrair novamente as pessoas (consumidores) para o centro (...) O adensamento de atividades nesses setores realinhará, inequivocamente, a vocação da área. Isso certamente tornará os projetos ali alocados sustentáveis do ponto de vista econômico por atrair pessoas com capacidade de gasto e ansiosas por absorver serviços”. Então, a sociedade e cada um dos cidadãos são entendidos como meros consumidores. A cidadania não é mais política-social, mas mercantil: quem pode comprar e absorver serviços automaticamente é um cidadão. Um cidadão incluído nessa perversidade neoliberal. E a grande maioria de excluídos: sem casa, trabalho, saúde, lazer, transporte, infra-estrutura urbana? Escondemos dos olhos dos senhores do capital, para que o preço das nossas cidades fiquem mais elevado no mercado mundial? É isso que é ser Secretário de Planejamento Urbano e Ambiental de um Partido Político como o PT, que é, ainda queremos acreditar ser, o maior exemplo na busca de ações efetivamente sociais?

Ao mesmo tempo em que a cidade de Ribeirão Preto é devastada por uma enchente, que só vem ocorrendo por incapacidade e inexistência de política urbana séria, a Prefeitura vem declarar querer colocar a cidade em competição com cidades como Las Vegas?

Uma outra pergunta ainda deve ser feita. Se o anteprojeto custou R$ 320 mil, quanto vai custar o Projeto Legal, e Projeto Executivo de Arquitetura, Estrutural, Hidráulica, Elétrica, Iluminação e todas as etapas da construção de uma obra? Vão declarar “notória especialização” para todos os profissionais? Eu acredito que, pelo menos eticamente, todos os profissionais apresentam notória especialização para o exercício de suas profissões, e não somente o Arquiteto Oscar Niemeyer, ou melhor, Grife Oscar Niemeyer como quer a Prefeitura.

A arquitetura e o urbanismo não podem ser tratados com tamanho descaso pela sociedade e poderes públicos. Essa é a nossa maior indignação.

sobre o autor

Rodrigo Faria é arquiteto-urbanista, mestrando em História pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp – IFCH/Unicamp. Área de Concentração: Política, Memória e Cidade. Linha de pesquisa: Cultura, Cidade e Patrimônio.

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