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my city ISSN 1982-9922

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IZAR DOS SANTOS, Gabriela. Brasília, a capital, e Oscar Niemeyer, o autofágico. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 057.03, Vitruvius, abr. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.057/1980>.



Inexoravelmente, a história traz ao mundo pessoas especiais e transforma suas vidas de modo incomum. Permite-nos ver o sentido que o tempo toma. Niemeyer é parte da história arquitetura. Por décadas sua obra contou a trajetória do Brasil em momentos singulares.

Agora, seu trabalho sintoniza com uma fase brasileira, não renovada. O arquiteto - antes modernista - sobrevive noutra forma de modernidade, na condição "espaço-tempo" de apenas estar presente. "Notável" obra e "notável" relação entre trabalho e história. Neste século XXI encontra-se distanciado do tempo de que já fez parte com desenvoltura. Está na fase da criatividade infantil, dos meros riscos.

Brasília, obra-prima, coroou com maturidade a visão social de mundo, da totalidade, mas, enfatize-se, construída com o urbanista Lúcio Costa num pensamento conjunto.

Hoje trabalha a 1200 km de Brasília, em seu escritório particular no Rio de Janeiro, perpassando-nos que a distância dos terrenos para os quais projeta na capital federal turva-lhe a visão e lhe faz crer que são vácuos ou vazios ou brancos como os papéis em que agora desenha. Os monumentos que no passado construiu foram desenhados nos papéis em que Lúcio Costa projetou Brasília.

Contraditoriamente, está a desenhar linhas, retângulos e curvas de modo incontinenti e a rabiscar a jovem capital com formas em concreto que não se podem denominar arquitetura. À frente dos próprios monumentos instala formas, oculta-nos as obras antigas para falar à força suas "novidades". Repete com nosso maior cartão postal (a Esplanada dos Ministérios) o que fez na bucólica região do lago, ao instalar volumes de concreto, de vidros espelhados, a convite de governadores, ministros e outras autoridades.

Niemeyer é o arquiteto autofágico, o que devora sua própria obra, o que devora sua própria história. Declara que "arquitetura não é tão importante; o importante é a vida". Perde na vida longa o compromisso que teve de subjetivar-se, porque trabalho é vida e por meio dele se transforma o mundo. Diz que favela é problema social, não assume que com a arquitetura também se pode resolvê-lo. Por que afasta a arquitetura como solução? Sua dimensão reservada à arquitetura não mais exerce função social, é idéia deturpada e alienada de povo e de arquitetura. O imaginário e a obra de Niemeyer distanciam-se da história; dele faz parte apenas uma forma de natureza em si, como o mar a que enxerga de seu escritório, de costas para a realidade brasileira.

Os escritos e as entrevistas de Oscar Niemeyer quase se repetem. Por pouca ausência de reflexão flagela e destrói sua obra-prima, aceita o capitalismo que move o mercado imobiliário. Ao se passar pela Esplanada dos Ministérios, a arquitetura recebe um golpe: a grande sombra formada por um edifício de grandes torres, forma alienada da grande praça, alienada de Brasília, alienada de seu criador.

O edifício calou a catedral e a Esplanada, na efêmera novidade de seu recente espasmo criativo. Sombreia a história do "arquiteto do modernismo brasileiro". Devora seu repertório, ofusca-o com formas desnecessárias, deturpa a Brasília que ele estudou e ajudou a construir e ora esquece (res mortem) sua inédita definição de monumentalidade.

Repetitivas como os textos, suas obras mostram-nos o distanciamento de quem não mais passeou pelos espaços que projetou entre candangos, da teoria e da práxis, na inabilidade de constituir um discurso na arquitetura. Perdeu-se na nova e irreconciliável distância entre si (sujeito) e arquitetura (objeto), deixando-nos ”antiqüíssimo" o legado do jovem que dominou uma escala brasileira. Da escala que nos aproximou de sua obra e deu-nos pertencimento a seus espaços sem perguntar: a quem serve esse novo edifício?

Arquitetos questionam: Por que não continuar a história da arquitetura em Brasília? Por que inclusive discípulos de Oscar Niemeyer não são os construtores dessa interminada cidade? Seus criadores tiveram a noção e o valor histórico que a condicionam ao caráter de urbe, progressivamente transformável. Como explicar não transformá-la com o gesto de tantos arquitetos ávidos por fazer história?

Brasília não quer permanecer no monólogo de Oscar Niemeyer (1).

nota

1
Levantamento da obra de Oscar Niemeyer – dos anos 80 aos anos 2000 – traz contínuos projetos contratados pelo Estado: Superior Tribunal de Justiça; anexo ao edifício-sede do STF; edifício-sede do Tribunal Superior do Trabalho; edifícios da Procuradoria Geral de República; os que constituem o novo Setor Cultural de Brasília – a nova biblioteca e a Cúria Metropolitana.

sobre o autor

Gabriela Izar dos Santos, arquiteta (UnB, 1996), mestre em teoria e história da arquitetura, professora da Faculdade de arquiteTura do Uniceub, arquiteta senior do Tribunal Superior Eleitoral e integrante do grupo de pesquisa a.l.i.c.e. do UniCEUB.

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