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my city ISSN 1982-9922

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FACCHINETTO, Janaína. Transformações urbanas em Cuiabá. Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 091.01, Vitruvius, fev. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.091/1904>.


Bairro do Porto. 2004. Gravura Moacyr Freitas. Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá


Planta de Cuiabá, possivelmente atribuída a Gronsfeld, 1770. Original manuscrito está no Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro

Terminal Rodoviário Engenheiro Cássio Vieira de Sá. 2004 [SECOM – Secretaria de Comunicação Social de Mato Grosso]

 

O presente estudo objetiva discutir a explosão demográfica que ocorreu no município de Cuiabá nas últimas décadas, bem como as propostas dos planejadores urbanos para direcionar seu crescimento.

Está embasado em livros que narram a história de Cuiabá e em análises da cidade e sua evolução, realizadas por arquitetos e urbanistas.

O trabalho articula-se de modo a orientar o leitor sobre as perspectivas metodológicas que nortearam o planejamento urbano, principalmente a partir dos anos 60, época em que a cidade presenciou seu maior crescimento.

Início da cidade

A fim de capturar índios para o trabalho escravo, bandeirantes paulistas, chefiados por Pascoal Moreira Cabral, fixaram-se na região, fundando o Arraial da Forquilha, em 08 de Abril de 1719, na região do Coxipó do Ouro, hoje distrito localizado a 27 km de Cuiabá. A descoberta de minas auríferas nas Larvas do Sutil, em 1722, fez com que ocorresse uma intensa migração na região. Aventureiros abandonaram o Arraial da Forquilha e rumaram em busca de ouro, ocasionando a vinda de um capitão general para Cuiabá, Rodrigo César de Menezes, a fim de coletar “o quinto” – a quinta parte de todo ouro recolhido como imposto à Coroa portuguesa. Como conseqüência imediata da vinda de Rodrigo César, o arraial se elevou à categoria de vila, em 1º de Janeiro de 1727, denominando-se “Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá”. Em torno da maior mina encontrada, localizada no morro do Rosário, deu-se inicio a formação da cidade: Descendo o morro, à margem direita do córrego, inicia-se o povoamento, graças à topografia menos acidentada, com declínios suaves.

Em 1818 a vila foi elevada a categoria de cidade e em 28 de agosto de 1835, por decreto, denomina-se Cuiabá e passa a ser a nova capital da Província de Mato Grosso.

Nesse período, a expansão urbana ocorria do morro do Rosário em direção ao Rio Cuiabá. No encontro do córrego com o rio, criou-se o Porto de Cuiabá e a Capitania dos Portos.

No primeiro censo nacional, realizado em 1872, Cuiabá apresentava uma população de 35.987 habitantes, sendo uma das maiores cidades do Brasil.

A partir de então, por diversos fatores, ocorrem variações quantitativas na população do município, conforme tabela abaixo:

Ano

População

1732    

3.500

1791

14.543

1872

35.987

1890

17.815

1905

34.339

1960

57.860

1970

100.865

1980

212.984

1991

402.813

2000

483.346

Fonte: Perfil Socioeconômico de Cuiabá - Volume II

A explosão demográfica mais intensa teve início a partir da década de 60, com a duplicação da população a cada dez anos até 1991, principalmente devido aos incentivos do Governo Federal para adensar a Região Amazônica. Cuiabá ficou conhecida como “Portal da Amazônia”, “porta de entrada”, local em franca expansão, capital do “Estado do Futuro”, com muita terra a ser explorada e em abundância.

De cidade colonial à cidade grande em apenas 30 anos, Cuiabá não estava preparada para receber toda essa população. Os poucos loteamentos existentes não dispunham mais de espaço para novas construções, as ruelas estreitas de terra ou paralelepípedo não comportavam o tráfego dos caminhões pesados que escoavam a produção agrícola das cidades do norte para a região sul do Estado. O trânsito se tornara cada dia mais complexo. A falta de memória histórica dos governantes se unia a vontade intensa de modernização da população. Casarios e igrejas históricas foram demolidos sem restrições para dar lugar a edifícios e prédios modernistas.

No ano de 1961, forma-se no Rio de Janeiro Moacyr Freitas, o primeiro arquiteto e urbanista cuiabano, e volta para Cuiabá ansioso para colocar em prática na cidade natal o conhecimento adquirido após anos de universidade. Assume o Departamento de Obras e Urbanismo da Prefeitura Municipal de Cuiabá, justo no início da expansão intensa e desregrada da cidade.

Freitas elaborou diversos estudos sobre a real situação da cidade, levantou os bairros existentes, mapeando-os. Após uma reorganização na estrutura da Secretaria, os projetos urbanísticos começaram a ser executados.

Uma prioridade apontada por Freitas era a questão viária. Era necessária a criação de um outro trajeto para cruzar a cidade, que não fosse pelo centro. Foi estudada a implantação de uma avenida que iria contornar os bairros então existentes, contornando-os por fora. Iniciava-se na entrada sul, que dava acesso ao Sudeste e Sul do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília) e ia até a região oeste, que ligava Cuiabá à vizinha Várzea Grande e as cidades do norte do estado e do país. Apesar da cansativa espera de sete anos para o asfaltamento dessa avenida, Freitas pode respirar aliviado com a conclusão da mesma:

“Mesmo assim, pude ver solucionado aquele problema de tráfego de passagem. Levantando poeirão, aqueles caminhões pesados deixaram de passar pelo centro histórico de Cuiabá. Queixam-se muito os caminhoneiros, mas os caminhões não destruiriam mais as nossas vias centrais” (1).

Freitas idealizou outros pontos importantes para o crescimento da cidade. Ainda no quesito sistema viário, criou vias importantes de ligação entre vários pontos da capital.

Com a explosão demográfica, novos loteamentos começaram a surgir além da então “avenida-limite” Miguel Sutil. Porém, em ocupações desordenadas, que, quando aprovadas, eram conforme o grau de amizade do proprietário com os políticos da época, ou seja, desconsiderando a legislação de uso do solo existente e qualquer outro fator urbanístico. Essas ocupações criariam problemas para o município, visto as dificuldades na implantação e na melhoria de infra-estrutura devido a distância entre elas.

Objetivando solucionar o problema de crescimento desordenado, tem início a intervenção do poder público. Eixos de crescimento foram definidos para a cidade, destacando a implantação do campus da Universidade Federal do Mato Grosso e a criação de um Centro Político e Administrativo, para alojar o governo do estado.

A implantação do campus da Universidade Federal do Mato Grosso, em 1960, determinou o eixo de crescimento sul. Sua localização, atualmente no centro da região leste da cidade, de frente para a avenida Fernando Corrêa da Costa instigou o desenvolvimento daquela região. A avenida Fernando Corrêa foi asfaltada proporcionando a criação de novos loteamentos em sua extensão e na implantação do Distrito Industrial. Hoje, essa região concentra inúmeros loteamentos e condomínios fechados. Possui rede de comércio e serviços diversificados, que serviram de atrativo para o setor imobiliário, gerando uma intensa construção de prédios e residências de classes média e média alta. O ultimo grande empreendimento na região foi a implantação do Condomínio Alphaville, de alcance nacional.

A criação de um Centro Político e Administrativo para abrigar os prédios do governo estadual apresentava diversas vantagens para Cuiabá: adensar a região norte da cidade desobstruindo o centro, que concentrava, além dos órgãos do Governo Estadual e Municipal, ampla rede de comércio e serviços.

Segundo Freitas, 2003, a mudança “colocaria as coisas em seus devidos lugares e, aos poucos, veríamos uma cidade deixar sua primeira fase de existência, a cidadezinha, cujas casas rodeiam a tradicional ‘praça matriz’. Estava na hora de mostrar a ela seu novo rumo  como cidade capital, seu perpetuo destino.”

Assim, um novo rumo de crescimento foi definido para Cuiabá. A larga e arrojada avenida Historiador Rubens de Mendonça, popularmente conhecida como Avenida do CPA começa a ser aberta. Pressionado pelo aumento populacional, o governo cria núcleos Habitacionais de Interesse Social, próximo ao Centro Político e Administrativo, e parte do comércio ruma para lá a fim de atender àquela população. Hoje, importante via que concentra comércio, bancos e hotéis, e se tornou uma área super valorizada, com o preço do metro quadrado superior a 1.000 (mil) reais. Considerada área nobre, possui vários edifícios residenciais e inúmeros projetos de novos prédios estão sendo construídos. Segundo Sônia Romancini, “esse espaço é valorizado por representar o moderno e ser uma área de consumo das classes privilegiadas” (2).

Paralelamente a esses projetos, Freitas estuda o Plano Diretor de Cuiabá, define seu zoneamento e normatiza o uso do solo. Cria planos setoriais, estudando bairros antigos, que passam por processos de reurbanização, com a criação de praças, áreas verdes e reestruturação viária.

No ano de 1976, começam os estudos para a escolha do local mais apropriado para a implantação da nova estação rodoviária de Cuiabá. Moacyr e o colega Ercílio Gonçalves de Souza desenvolvem o referido projeto, sendo o terminal inaugurado em 1979, com muito festejo. Inúmeras matérias sobre ele foram publicadas em revistas e jornais de circulação nacional, tendo sido citado como “o melhor terminal rodoviário da América latina”. Um projeto arrojado e moderno. Estruturado em concreto protendido, com grandes vão livres e ampla circulação de ar, próprio ao clima quente da cidade. Foi, sem dúvida, o projeto arquitetônico elaborado e executado em Cuiabá que mais repercutiu na cidade e na imprensa nacional.

Nesse mesmo período, meados da década de 70, a pressão imobiliária é imensa. Sem uma lei de proteção e um corpo preservacionista, o casario é destruído sem restrição, dando lugar a prédios modernistas e funcionais, descaracterizando grande parte do Centro. A fim da abertura duma importante avenida para a cidade, em 1962 o Córrego Prainha foi canalizado, ocasionando a demolição de várias casas que ocupavam suas margens, algumas das mais antigas de Cuiabá, que ocupavam as suas margens. Nem a Catedral, que mesmo após várias reformas era a mesma igreja de 1740, se salvou. Foi demolida em 1968, dando lugar a uma nova igreja, em estilo Bizantino e dimensões avantajadas.

No início da década de 80, começa uma conscientização e sentimento preservacionista em torno da memória cultural e arquitetônica  da cidade, visando e pressionando o poder público a combater o descaso em relação ao Centro Histórico.

Em 1985 é realizado o tombamento provisório municipal numa área central e do porto. Em 1987 ocorre o tombamento nacional do Centro Histórico, sendo homologado em 1992.

Desde então, vários casarões e igrejas foram restaurados, alguns pelos proprietários, outros pelo poder público ou convênio entre ambos. Alguns casarões abrigam comércio, outros são utilizados pelo poder público, como a casa do Alferes  (atual Museu da Imagem e Som de Cuiabá)  e o Quartel da Força Pública (atual Ganha Tempo).

Cuiabá atualmente conta com 569.350 habitantes e um Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano com excelentes arquitetos e técnicos. Formam a cidade 114 bairros e 383 loteamentos. O poder público investe na reestruturação do patrimônio histórico tombado, na regularização fundiária, na construção de praças e parques. A legislação urbana é avançada, porém esbarra no favorecimento de alguns poderosos que acham que podem tudo, e na precariedade das instalações e falta de formação do corpo municipal responsável pela aplicação e fiscalização das leis.

Os planejadores de hoje ainda tem que enfrentar o abismo entre suas idéias, a real intenção do poder público e interferências políticas, e lutar pela valia de suas palavras.

Uma cidade não se faz apenas de boas idéias, projetos e leis. Ela necessita de uma forte integração entre pensamento político-técnico, popular-técnico, afim de se avaliar as reais necessidades no momento e a real possibilidade de implantação das mesmas.

Qualquer cidade, não importa se cresceu num repente ou gradativamente, planejada ou “improvisada”, com qualquer forma e jeito, irá se diferenciar pela qualidade de sua administração e a capacidade de integração da mesma com sua equipe técnica e os anseios da sua população (4).

notas1
FREITAS, Moacyr. “Cuiabá precisava de ajuda”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, Volume 61. Cuiabá, 2003.

2
Idem, ibidem.

3
ROMANCINI, Sônia Regina. “Avenida Historiador Rubens de Mendonça: A Redefinição da Centralidade Urbana em Cuiabá”. Revista Mato-Grossense de Geografia, n. 05/06. Cuiabá, ED UFMT, 2000/2001. Da mesma autora, ver ROMANCINI, Sônia Regina. Cuiabá: paisagens e espaços da memória. Cuiabá, Cathedral Publicações, 2005.

4
Sobre a cidade de Cuiabá, ver também: CONTE, Claudio Quoos. Centro Histórico de Cuiabá - Patrimônio do Brasil. Cuiabá, Entrelinhas, 2005; CUIABÁ. Prefeitura Municipal. Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano - IPDU. Diretoria de Pesquisa e Informação – DPI. Perfil Socioeconômico de Cuiabá - Volume II. Cuiabá: Central de Texto, 2004.

sobre o autorJanaína Facchinetto é graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Mato Grosso.

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