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my city ISSN 1982-9922

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PAVIANI, Aldo. Brasília, 48 anos: capital da esperança? Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 093.04, Vitruvius, abr. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.093/1894>.


Construção do Congresso Nacional
Foto M. M. Fontenelle [Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF]


Catetinho, 1956 [Acervo Arquivo Público do Distrito Federal]

Edifícios em construção, 1958
Foto de autor desconhecido [Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF]

Operário trabalhando
Foto Peter Sheier [Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF]

Avenida Central, Núcleo Bandeirantes
Foto Postal Colombo [Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF]

Construção do Congresso Nacional
Foto Agnor Gomes de Farias [Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF]

Cruzeiro
Foto M. M. Fontenelle [Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF]

 

Ao se aproximar dos 50 anos, Brasília apresenta registros históricos com acontecimentos polêmicos, a começar pela iniciativa de construí-la. De início, houve reação contra transferência sede do governo federal do Rio de Janeiro para o “sertão do Planalto Central”, como instigavam (e instigam) certos meios jornalísticos do Rio e de São Paulo. O presidente Kubitschek (JK) colocou a mudança da capital em seu “Plano de Metas” como a trigésima, ou meta de coroamento. Em 1957, abriram-se os canteiros de obras, continuando a receber criticas durante seu mandato, sobretudo quanto à corrupção que estaria havendo. Qualquer movimento suspeito, durante as obras, gerava controvérsias.

Antes de inaugurado o Plano Piloto, abriu-se espaço para a primeira cidade-satélite, Taguatinga, ocupada por operários e favelados (há registros de que houve resistência por parte dos que consideravam a satélite distante do local de trabalho). A primeira cidade-satélite foi considerada uma descaracterização do plano original do urbanista Lúcio Costa. O urbanista, contudo, previra cidades-satélites após a conclusão do Plano Piloto, ao atingir a marca dos 500.000 habitantes (ou 600.000, como sugerira William Holford, presidente do júri internacional que julgou os projetos para Brasília).

No governo Jânio Quadros, gerou revolta a decisão governamental de desconstituir a Cidade Livre. Houve protestos. Por muitos anos, a Cidade Livre consolidou importante entreposto comercial e de serviços de apoio para as obras do Plano Piloto. Os protestos de comerciantes e moradores foram acatados e a localidade passou a denominar-se Núcleo Bandeirante.

Ao longo da construção, houve denúncias quanto à sobrecarga de trabalho imposta aos operários da construção civil, em razão do denominado “ritmo de Brasília”. Muitos foram contratados sem carteira assinada, ficando sem proteção trabalhista. Ademais, as condições de trabalho eram árduas. O uso das “viradas” para seguir o cronograma de obras, impingia aos trabalhadores jornadas de trabalho por vinte e quatro horas, ininterruptamente. Há registro de mortes em pleno trabalho. Além disso, as condições nos alojamentos e canteiros de construção eram precárias, insalubres e a alimentação de má qualidade. Por esse motivo, os operários revoltaram-se no alojamento da construtora Pacheco-Fernandes, com dura repressão do esquadrão da Guarda Especial de Brasília (GEB), a truculenta polícia do DF encarregada de manter a ordem. Segundo alguns relatos, houve mortes no alojamento e o fato não foi devidamente esclarecido. Há os que defendem não ter havido morte alguma, mas depoimentos de pioneiros revelam pormenores da chacina, acobertada à época.

Instalado o governo militar, após o golpe de 1964, surge a polêmica (e boato) do retorno do governo federal ao Rio de Janeiro, sobretudo quando do falecimento do general-presidente Arthur da Costa e Silva, em 1969. Controvérsias aconteceram durante o regime militar com os Atos Institucionais (AIs), fechamento do Congresso Nacional, a subseqüente crise militar e as cassações de mandatos de parlamentares por motivos políticos. Essa crise criou instabilidade no comércio, hotelaria e serviços urbanos, muitos deles em fase de implantação. Ainda no período militar, causaram polêmica dois projetos do arquiteto Oscar Niemeyer: o novo aeroporto internacional, vetado pela Aeronáutica; e o panteão a JK, porque, foi alegado, o monumento representaria a “foice e martelo”, símbolo comunista. Construído, hoje é o mausoléu onde se encontram os restos mortais de Juscelino, sua biblioteca, documentos e fotografias da época.

Ao longo da ditadura, Brasília foi objeto de intervenções urbanísticas, sobretudo com as transferências compulsórias de populações faveladas. A de maior impacto geográfico e polêmica foi a extinção da grande favela formada pelas vilas do IAPI, Tenório, Sara Kubitschek, Esperança, Tenório, Morro do Querosene, Morro do Urubu, situadas próximo ao Núcleo Bandeirante. Causou polêmica transferir cerca de 82.000 favelados para formar Ceilândia (denominação extraída de CEI – Campanha de Erradicação de Invasões). A polêmica abasteceu argumentos dos contrários ao modelo polinucleado de povoamento assumido desde os primórdios da capital, com segregação das populações menos favorecidas, trabalhadores e migrantes pobres.

Superada a fase critica, em 1984, o movimento das “Diretas Já”, cresceu exponencialmente e proporcionou a eleição de Tancredo Neves que, adoentado, faleceu sem tomar posse. A investidura de seu vice-presidente, José Sarney, levantou celeuma política e jurídica, pois, foi alegado que, sem a posse do presidente, o cargo estaria vago, sugerindo-se nova eleição. Apesar de tudo, Sarney tomou posse em período de inflação alta e desabastecimento em razão da crise econômica.

Com a Constituição de 1988, Brasília conquistou autonomia política e administrativa, estabelecendo a eleição do governador do DF e dos 24 deputados para a Câmara Legislativa (CL). Para alguns, a CL era desnecessária, pois a Comissão do DF no Senado Federal dava conta das regras para a gestão da res publica dessa unidade da federação. Com o passar dos anos, alguns atos do executivo e do legislativo causaram polêmicas e críticas ao Governo do Distrito Federal (GDF) e à Câmara Legislativa (CL). No GDF, as criticas e polêmicas, entre muitas, recaíram sobre a doação de milhares de lotes a favelados e oportunistas, sobretudo no governo Roriz. Surge a figura do “cadastrado” (tido como membro de massa eleitoral). Com a transferência dos cadastrados, projetaram-se inúmeros assentamentos e, com isso, mais custos para manter as novas cidades-satélites. Com esses bairros, ampliou-se o polinucleamento da capital. Por sua vez, a CL esteve e está em evidência por atos pouco éticos como nepotismo, uso da lei para modificar destinação de terras públicas e a falta de uso adequado de verbas, inclusive a “verba de gabinete”. Houve, igualmente, nomeações de assessores em excesso. Cada deputado distrital possui um número maior de funcionários, em relação aos deputados federais. Segundo denúncias, na CL não há como acomodar os funcionários, se todos cumprirem horário integral. Presentemente, a CL trata de verbas para concluir sua sede iniciada em 2001, com orçamento de R$ 42 milhões, gastaram-se R$ 23 milhões, quando as obras foram paralisadas. A obra, após sete anos ainda inconclusa, é um esqueleto que se deteriora junto ao Setor Gráfico. Prevê-se que a obra consumirá mais R$ 72 milhões de verba suplementar para inaugurar o edifício (1).

Atitude precipitada do GDF, no início de 2008, motivou críticas e apreensão com entrega de carnês de IPTU contendo erros. Basicamente, houve excessiva elevação do percentual de aumento do imposto, na véspera do vencimento da primeira parcela. Corrigidos os erros, há reclamações e enormes filas para obter informações. Recentemente, outra celeuma surge com a retomada do projeto Brasília Revisitada (1985/87), de Lúcio Costa, que previa novos bairros. Segundo Costa:

“Na implantação dos dois novos bairros a oeste — Oeste Sul e Oeste Norte — foram previstas Quadras Econômicas (pilotis e três pavimentos) para responder à demanda habitacional popular e Superquadras (pilotis e seis pavimentos) para classe média, articuladas entre si por pequenos centros de bairro, com ocupação mais densa, gabaritos mais baixos (dois pavimentos sem pilotis) e uso misto” (2).

O primeiro bairro foi implantado como Sudoeste, recebendo população de classe média e sem atender outras especificações de Lúcio Costa. O segundo, está em cogitação, mas também fora dos padrões recomendados pelo urbanista. O Noroeste, pelo projeto atual, destina-se à classe média e alta e também motiva discrepâncias de arquitetos, empresários e jornalistas. O novo bairro é polêmico pelas inúmeras pendências como a fundiária (há terreno hipotecado há 15 anos), a étnica (há 20 anos, índios ocupam pequena área na enorme gleba), a ambiental (os 4 milhões de metros quadrados constituem nicho residual de cerrado e possui diversas nascentes do aqüífero do DF) e a perpetuação do modelo polinucleado de povoamento (que poderá tornar a capital ingovernável em alguns anos). Além disso, as licitações excitam incorporadoras imobiliárias que estimam lucros de porte avantajado com as obras do novo bairro - apresentado pelo marketing como “bairro verde”. Outra polêmica é levantada com a construção do núcleo Catetinho em área com potencial de recuperação do cerrado, uma luta dos ambientalistas. Há anos, a gleba serviu de lavoura de soja, que devastou o cerrado existente.

O Noroeste e bairro Catetinho, se constituirão em “bairros nobres” (para os empreendimentos imobiliários), segundo levanta a mídia. Também são tidos como pouco urgentes e contrários ao que propugnava Lúcio Costa em seu projeto Brasília Revisitada 1985/1987:

“E convém insistir no atendimento à necessidade de habitação popular através da implantação, em grande escala, de Quadras Econômicas, apelando inclusive para as possibilidades da fabricação em série, dentro da tecnologia desenvolvida pelo arquiteto João Filgueiras Lima, e que já conta com fábrica montada em Brasília” (3).

Em escala mais ampla, há polêmicas “federais”. Brasília abriga e é hospedeira dos três poderes da República, como reza a Carta Magna. No âmbito dos poderes, Brasília e o país inteiro assistem a inúmeros escândalos envolvendo o Congresso Nacional e o Executivo: “mensalão”, compra de votos, absolvição de parlamentares obreiros de falcatruas e, logicamente, a polêmica não-renovação da Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF). Derrotada a proposta de prorrogação da CPMF, outra polêmica atravessará o ano, a dos cartões corporativos, respingando em ministérios, no Palácio do Planalto e na Universidade de Brasília por ações da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC), sobretudo com o alto custo da decoração de apartamento funcional da Universidade de Brasília.

No âmbito do Judiciário, projetos de edifícios de alto custo servem para abrir licitações rentáveis aos incorporadores como o da nova sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No Superior Tribunal Federal (STF), fato gerador de controvérsia é a pendência de liberação constitucional da Lei da Biossegurança, de 2001, objeto de debates e de repercussão nos órgãos de imprensa, com artigos pró e contra a previsão de uso de células-tronco para fins científicos.

Todas essas polêmicas, controvérsias e escândalos, no entanto, não são exclusividades de Brasília. A capital reflete o que se passa no Brasil ou o que aqui aporta por ser a confluência dos problemas (e soluções) nacionais. Portanto, o que é particular à capital é servir de abrigo a todos os que aqui passam ou se estabelecem, pois Brasília é Brasil. Não é por acaso que a cidade tem uma geografia assemelhada às demais metrópoles brasileiras.

Sumariando o caleidoscópio de eventos, a capital federal tem sido hospedeira de acontecimentos políticos, administrativos, jurídicos e econômicos. Os acontecimentos acima referidos demonstram a necessidade de se partir para reformas essenciais: política, fiscal e do judiciário. Também se requer urgente reforma do sistema bancário e financeiro. É de se esperar que, em nenhuma dessas reformas ocorram controvérsias com crises e polêmicas para que o Brasil ingresse em longo período de “Ordem e Progresso”. A cidade e seus habitantes, por isso, esperam, placidamente, o dia em que crises, escândalos e celeumas dêem lugar à realização do sonho nacional: a consolidação de valores éticos e humanos na igualdade, justiça social e desenvolvimento do país.

notas

1
Em janeiro de 2008, noticiários de TV, rádios e jornais de Brasília divulgaram a retomada das obras do edifício sede da CL do DF, com destaque para a verba necessária à sua conclusão. Ver “Obra da Câmara é retomada”. Correio Braziliense, Caderno Cidades, 06 mar. 2008, p. 38.

2
COSTA, Lucio. “Adensamento e expansão urbano do Plano Piloto”. Brasília Revisitada 1985/87. http://aprender.unb.br/mod/resource/view.php?id=23562. Acesso em 14/03/2008, às 8h35.

3
Idem, ibidem.

[artigo ampliado de “Brasília é Brasil”, publicado no Caderno Opinião do Correio Braziliense, edição de 12 mar. 2008, p. 19]

sobre o autor

Aldo Paviani é geógrafo e pesquisador associado da UnB

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