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my city ISSN 1982-9922

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SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da; LEITE RIBEIRO, Edson; PONCE DE LEON AMORIM, Rafael. Percursos, morfologia e sustentabilidade na cidade de João Pessoa PB. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 098.01, Vitruvius, set. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.098/1878>.


Área Central – Núcleo Histórico da cidade de João Pessoa [Acervo Rafael Ponce de Leon – LAURBE/CT/UFPB]


Verticalização em direção a orla marítima da cidade [Acervo Rafael Ponce de Leon – LAURBE/CT/UFPB]

Avenidas Epitácio Pessoa e Ruy Carneiro, de ligação centro – orla marítima [Acervo Rafael Ponce de Leon – LAURBE/CT/UFPB]

Lagoa do Parque Solón de Lucena [Acervo Rafael Ponce de Leon – LAURBE/CT/UFPB]

Bairro Tambiá, adjacente ao centro, com vista, ao fundo, para o setor leste da cidade [Acervo Rafael Ponce de Leon – LAURBE/CT/UFPB]

 

Este artigo debate sobre o processo de urbanização acelerada das chamadas “cidades de porte médio”, por meio de uma leitura das interfaces existentes entre os seus percursos principais e o processo de expansão urbana. O objeto empírico de observação é a cidade de João Pessoa PB, considerando as suas particularidades morfológicas. Leva-se em conta questões da acessibilidade e do uso da terra (land use) na cidade, relacionadas à localização e à forma intra-urbana. O texto ressalta as características específicas da organização do espaço intra-urbano, diferenciadas das dinâmicas interurbanas, onde é enfatizado o poder estruturador das condições de deslocamento das pessoas e da segregação das classes sociais mais abastadas, onde o espaço, a forma e as localizações são elementos ativos que estabelecem relações biunívocas com os processos sociais.

A partir das características peculiares de um dado sítio geográfico e sob influência de forças socioeconômicas localizam-se os terrenos e ocupa-se o território, fixando-se os usos e definindo-se as vias de circulação para pessoas e mercadorias em geral. Por meio de engenhosas operações estabelecem-se relações entre os transportes, as localizações e a valorização da terra, determinando o processo de produção do (valor) espaço urbano, a partir de sua matéria-prima o solo, identificando-se a estruturação da cidade. Dessa maneira, assim como em outras cidades, o tecido urbano de João Pessoa desenvolveu-se com base em linhas diferenciadas de acesso e movimento, determinando percursos e vetores de expansão distintos, acentuados pela lógica de produção e de apropriação do espaço e pelas características restritivas do espaço territorial disponível para expansão. Este quadro acentuou determinados percursos, gerando excrescências no tecido urbano de João Pessoa e definiu, de forma nítida, a forma física da cidade.

Os percursos podem ser vistos como rotas, utilizadas nos deslocamentos das pessoas na cidade, através de espaços livres, como lócus onde se dá a circulação, que formam trajetórias, constituindo uma linha de acessibilidade, no espaço e no tempo, descrita pelo movimento. Definem a direção de fluxos de circulação cotidianos, podendo indicar vetores de expansão intra-urbana. De modo geral, a lógica evolutiva de um tecido urbano relaciona-se com tendências, indicações, resultados e com as razões, físicas e sociais, para que se dê uma determinada forma de ocupação, relacionada a leis sócio-espaciais e às propriedades territoriais urbanas. As leis sócio-espaciais ligam-se à dinâmica de segregação das classes sociais, enquanto que as propriedades territoriais podem ser identificadas a partir das características específicas do sítio geográfico, dos demais elementos da morfologia e da expansão urbana. A acessibilidade da cidade diz respeito às características da oferta de espaços e sistemas destinados à circulação urbana, como facilidade ou possibilidade de atingir os destinos desejados. Por sua vez, a mobilidade representa os deslocamentos e fluxos na cidade. Esses elementos contribuem para definição da configuração urbana, podendo repercutir sobre a sustentabilidade da cidade, em termos ambientais, sociais e econômicos.

A cidade de João Pessoa é considerada de porte médio na região nordeste do país, com cerca de 670.000 habitantes distribuídos em 211 km² (IBGE, 2007). Como sabido, as cidades desse porte vêm assistindo, nas últimas décadas, um processo de urbanização que abriga índices relativamente superiores aos das grandes metrópoles brasileiras, num quadro de urbanização acelerada. O espaço intra-urbano de João Pessoa possui configuração que mostra uma estrutura tentacular, desenhando uma “geografia de linhas de crescimento” (1), com carência de percursos transversais e predominância da perspectiva centrífuga de crescimento urbano, acentuando territórios periféricos, setores de círculo e a segregação das classes sociais. A identificação das propriedades globais do espaço destaca a relação biunívoca entre percursos e evolução urbana, relacionada à morfologia, à radialidade do sistema de acessos principais e à segregação, que afetam a organização urbana, o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas, dada a contínua fragmentação e espraiamento urbano, onde a cidade nunca “cresce para dentro”.

O traçado resultante dos principais percursos radiais em João Pessoa é um dos elementos claramente identificadores tanto da forma quanto das possibilidades e intenções de ocupação da cidade. As diretrizes estruturais, a ocupação do solo e o padrão resultante de organização do espaço sofreram influência das limitações impostas pela proximidade da faixa litorânea e do leito do rio Paraíba e condicionantes como natureza do solo e topografia, levando a um desenho semi-rádio-concêntrico do espaço, por setores de círculo, destacando os eixos radiais de acesso principais e a excentricidade da cidade (2). Dessa forma, como cidade litorânea e dadas as restrições do seu sítio geográfico, João Pessoa cresceu a partir do rio Sanhauá (afluente do rio Paraíba) em um território contido num ângulo de cerca de 90 graus, onde um dos eixos principais e centrais correspondeu à linha de ligação centro – praia, que se colocou como uma “linha de força da paisagem” (3). Segundo Gordon Cullen, a organização dos elementos da cidade reflete linhas de força, que representam uma combinação de circunstâncias que estiveram na sua origem. Inversamente, segundo o mesmo autor, quando uma cidade se revela “incaracterística e amorfa este fracasso pode, em geral, ser localizado em qualquer falha na relação entre forma e função, em que as linhas de força se tornaram confusas ou desapareceram”. Para Cullen, a possibilidade de identificação e interpretação das mais importantes linhas de força determina, em grande parte, se a cidade é morfologicamente caracterizada e inteligível, ocorrendo mais facilmente em cidades marítimas, em que linhas de força têm relação com linhas de demarcação geográficas, com a paisagem e com a ocupação urbana. Em João Pessoa não ocorreu aquele “fracasso” citado por Cullen, em relação à morfologia, mas pode-se identificar falhas no que se refere às interfaces existentes entre a forma e o uso da terra urbana, sem comprometer, entretanto, a identificação das linhas de força da cidade. Esse quadro, associado ao acelerado e extensivo processo de ocupação do espaço, é agravado pelas severas restrições do espaço territorial disponível para expansão, com repercussões sobre a qualidade de vida e a sustentabilidade da cidade, criando conflitos físicos, sociais e ambientais e afetando o desempenho intra-urbano.

Em João Pessoa, como de resto em outras cidades médias e grandes latino-americanas, os percursos urbanos mostram que a periferia física coincide, em considerável escala, com a periferia no sentido social, onde as bordas periurbanas representam quase sempre os setores menos assistidos em provimentos urbanos. A superacumulação, as profundas desigualdades sociais e os modelos “globalizados”, a exemplo do automobilístico-rodoviário, estimulam propostas socialmente seletivas de assentamento populacional – edges-cities e os condomínios fechados para os mais abastados e os subúrbios distantes, favelas e cortiços para os mais pobres –, contribuindo para uma estrutura urbana pouco sistêmica, setorizada e espraiada, intensificando a segregação e gerando dificuldades à inclusão social. A concentração das atividades econômicas mais rentáveis distancia-se dos pobres, num quadro onde a acessibilidade é setorizada e heterogênea, reduzindo as oportunidades da cidade. Os investimentos canalizados para a periferia de alta renda tornam mais escassos os provimentos à baixa renda. A evolução urbana de João Pessoa mostrou, por exemplo, que no percurso da Avenida Epitácio Pessoa – eixo que liga o centro à orla marítima – espaço e tempo constituíram fontes de poder social, quando na sociedade capitalista a interseção do domínio sobre o capital, sobre o tempo e sobre o espaço e a localização formam um nexo substancial de poder social. Esse percurso oferece, na direção leste da cidade, acessibilidade privilegiada, canalizando recursos e as melhores oportunidades urbanas, ao longo do tempo. Esses fatos confirmam David Harvey, que demonstra haver forte concatenação entre espaço, tempo e dinheiro (4).

Em João Pessoa, o processo desordenado de expansão intra-urbana sob o ponto de vista de uma cidade mais equitativa, os setores socialmente mais seletivizados e o crescimento da importância do circuito superior da economia, da prestação de serviços mais sofisticados e do comércio yuppie geraram uma estrutura mais assimétrica, onde a cidade organiza-se em fatias sócioespaciais. Como resultado, verificam-se efeitos nocivos à sustentabilidade e à qualidade de vida na cidade de João Pessoa, quais sejam: a) Aumento excessivo e crescente do sprawl urbano, com efeitos danosos ao meio ambiente natural periurbano; b) Efeitos nocivos de desvalorização e deterioração da área central tradicional; c) Efeitos prejudiciais no consumo espacial, temporal, energético e material, com reflexos sobre os provimentos urbanos e a qualidade de vida da população, e d) Efeitos na diferenciação da macroacessibilidade, tornando os mais pobres ainda mais distantes das melhores oportunidades urbanas, aumentando as desigualdades (5).

Nesse contexto fica nítido que o modelo adotado não é adequado para as nossas cidades, onde a estrutura urbana produzida favorece ainda mais a desigualdade e a exclusão social. Mostra-se a urgente necessidade de controlar a expansividade da ocupação urbana, estimulando uma ocupação para “dentro da cidade”, assim como estimular a vitalidade do centro deteriorado e de seus espaços adjacentes, buscando um crescimento mais equilibrado e a redução da fragmentação da cidade. As cidades mais compactas podem estabelecer um caminho mais ecológico, mais sociável e mais justo. A cidade de João Pessoa demonstra, de forma clara, a influência negativa do espraiamento urbano e as possibilidades concretas de maior inclusão social se forem promovidas ações estruturais de planejamento em direção à sua compactação, visando um relacionamento harmonioso entre morfologia, acessibilidade e o uso do solo da cidade.

notas1
LE BRAS, H. De la planete au village. Paris: Datar – Éditions de l’Aube. 1993.

2
SILVEIRA, José Augusto R. da; LAPA, Tomás de Albuquerque; RIBEIRO, Edson Leite. “Percursos e processo de evolução urbana: uma análise dos deslocamentos e da segregação na cidade”. Arquitextos, n. 090. Texto especial 446. São Paulo, Portal Vitruvius, 2007 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp446.asp>.

3
CULLEN, Gordon. A Paisagem urbana. Lisboa. Edições 70. 1983.

4
HARVEY, David. The urbanization of capital. Oxford. Blackwells. 1985.

5
RIBEIRO, Edson Leite. Cidades (in)sustentáveis: reflexões e busca de modelos urbanos de menor entropia. João Pessoa. Editora Universitária. 2006.

sobre os autoresJosé Augusto R. da Silveira, Arquiteto e Urbanista, Professor do Depto. de Arquitetura-CT/UFPB, Doutor em Desenvolvimento Urbano – Estudos do Ambiente Construído, CAC-UFPE

Edson Leite Ribeiro Arquiteto e Urbanista,Professor do Depto. de Arquitetura-CT/UFPB, Doutor em Engenharia Civil – Planejamento e Engenharia Urbana, Escola Politécnica-USP

Rafael Ponce de Leon Amorim, Arquiteto e Urbanista do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba

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