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my city ISSN 1982-9922

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FERREIRA, Pedro. Capela de Nossa Senhora de Fátima Picote em Miranda Douro. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 099.03, Vitruvius, out. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.099/1872>.


Vista frontal da Capela de Nossa Senhora de Fátima


Imagem do interior da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Vista interna da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Vista interna da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Vista interna da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Vista interna da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Esquema compositivo da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Vista externa da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Vista externa da Capela de Nossa Senhora de Fátima

Edifício que compõe o plano urbanístico do complexo habitacional do Picote

Vista aérea da barragem hidrelétrica de Picote

 

Tecida de mil fios de sonho e querer trago-vos hoje, a história de um edifício esquecido no tempo, perdido para lá das serranias, que o acaso colocou no meu caminho e agora orgulhosamente atiro para o vosso.

Fala-vos da pequena Capela de Nossa Senhora de Fátima, construída no ano de 1958 na freguesia do Picote, Miranda do Douro.

Este não é um edifício paradigmático da arquitetura religiosa portuguesa, não influenciou gerações, ou foi alvo de estudos e reflexões, tão pouco resultou de uma divagação profunda em volta do tema.

É apenas um pequeno edifício de culto, perdido nos confins do país rural, que a história deixou escapar nas curvas do tempo. Mas é incomparavelmente belo e verdadeiro, hoje, com o era no tempo em que foi erguido.

As convulsões do pós-guerra que violentamente abalaram toda a Europa, atingiram Portugal sutilmente. Numa primeira fase, a queda dos regimes de direita na Alemanha e em Itália fez acreditar que apenas uma questão de tempo devolveria a democracia ao país. Mas a história tem destes deslizes e a guerra serviu somente para encher os cofres Portugueses e reforçar a sua posição internacional de colonizador.

No início da década de 50 do século XX, Portugal era um país absolutamente rural, com uma economia baseada na agricultura de subsistência e enormes debilidades ao nível das infra-estruturas e equipamentos. Numa tentativa de inverter a situação, é levado a cabo o I Plano de Fomento. Na sua essência, a concretização de uma série de obras públicas, que visavam suprimir as necessidades da indústria em termos de vias de comunicação e autonomia energética. É neste contexto que é projetada e construída a barragem hidrelétrica do Picote, implantada no Douro Internacional.

Picote é uma pequena aldeia no coração do igualmente reduzido conselho de Miranda do Douro, localizado no interior norte do país. Na década de 50 uma região árida, quase despovoada, desprovida de meios e equipamentos, de onde Lisboa distava mais de doze horas de viagem, por caminhos sinuosos, a rigor esculpidos por entre serras e vales. Inacessível no inverno e absolutamente abrasador no Verão.

Levar a cabo a construção de uma empreitada da dimensão de uma barragem obriga como obrigava a uma grande concentração de meios e mão-de-obra, o que no Picote implicou a criação de infra-estruturas capazes de albergar durante vários anos, cerca de cinco mil trabalhadores. Assim é construído paralelamente à barragem o Complexo Habitacional do Picote.

Embriagados pelo perfume de Brasília, Pampulha e de uma nova Europa renascida das cinzas, uma equipa pluridisciplinar de jovens arquitetos, pintores e escultores, trabalharam durante anos afastados do mundo, na criação de um dos mais eloqüentes e vibrantes conjuntos arquitetônicos alguma vez construídos em Portugal.

A energia elétrica, símbolo vital da sociedade em desenvolvimento foi o princípio gerador duma arquitetura que transportou a mensagem Futurista para fora da realidade urbana, construindo com a ingenuidade típica da juventude, novas centralidades, cheias de esperança e pretensões de modernidade.

Era a segunda geração de arquitetos modernos a conquistar o país a partir de dentro, gritando alto “os nossos edifícios são diferentes dos do passado, pois vivemos num mundo diferente”.

Uma estalagem, um centro comercial, uma escola, vários tipos de habitação, permanente e temporária, uma zona recreativa e uma capela, compõe o plano urbanístico do complexo habitacional do Picote. Num hábil jogo de compromissos misturam-se vidro, betão, granito e madeira. Assim se desenha um novo pais, tão dentro do velho e simultaneamente tão afastado.

Construída no ano de 1958, a pequena Capela de Nossa Senhora de Fátima, projeto e prova de CODA (final de curso) do arquiteto Nunes de Almeida recebe os que por intenção ou acaso chegam ao complexo da barragem.

Desde logo é o ritmo simultaneamente rigoroso e frenético da estrutura porticada que define o edifício que nos capta o olhar.

É no fundo a reinvenção de um templo clássico que se nos deslumbra. O pórtico, o peristilo, a cela, tudo conjugado numa contemporaneidade comovente, que se eleva, marcando de forma dramática a paisagem.

O edifício implanta-se sob uma orientação Nascente – Poente e perpendicular arruamento que lhe é contíguo, evidenciando-se assim no céu inóspito das serras que o abraçam.

Era propósito inicial deste projeto a criação de um templo que deveria servir a nova comunidade, emergente da construção da barragem. Tendo presente que durante o período de máxima atividade da obra, existiria um universo de cinco mil habitantes o qual mais tarde se veria reduzido a duzentos e cinqüenta.

Atendendo à conjugação de todos estes fatores e imbuído do espírito funcionalista Miesiano, tão apreciado hoje como na época, Nunes de Almeida encontra a desejada “elasticidade” espacial na conjugação de três espaços distintos, um alpendre, uma nave e uma zona de dependências. Tudo isto unificado por uma cobertura única. Associando os princípios do templo grego ao templo católico, o arquiteto permite aos fiéis distintas formas de apropriação do espaço, e mesmo da dádiva Divina.

O acesso à Casa de Deus é feito através de um lajeado horizontal de betão armado que pousando de forma minimal sobre terreno oferece uma escala monumental à pequena construção, desafiando inconscientemente à entrada no edifício.

Recebe-nos o alpendre, que como já foi referido ganha uma dupla função. Para além das atividades que lhe são características, socialização pré e pós cerimônia sendo de alguma forma a antecâmara ou ponte de separação entre o mundo profano e o mundo sagrado assume-se como o prolongamento natural da nave, podendo “abrigar” um largo número de fieis que de outra forma assistiriam às cerimônias fora do edifício. Esta interligação é conseguida através do uso da transparecia no alçado principal, isto é, a inclusão de dois planos de vidro de correr que quando abertos geram a total interpenetração entre os espaços interior e exterior.

No interior, dois volumes simétricos em betão aparente, moldam o espaço, definindo uma antecâmara que desenvolvendo-se sob o balcão coro possui um pé direito reduzido e luz tênue, preparando-nos para a celebração. É um novo Nártex que aqui desenha o abandono do mundo dos homens e a chegada à casa de Senhor.

Os dois volumes em betão, mais do que a simples definição de espaço possuem funções muito particulares e com objetivos práticos no conjunto.

O da direita esconde a escada de acesso ao balcão coro, um objeto de desenho simples como é apanágio desta arquitetura, degrau em madeira suportado por cantoneiras de ferro, mas que nem por isso perde beleza, resultando num elemento que aguça a curiosidade em relação a um interior aparentemente óbvio, oferecendo simultaneamente um efeito de escala inesperado a um espaço de tão reduzidas dimensões.

O volume da esquerda comporta uma dupla função, o batistério e o confessionário, elementos que segundo o autor possuem sempre difícil distribuição na arquitetura religiosa contemporânea. Esta dupla conjugação gera um corpo desconcertante que altera a seriedade quase matemática do conjunto. Primeiro abre-se em dois possibilitando a inclusão do batistério, uma grande massa de granito altamente orgânica que nos transporta para o exterior rochoso e para uma outra arquitetura com bases num universo de memórias vernáculas. O confessionário, voltado para a nave possui um desenho contextualizado na época, de referências POP onde o preto do couro almofadado nos lembra realidades e programas eventualmente mais pagãos.

A nave, não é mais do que um contentor paralelepipédico em tijolo vidrado, geometricamente rasgado pela estrutura do porticado exterior.

Aqui, e ao contrário de edifícios cronológica e programaticamente semelhantes não há variações e jogos espaciais, não há recantos ou nichos, há simplesmente a luz. O elemento maior, que sabiamente conjugado confere a este espaço, apesar da sua pequena dimensão, a grandiosidade espiritual e arquitetônica que o caracteriza.

Contudo não se oferece linear a explicação deste fenômeno, pois a iluminação é feita de forma bastante elementar. Janelas corridas, que separam a parede da laje de teto e fazem com que luz se difundam de forma homogênea por todo o interior, lembrando a arquitetura Manuelina na estiticidade dos seus espaços.

Quebrando toda esta calma, uma grande clarabóia rasga o teto sobre o altar e trás algo de Divino à nave. A calma, o repouso, a paz interior, o reflexo pálido da luz eterna pela graça de Deus, são presença evidente neste espaço.

A rematar a nave, o presbitério. Alterado com o Concilio limita-se a uma pequena plataforma que eleva o altar e a um plano de madeira que encerra a nave servindo de fundo a um magnífico crucifixo do escultor Barata Feyo.

Surgem por último nesta descrição programática as dependências, sacristia, sala de catequese, arrumos e sanitários, distribuídos por dois pisos onde tudo se desenvolve de forma simétrica, mantendo o mesmo princípio construtivo da nave. À direita a escada, um objeto leve que se descola das paredes envolventes. A eixo as instalações sanitárias e à esquerda a sacristia. No piso superior a sala da catequese.

Percorrendo a modesta capela do Picote, invade-nos a idéia de que este lugar não é exclusivamente humano. Mesmo fugindo à espiritualidade da linha curva e à ordem Divina que ela traduz, mesmo sem recorrer a subterfúgios formais de caráter expressionista, carrega vigorosa nos ombros delicados, os três pilares do Evangelho: Verdade, Pobreza e Paz, fazendo-nos acreditar que o milagre não está nos grandes feitos e atos, mas no simples gesto humano quando este é sonhador, honesto e verdadeiro.

A mim, resta-me apenas, ainda que em silêncio, agradecer aos criadores desta obra por ma terem permitido conhecer e agora divulgar.

notas

1
O artigo resulta de uma apresentação feita no I Encontro Internacional de Arquitetura Religiosa Contemporânea, levado a cabo na Cidade de Ourense, Espanha, em Setembro de 2007. As fotos apresentadas são da autoria do autor e retiradas com consentimento do livro O moderno escondido, de Michael Cannatá e Fátima Fernandes.

sobre o autor

Pedro Ferreira, licenciado em arquitetura pela Universidade Lusíada do Porto, Investigador e Doutorando  no Departamento de Construcións Arquitetónicas da Universidade da Coruña, Espanha, sócio fundador do atelier, 100 Planos Arquitetura L.da sediado na cidade do Porto, Portugal

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