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my city ISSN 1982-9922

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TORELLY, Luiz Philippe. Paisagem cultural: uma contribuição ao debate. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 100.02, Vitruvius, nov. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.100/1869>.


Vista da cidade de Jaguarão RS, fronteira com o Uruguai
Foto Marcio Vianna


Museu Parque do Mate e cercanias, em Campo Largo Paraná [Acervo IPHAN]

Vista da cidade de Positano, Costiera Amalfitana, Itália [Foto Luiz Philippe Torelly]

 

O objetivo do presente texto é contribuir para o debate em torno do conceito de Paisagem Cultural, sua aplicabilidade como instrumento de preservação e gestão do patrimônio natural e cultural e sua relevância como dinamizador de oportunidades culturais, pedagógicas e sócio-econômicas.

Em princípio, assim como qualquer cidade é histórica, qualquer paisagem é cultural. Seja ela intocada pelo homem, seja ela totalmente alterada pela ação antrópica. Ao vislumbramos uma paisagem, nossos sentidos como a visão, a audição e o olfato, são estimulados e as sensações são imediatamente processadas por nosso intelecto, que se utiliza de todo nosso aparato cognitivo, que acumulamos desde o nascimento, para atribuir valores subjetivos e objetivos e formar representações. Portanto, se todas as paisagens podem por princípio ser culturais, que paisagens devem ser objeto de proteção e de um processo de gestão, que impeçam sua descaracterização, sem restringir sua evolução?

Esta perplexidade não é só nossa. A leitura do livro "Paisagem Cultural e Patrimônio", de autoria do geógrafo Rafael Winter Ribeiro, editado em 2007 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, nos oferece um panorama desse debate no plano internacional. As dificuldades conceituais e sobreposições com as quais nos defrontamos, são compartilhadas por instituições e pesquisadores de vários países. O conceito é por demais abrangente, com delimitações indicativas sem contornos claramente definidos, permitindo avaliações com elevada subjetividade e sua utilização em um espectro de situações muito amplo.

O Comitê do Patrimônio Cultural da Unesco destaca o caráter evolucionista da ação humana como definidor das paisagens culturais e as divide em três categorias: 1) Paisagens claramente definidas; 2) Paisagem evoluída organicamente; 3) Paisagem cultural associativa (1). Esta taxionomia, abrange desde paisagens integralmente desenhadas pelo homem, até aquelas imateriais ou intangíveis.

Alguns princípios e critérios estão presentes, em número e intensidade variável, nas diversas acepções do conceito. Quase todos têm como referências fundamentais a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural da Unesco, aprovada em 1972 e a resolução do Comitê do Patrimônio Mundial, de 1992, que reconheceu “as interações significativas entre o homem e o meio natural” como paisagens culturais. Destacamos os seguintes:

1. A presença e imbricamento singular da “cultura” e da “natura”, a luz dos condicionantes ambientais, culturais, sociais e econômicos;

2. O caráter evolucionista da presença humana, seus testemunhos e a sinergia entre os ambientes naturais, construídos e os modos de produção;

3. A ocorrência de manifestações e representações do patrimônio material e imaterial, integrantes de um mesmo universo cultural;

4. Outorga de valor a uma fração territorial e as atividades nela desenvolvidas que envolva os aspectos anteriormente citados, capaz de agregar valor econômico, gerar emprego e renda e oportunidades de fomento as cadeias produtivas;

5. Notabilidade das obras do homem ou da conjugação destas com a natureza;

6. Gestão pactuada e compartilhada entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada;

7. Plano de manejo ou preservação, integrado ao plano diretor do município(s) onde se localiza a paisagem;

8. Ações educativas permanentes e forte coesão social;

9. Sentido de identidade e pertencimento da população que habita ou trabalha no território abrangido pela paisagem

A definição de paisagem contida nos dicionários – “extensão de território que o olhar alcança num lance” (Dicionário Houaiss) –, embora seja limitada, e se aplique apenas a uma parcela do universo de possíveis paisagens culturais, nos chama a atenção para a necessidade de uma delimitação geográfica, que não se confunda com outros conceitos, como o de região, território e lugar e evite conflito ou sobreposição com outras divisões administrativas.

É importante destacar o caráter dialético e evolutivo, que a paisagem cultural pode exibir. Daí o grande número de arranjos e possibilidades, que dependerão fundamentalmente, da intensidade e qualidade da intervenção humana e das manifestações e representações dela decorrentes. É fundamental, portanto, estabelecer com objetividade as situações as quais ele se aplica.

Em muitos casos, especialmente de ecossistemas naturais de grande extensão, ou no extremo oposto, de conjuntos arquitetônicos e paisagísticos, monumentos e sítios arqueológicos, onde a intervêniencia das atividades econômicas sejam reduzidas, bem como limitada a extensão territorial, é possível um processo de gestão menos complexo, centralizado em um ente público ou privado, com a assistência de instâncias participativas locais.

Já nas situações que se caracterizam por forte dinamismo, dos agentes econômicos e sociais, é recomendável a adoção de critérios de elegibilidade para a escolha. É o caso das paisagens urbanas e rurais, em que estejam presentes tanto à necessidade de proteção e preservação, como simultaneamente a de dinamizar a economia. Nestes casos, especialmente das paisagens urbanas de caráter metropolitano, que abrigam grandes populações, a existência de coesão social e de um pacto de gestão, entre os diversos agentes envolvidos, são essenciais para o êxito da aplicabilidade do instrumento. Seja do ponto de vista da preservação, seja do ponto de vista do desenvolvimento sócio-econômico e principalmente da explicitação do “espírito do lugar”, dimensão imaterial que caracteriza as manifestações culturais e comportamentos arquetipicos de uma comunidade.

A instituição da “Paisagem Cultural” poderá ser um importante avanço na gestão do patrimônio natural e cultural. Sua aplicabilidade irá depender de diversas variáveis, mas principalmente de políticas públicas que promovam modelos de desenvolvimento e regulação, compatíveis com a proteção das manifestações locais, dos saberes e fazeres, dos modos de produção, de ocupação e fracionamento do solo e do incremento de suas potencialidades econômicas, tais como o turismo, a manufatura e o artesanato, produtos alimentícios “in natura” ou transformados. O reconhecimento e chancela de produtos ou modos de preparo, por sua qualidade e especificidades, pelo poder público ou associações de produtores, constituem-se em medidas que agregam valor e abrem novos mercados e possibilidades de investimento. As regiões vinícolas do Rio Grande do Sul, e mais recentemente o queijo de Minas, produzido artesanalmente, são exemplos desta estratégia.

Proteção e preservação, dadas à complexidade da sociedade contemporânea e os conflitos potenciais e muitas vezes abertos, de interesses de diferentes grupos sociais e econômicos, se tornam menos eficazes se amparadas apenas em dispositivos legais e administrativos. O tombamento instituído pelo Decreto-Lei nº25, de 1937, e os instrumentos de jurídicos, urbanísticos e tributários, criados pelo Estatuto da Cidade, são importantes, mas não são suficientes. Da mesma forma, medidas meramente restritivas, não mais são obstáculos para as fortes pressões econômicas e sociais, as quais muitas áreas de grande interesse cultural e natural estão sujeitas.

Não existem formulas mágicas, mas se sabe que alguns ingredientes são relevantes. Participação, gestão pactuada, ação articulada das instâncias governamentais, políticas públicas de incentivo e regulamentação, investimentos continuados, geração de emprego, renda e oportunidades econômicas, ações educativas permanentes, são alguns deles, voltados para fomentar o desenvolvimento. Neste momento em que se intensifica o debate sobre o tema, e o conceito começa a despertar o interesse de alguns segmentos importantes, há um determinante crucial: a indicação e seleção dos sítios. Não parece ser suficiente à escolha, no caso brasileiro, exclusivamente pelas “interações significativas entre o homem e o meio natural”, como estabelece a Convenção da Unesco.

O aplicação bem sucedida do conceito de paisagem cultural no Brasil, como instrumento de gestão e planejamento, onde há forte tradição de controles e exigências burocráticas e lentidão nos processos de tomada de decisões, ocorrerá na proporção em que os ingredientes acima, estiverem presentes e houver motivação, coesão e participação social. A subjetividade e a indefinição conceitual, a exemplo de outros programas e projetos governamentais, ampliam consideravelmente as possibilidades de inadequação ou de chancela meramente adjetiva, de uma idéia que desperta entusiasmo por sua inegável potencialidade.

notas

1
Cf. RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Brasília, Iphan, 2007.

sobre o autor

Luiz Philippe Peres Torelly, Arquiteto e Urbanista, Coordenador Geral de Promoção do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

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