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SANTOS, Álvaro Rodrigues dos. Uma estratégia de Governo para a Serra do Mar. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 103.02, Vitruvius, fev. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.103/1863>.


Serra do Mar no Estado de São Paulo
Foto Nelson Kon


Serra do Mar no Estado de São Paulo
Foto Nelson Kon

Serra do Mar no Estado de São Paulo
Foto Nelson Kon

 

Fosse sua topografia um pouco mais suave e suas encostas mais estáveis, por certo a Serra do Mar, com suas maravilhosas e generosas características naturais, teria já sido, a exemplo de outras regiões que lhe são limítrofes, totalmente desmatada e desfigurada. É uma benção termos a apenas alguns quilômetros das maiores concentrações urbanas do Sul-Sudeste brasileiro uma floresta natural, o pouco que nos resta da Mata Atlântica, que nada fica a dever à própria Floresta Amazônica em beleza natural e biodiversidade vegetal e animal, capaz ainda de cumprir importantíssimo papel de regulação climática e ambiental. Paradoxalmente, essa benção, que tão poucos cidadãos do mundo detêm, não é suficientemente conhecida e reconhecida pela própria sociedade que direta ou indiretamente a desfruta. A Serra do Mar ainda continua a representar para a grande maioria dos cidadãos apenas um desnível a ser vencido em suas viagens de ida e volta ao litoral. Donde se compreender a desinibição e a freqüência das agressões e mutilações que esse imensurável patrimônio ambiental e cultural vem sofrendo ao longo do tempo à plena vista de toda sociedade que lhe é vizinha.

Utilizo-me nesse artigo de situações próprias do trecho paulista da Serra do Mar, porém as considerações tecnológicas, fisiográficas, ambientais e logísticas tratadas nas análises e proposições são válidas para toda a extensão territorial da Serra, o que envolve os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.

Do ponto de vista das transposições viárias da Serra, como das obras civis a elas similares, a segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, recém inaugurada, implantou um referencial de conceitos de projeto e planos de obra de excelência ímpar, totalmente adequado às sensíveis características naturais da Serra. Esse referencial hoje constitui uma garantia para que eventuais novas obras viárias, ou similares, de transposição da região não cometam os graves erros do passado e também se pautem por inspirar seus projetos no próprio comportamento geológico natural da Serra e suas encostas.

No entanto, como conseqüência do grande aumento populacional que vêm se verificando nas últimas décadas nos municípios litorâneos do Estado, especialmente em seu litoral centro-norte, notadamente nos municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião, Ilha Bela, Bertioga, Guarujá, Cubatão, Santos e São Vicente, tomam vulto crescente as expansões urbanas, regulares e irregulares, sobre as encostas da Serra. Ressalte-se que esse vetor de expansão urbana em direção aos domínios da Serra não se dá somente a partir dos núcleos urbanos principais desses municípios, mas também a partir de muitos de seus bairros-praia ao longo de todo o litoral. Essas expansões urbanas têm generalizadamente se pautado pela completa ausência de qualquer critério técnico mais adequado à região e pela total desconsideração do significado social, econômico e cultural da Serra do Mar para a sociedade paulista. Não por outro motivo, como verdadeiras e ostensivas agressões, têm composto o cenário de graves acidentes geológicos e ambientais que se multiplicam a cada ano.

Dadas as particularidades geológicas, ambientais e estratégicas da Serra do Mar, essas ocupações são extremamente preocupantes e exigem que as administrações públicas envolvidas, sejam federais, estaduais ou municipais, hajam firmemente e de imediato no sentido de discipliná-las técnica e espacialmente, única forma de se evitar preventivamente acontecimentos que poderão ser catastróficos, quer quanto a prejuízos patrimoniais, econômicos e ambientais, quer quanto a perda de vidas humanas.

Do ponto de vista geológico e geotécnico, e considerada a alta pluviosidade da região, a Serra do Mar constitui a região brasileira mais susceptível naturalmente a escorregamentos de solos e rochas. Registre-se que a floresta natural desempenha um papel físico decisivo na defesa das encostas contra os escorregamentos. Floresta e encostas compõem um mesmo organismo geológico, são inseparáveis. Se já naturalmente em um equilíbrio geotécnico instável, uma vez submetidas à ação humana, seja por desmatamentos, seja por cortes, seja por interferência em suas drenagens, seja por sobrecarga de aterros, as encostas da Serra têm sua suscetibilidade à instabilização potencializada e invariavelmente responde com uma diversificada tipologia de escorregamentos: escorregamentos planares, escorregamentos profundos, corridas de lama, movimentação de corpos de tálus, desprendimento de blocos de rocha... Os milhares de cidadãos brasileiros que em tempos passados e contemporâneos já morreram soterrados por essas avalanches de terra e rocha deveriam ao menos representar para todos o eloqüente aviso que a própria Natureza nos passa já há séculos: essa região não deve ser ocupada por instalações urbanas.

Do ponto de vista ambiental, a Serra do Mar, graças à sua acidentada topografia e à sua susceptibilidade a escorregamentos, conserva o pouco que resta da Mata Atlântica do Sul-Sudeste brasileiro, fato que não tem sido suficiente para que os poderes públicos e privados da região a adotem e a defendam como um “altar sagrado”, conceito e imagem que corretamente todos dela deveriam ter.

Em que pese esse descompasso, pela responsabilidade social e pelo descortino de várias pessoas no meio científico, cultural, político e administrativo, várias instrumentos de lei vêm sucessivamente sendo aprovados, compondo hoje um ferramental legal precioso para a implementação das medidas de proteção a essa singular porção do território paulista. Como é sabido, a legislação é necessária, mas não isoladamente suficiente, restando fundamental que, sob a ótica da preservação do patrimônio ambiental da Serra do Mar, o poder público sinalize de todas as formas que essa região não pode, não deve e não será submetida a obras desnecessárias ou tecnicamente inadequadas à região, como não se prestará a ser alternativa territorial para qualquer tipo de instalação urbana.

Do ponto de vista estratégico, há que se considerar que no Estado de São Paulo a escarpa da Serra do Mar separa o principal porto exportador e importador do país (Santos), assim como o Porto e o Terminal Petrolífero de São Sebastião, da região interior que desde há muito se caracterizou por seu destacado dinamismo social, econômico e produtivo, nos setores industrial, agrícola e comercial (os portos de Santos e São Sebastião são responsáveis pela movimentação de mais de 20% do total das toneladas de mercadorias embarcadas e desembarcadas nos portos brasileiros. Em termos de valor, essa proporção atinge cerca de 45%.

O Porto de Santos é, por seu turno, o maior responsável pelas exportações e importações de produtos industriais e movimenta nada menos de 54% dos contêineres do país). Considere-se ainda na região litorânea a expressão econômica e estratégica do Pólo Petroquímico e Industrial de Cubatão. Essa condição logística da região impõe que as ligações rodoviárias e ferroviárias, os oleodutos, os gasodutos, as linhas de transmissão de energia elétrica que transpõem a Serra do Mar e as instalações industriais que estão a seu sopé sejam entendidas e geridas também sob uma ótica de segurança nacional.

Essas ligações e instalações, tão vitais para a sociedade paulista e brasileira, não podem de forma alguma ter sua funcionalidade e operacionalidade ameaçadas por acidentes geológico-geotécnicos direta ou indiretamente provocados por formas indevidas de ocupação territorial da Serra, seja por desmatamentos, seja por algum tipo de atividade agrícola, seja por obras tecnicamente mal conduzidas, seja por ações de ocupação urbana.

Os aspectos geológicos, ambientais e estratégicos aqui considerados apontam inequivocamente para a necessidade urgente de uma ação de governo voltada a colocar sobre total controle as relações entre os vetores de expansão urbana e os domínios da Serra do Mar. Para tanto, é fundamental que se tenha em conta que o principal protagonista das ocupações urbanas que estão hoje a se estender pelas encostas da Serra do Mar é a população de baixa renda, e que esse movimento em direção à Serra explica-se por sua necessidade de buscar moradia própria em condições de custos que caibam em seu parco orçamento familiar. Ou seja, a solução dessa intrincada equação geológico-social exige também a adoção de programas habitacionais capazes de oferecer alternativas de moradia na mesma ordem orçamentária que essa população encontra nas perigosas encostas da Serra.

Ponderada essa variável social e consideradas as já referidas variáveis geológica, ambiental e estratégica, a ação de governo necessária à competente regulação da questão envolve as seguintes diretrizes:

  • proibição drástica de qualquer tipo de ocupação urbana acima da cota 100 (altitude em relação ao Nível do Mar), limite legal do Parque Estadual da Serra do Mar; somente será permitida a ocupação urbana de áreas da Serra do Mar que estejam abaixo da cota 100. Adicionalmente, estas ocupações deverão ainda responder a determinações de Cartas Geotécnicas e Códigos de Obras específicos que indiquem os setores que, mesmo dentro das áreas liberadas, de maneira alguma poderão ser ocupados e os setores que poderão ser ocupados mediante a adoção de cuidados técnicos rigidamente definidos;
  • as ocupações urbanas já instaladas acima da cota 100 que por suas dimensões não recomendem, em uma análise custo-benefício, a total remoção serão caracterizadas em seus riscos geológico-geotécnicos de forma a se definir uma área que será consolidada geotecnicamente e urbanisticamente, fora da qual todas as instalações já implantadas serão removidas. A área a ser consolidada será demarcada e “congelada”, ou seja, não poderá se expandir para fora dos limites demarcados;
  • as ocupações urbanas já instaladas acima da cota 100 que por suas dimensões recomendem, em uma análise de custo-benefício, a remoção total terão seus moradores preferencialmente realocados nos núcleos mais próximos que serão objeto de consolidação urbanística, e, em uma segunda opção, em empreendimentos habitacionais especialmente construídos para tanto em áreas seguras fora da Serra.
  • as ocupações já instaladas abaixo da cota 100 deverão ser objeto de programas de reurbanização em que serão definidos os setores não ocupáveis, os setores ocupáveis e os Códigos de Obras que deverão regular essa ocupação permitida.
  • com participação das Secretarias de Estado envolvidas na questão, será constituído um Comitê Estadual de Avaliação Tecnológica de Projetos, à análise do qual obrigatoriamente terão que ser submetidos e obter aprovação os projetos de todo e qualquer tipo de empreendimento que de alguma forma possa vir a interferir nas condições naturais das encostas da Serra do Mar.
  • aproveitando-se as instalações da Usina Henry Borden, inaugurada em 1926 no sopé da Serra, Cubatão, será constituído o Centro de Estudos Universidade da Serra do Mar, o qual se dedicará a pesquisas e treinamentos relacionados a todos os aspectos relativos à Serra do Mar, considerado seu contexto natural e as ações humanas que de alguma forma com ela interagem.

sobre o autor

Álvaro Rodrigues dos Santo é geólogo, autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar" e "Cubatão"; consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

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