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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Uma defesa à preservação das Oficinas da Lapa em São Paulo, conjunto de construções e equipamentos ferroviários que foram instalados pela São Paulo Railway. A autora ressalta a importância histórica, cultural e arquitetônica do conjunto para a cidade

english
Read a defense to the preservation workshops da Lapa in São Paulo, group of buildings and railway equipment that were installed by the Sao Paulo Railway. The author emphasizes the historical, cultural and architectural of all the city

español
Una defensa a la preservación de Oficinas da Lapa en San Pablo, conjunto de construcciones y equipamientos ferroviarios que fueron instalados por la San Pablo Railway. La importancia histórica, cultural y arquitectónica del conjunto para la ciudad

how to quote

SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Em defesa do patrimônio industrial ferroviário de São Paulo: as oficinas da São Paulo Railway na Lapa. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 112.03, Vitruvius, nov. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.112/1826>.


Pátio das oficinas da Lapa, São Paulo; ao fundo, Pico do Jaraguá, 1936


Planta do Pátio da Lapa, São Paulo, s.d.

Interior da oficina de locomotivas, Lapa, São Paulo

Oficinas de rodeiros, Lapa, São Paulo

Detalhe do projeto da nova casa de bomba d´água, Lapa, São Paulo

Oficina de Locomotivas, Lapa, São Paulo, 1922

 

No mês de maio de 2007, elaborei um documento – composto, conforme orientação, por breve texto justificativo (este que se segue) e uma série de dados e fotografias – com o objetivo de solicitar ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo – Conpresp, a proteção de um monumento de fundamental importância para história de São Paulo, da cidade e do Estado, e mesmo para a história do Brasil. Trata-se das Oficinas da Lapa, localizadas à Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, n. 1000 (entrada pela empresa Alston e pátio ferroviário da CPTM e MRS- Logística), bairro da Lapa, São Paulo, conjunto de construções e equipamentos ferroviários que começaram a ser instalados no ano de 1895, neste mesmo local, pela São Paulo Railway – SPR, sendo inaugurado já em plena produção no ano de 1906, constituindo a primeira indústria ferroviária do Brasil.

As oficinas da Lapa são parte integrante do projeto de expansão da primeira companhia de estradas de ferro de São Paulo, a São Paulo Railway, inaugurada no ano de 1867 para levar a produção de café do Oeste paulista para o porto de Santos. Todos os estudos e pesquisas que se debruçaram sobre a história da SPR (inclusive aqueles aos quais venho me dedicando desde o ano de 1981) reconhecem a importância especial dessa ferrovia não só para o desenvolvimento e riqueza do Estado, como para o crescimento da sua capital.

Ao atravessar a cidade de São Paulo de leste a oeste, os trilhos da SPR ajudaram a definir a malha viária, determinando a implantação das indústrias que começavam a se desenvolver na cidade, de bairros residenciais e de áreas de serviços correlatos. Ainda está para ser aprofundado o importante papel desempenhado pela SPR e seus funcionários, não só no desenvolvimento do conhecimento e tecnologia ferroviários, como também nas importantes mudanças sócio-culturais operadas em São Paulo, principalmente a partir do final do século 19, com reflexos claros nos esportes, nos sistemas de ensino e saúde, e na urbanização. O próprio  leito dessa ferrovia e seu entorno imediato, em toda sua extensão de Santos a Jundiaí, assim como o patrimônio material de ordem arquitetônica e tecnológica a ele vinculado, é conjunto de valor cultural inestimável – histórico, artístico, paisagístico e  ambiental – carecendo de reconhecimento e proteção nacionais, de preferência através de  ações de superação da  visão  pontual predominante nos processos de tombamento direcionados ao patrimônio ferroviário  cuja tendência tem sido  concentrar a  proteção em edifícios e estações, isolando-os do contexto que lhes dá sentido, ou mesmo  isolando documentação e tecnologia dos seus suportes.

O objetivo primeiro da criação da SPR – colocar em conexão o centro produtor de café do Estado com seu porto exportador – definiu para São Paulo uma posição sempre intermediária entre as duas estações finais localizadas uma em Santos e outra em Jundiaí. Inaugurada em 1901, a nova “estação de passagem” que a SPR construiu na capital – a Estação da Luz – marcou com sua arquitetura monumental a importância da próspera capital industrial. Mas as operações subsidiárias ao transporte ferroviário, cada vez mais complexas e importantes, não encontravam mais na mesma região da Luz, relativamente próxima do centro da cidade que crescia e se desenvolvia, as condições necessárias à sua expansão.

Em 1895, cedendo à pressão para que ampliasse a capacidade de carga, a SPR iniciou a duplicação do sistema funicular de transporte na Serra do Mar e investiu em uma série de melhoramentos ao longo da linha. Na cidade de São Paulo, além da nova estação, foi projetado e construído no Pari, o Almoxarifado Geral da Companhia, com um pátio que permitia o pernoite e manobras de trens de carga, incluindo a conclusão de 12.392 metros quadrados de armazéns para mercadorias. As oficinas destinadas à montagem e reparação de locomotivas, carros e vagões – incluindo fundição, ferraria, calderaria de loco-breques e serra-breques (utilizados no sistema funicular), usinagem, tornearia, solda, caldeiraria, serraria e carpintaria, reparação de veículos e pintura, além de depósitos e escritórios – foram construídas na Vila Anastácio, bairro da Lapa. Localizadas estrategicamente para que pudessem captar do rio Tietê a água necessária às operações, as Oficinas foram servidas por um importante desvio e significativo pátio de manobras com até três bitolas de linha diferentes. A área escolhida para implantação do conjunto daquela que se tornaria uma grande indústria ferroviária de apoio à companhia, era de aproximadamente 100.000 m², em parte aterrada com os 160.000 m³ de terra retirados da região da Luz quando os engenheiros da companhia decidiram pelo rebaixamento das plataformas da estação e das linhas em até 6 metros em relação ao nível das ruas.

Com a indústria automobilística em plena expansão na década de 1960, a Revista Ferrovia n. 299 ainda noticiava a recente modernização das Oficinas da Lapa, fornecendo o perfil da produção no ano anterior: 600 vagões abertos e fechados confeccionados e montados; 2.380 reparações médias e pesadas em locomotivas, carros diversos e vagões, soldagem de 37.000 metros lineares de trilhos e fundição de 650 toneladas. E ainda, na tentativa de se adaptar às novas prioridades do transporte no Brasil, as Oficinas "prestavam auxilio à indústria automobilística nacional”.

Deve-se ressaltar que a inauguração das Oficinas na Vila Anastácio contribuiu para o desenvolvimento do bairro da Lapa, região ocupada por jesuítas desde 1581, caminho das tropas que transportavam o açúcar no início do século XIX quando se estabelecem várias olarias na região. Por ocasião da inauguração da primeira linha da SPR, em 1867, a estação mais próxima do local era a Água Branca, ponto em que se cruzavam os caminhos que ligavam a Freguesia do Ó ao centro da cidade. Pouco depois os trens passaram a fazer uma parada simples nas proximidades da ponte do sítio do Coronel Anastácio, que veio a ser denominada Parada Anastácio, atendendo assim ao número cada vez mais significativo de trabalhadores e moradores da região. A Estação Lapa da SPR, estação “de terceira classe", que seguia a tipologia e os padrões construtivos estipulados pela Companhia, só foi inaugurada no ano de 1899 (incluindo a construção de armazém, abrigo de carros, tanque d’água, girador e balança de vagões), tendo sido demolida e substituída por outra estação de passageiros nos anos 1970.

A urbanização do bairro da Lapa, e mesmo da  zona oeste da cidade de São Paulo, tem início a partir do momento em que a região é cortada pelos trilhos da SPR. As pequenas propriedades rurais começam a ser loteadas, atraindo a crescente massa de trabalhadores emigrantes. Na década de 1880, teve início a abertura do loteamento da Vila Romana composto, no início, de chácaras. No mesmo período foi lançado o loteamento do Grão Burgo da Lapa, compreendendo o já existente núcleo da Lapa de Baixo e toda a atual região central do bairro. Data dessa época também o loteamento de Vila Sofia, hoje confundida com a Vila Romana, composto por 808 lotes de características urbanas.

A própria SPR – seja a empresa ou seus funcionários britânicos – participou do desenvolvimento do bairro da Lapa e dos arredores das oficinas. Faz parte da história da constituição do bairro de Pirituba, a compra de parte da fazenda do Brigadeiro Tobias pelo Frigorífico Armour do Brasil e de outra parte pela SPR que, em 1935, loteou um trecho de sua propriedade – a Vila Comercial – sendo o restante loteado já na década de 1950, recebendo a denominação de Chácara Inglesa. Está ainda para ser aprofundada a relação entre os ingleses da SPR e a Companhia City, que lançou o empreendimento bairro Alto da Lapa em 1921, com desenho do urbanista inglês Barry Parker, local escolhido para construir suas moradias por inúmeros funcionários da empresa ferroviária. As vantagens da proximidade da ferrovia e do rio Tietê levou ainda várias indústrias para a região, como a Vidraria Santa Marina e o Frigorífico Armour; a partir da década de 1930 as indústrias começaram a se expandir na direção da Vila Leopoldina, Vila Hamburguesa e Anastácio.

Pode-se dizer também que as oficinas da Lapa da São Paulo Railway desempenharam importante papel na organização e implementação do ensino profissionalizante no Brasil, oficializado em 1942 com a criação do Serviço Nacional de Aprendizado Industrial – Senai. No ano de 1924 o engenheiro Roberto Mange, professor de desenho de máquinas na Escola Politécnica de São Paulo (um dos fundadores do Instituto de Organização Racional do Trabalho – Idort e do Senai) transformou o Curso de Mecânica Prática do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo em Escola Profissional de Mecânica. Trata-se da primeira tentativa de unificação dos métodos do ensino para ferroviários no Brasil, berço dos Centros Ferroviários de Ensino e Seleção Profissional. A nova escola passou a receber os melhores alunos das quatro grandes ferrovias paulistas de então (São Paulo Railway, Sorocabana, Paulista e Mogiana) para um curso de quatro anos com estágio paralelo obrigatório nas Oficinas da SPR na Lapa. Assim, mesmo que não tenha havido um envolvimento direto da SPR na organização desses cursos de formação de mão de obra – a maior parte dos seus funcionários especializados, desde a fundação, vinham da Grã Bretanha – as Oficinas da Lapa, com suas modernas instalações e atividade intensa e diversificada, tornaram possível a implementação de um curso que tinha como um dos seus pressupostos nunca perder de vista a relação entre as aulas teóricas e a prática nas oficinas.

E ainda é preciso lembrar de que Charles Miller – esse filho de ingleses nascido no bairro do Brás e considerado o “pai do futebol” no Brasil – ao voltar de seus estudos na Inglaterra em 1894, começou a trabalhar na SPR, nas Oficinas da Lapa, onde permaneceu até 1898; os moradores do bairro indicam com precisão o local do antigo campo de futebol construído no terreno das Oficinas da Lapa, onde se organizava jogos e treinos, talvez o primeiro campo desse esporte do país. É sabido que o primeiro jogo de futebol do Brasil ocorreu no mês de abril de 1895 na Várzea do Carmo em São Paulo, entre dois times que reuniam britânicos residindo e trabalhando em São Paulo: Funcionários da Companhia de Gás X Companhia Ferroviária São Paulo Railway, este último contando com Charles Miller entre seus atletas. Três anos mais tarde, Miller iria reunir seus companheiros de trabalho e de críquete – altos funcionários da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway – para fundar o primeiro clube de futebol do Brasil, o São Paulo Athletic.

Esse esforço para elencar alguns dados, referências e bibliografia que pudessem ser aprofundados e complementados para comprovar a importância das Oficinas da Lapa para a história do conhecimento tecnológico brasileiro – bem como para a cultura, para a formação e para o desenvolvimento de São Paulo, de sua capital, e do Brasil – tem como objetivo enfatizar a importância do conjunto e chamar a atenção para a urgência de sua proteção. Lembrando que a já não mais tão recente extinção da Rede Ferroviária S.A., antiga proprietária do imóvel, não foi precedida de estudos e nem acompanhada de medidas legais que garantissem a efetiva proteção do precioso e considerável patrimônio de interesse histórico dessa empresa estatal, em risco desde a sua liquidação. Infelizmente, as Oficinas da Lapa bem como praticamente todo patrimônio histórico ferroviário da RFFSA de São Paulo, e do Brasil, continuam expostos à impiedade das intempéries, à incúria dos homens e ao descaso oficial, não tendo merecido tratamento à altura de sua importância cultural.

notas

1
Este texto, bem como a iniciativa que o gerou (que deu origem ao processo de tombamento CONPRESP/2007 – Tombamento do Conjunto das Oficinas da Lapa da São Paulo Railway, em fase de instrução no Departamento de Patrimônio Histórico) deve ser considerado no âmbito da pesquisa em curso "A preservação do patrimônio da arquitetura industrial ferroviária", hoje também vinculada ao grupo de pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde sou professora e pesquisadora, "A construção da cidade: arquitetura, documentação e crítica". Conta também com o resultado da orientação de trabalhos de Iniciação Cientifica que se propõe a somar subsídios e fundamentos à preservação do patrimônio industrial ferroviário, conduzidos pelos alunos: Gustavo Rodrigues Secco (PIBIC 2008/2009, Mack-pesquisa, "São Paulo Railway – Estações de Segunda e Terceira Classe"; PIVIC 2009/2010, Mack-pesquisa "Instalações Operacionais da São Paulo Railway: o Pátio do Pari"); Ana Lucia Arantes da Silva (PIVIC 2009, Mack-pesquisa, "Patrimônio ferroviário das cidades do Oeste paulista: arquitetura e urbanização"). Os dados gerais sobre a história da São Paulo Railway – sua implantação, seu desenvolvimento e seu legado – fazem parte da pesquisa elaborada para o texto: "De Santos a Jundiaí: nos trilhos do café com a São Paulo Railway", constante do livro: SANTOS, Cecilia Rodrigues dos; MAZZOCO, Maria Inês Dias. De Santos a Jundiaí: nos trilhos do café com a São Paulo Railway. São Paulo, Magma editora, 2005, p. 26-109.

referências bibliográficas

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SANTOS, Cecília Rodrigues, MAZZOCO, Maria Inês D. De Santos a Jundiaí: nos trilhos do café com a São Paulo Railway. São Paulo, Magma, 2005.

Revista Ferrovia, n. 299.

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sobre o autor

Cecilia Rodrigues dos Santos é arquiteta, com mestrado pela Universidade de Paris X-Nanterre/França, e doutorado pela FAU-USP, professora adjunta e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem como principais temas de especialização e trabalho a arquitetura moderna e contemporânea e a preservação do patrimônio cultural

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