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my city ISSN 1982-9922

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Leia o artigo de Eliseu Brito sobre Palmas, Tocantins, cidade cujo projeto foi criado no auge da redemocratização do páis, amparado sobre os princípios de uma nova Constituição Federal. O autor analisa o desenvolvimento urbano da cidade desde então

how to quote

BRITO, Eliseu Pereira de. Palmas. As duas faces da cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 120.06, Vitruvius, jul. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.120/3496>.


Fases de ocupação do Plano Básico de Palmas


Mapa da ocupação do espaço urbano de Palmas em 2000

Venda de condominio na área sul do Plano Básico de Palmas

Lote a venda na 903 Sul

Lotes Baldios no Centro de Palmas

Loteamento Taquari aberto recentemente a 30 km do centro de Palmas para abrigar a população pobre da capital

Quadra aberta para ocupação no centro de Palmas

Transporte coletivo na periferia de Palmas

 

Neste ensaio sobre Palmas – Tocantins, temos que considerar, antes de qualquer coisa, as premissas histórico-estruturais que viabilizaram o processo de construção de uma cidade “faraônica”, nascida a partir dos interesses político e econômico na Amazônia. Os fundamentos ideológicos e o significado simbólico do projeto desta cidade, criado no auge da redemocratização do país, e amparado sobre os princípios de uma nova Constituição Federal, sugeria um projeto de tamanha envergadura social, essencialmente racional, neutro, sem conflitos sociais. Mas, pensando assim, todo o processo é contraditório, por primar pela implantação de uma cidade para o poder econômico e político.

Mas, assim como Goiânia, as forças políticas de Goiás, desejando fazer parte da política do novo Estado, estruturou uma forma de afastar as forças políticas regionais já existentes e, para isso, criou um novo centro de poder que pudesse afastar os antigos donos do poder e quebrar sua hegemonia. Palmas não é somente o centro geopolítico, é também o centro geoeconômico do processo de superação do atraso do antigo Norte de Goiás; Palmas é a expressão em concreto armado de uma ideologia de Estado.

O empenho sobre um projeto que consolidaria um mercado produtor e consumidor de bens anunciava uma projeção de uma cidade que, em cinco anos, contaria com 500 mil pessoas nela habitando. Vale ressaltar que a região em que Palmas foi criada tem uma baixa ocupação e, por este motivo, houve propaganda para estimular uma migração em massa para a cidade, projetando-a como um centro dinâmico economicamente.

O período compreendido entre a criação de Palmas, em 1989, ao ano 2000 foi marcado por um intenso marketing urbano, possibilitando, assim, um crescimento populacional de 28% ao ano. A população de Palmas, que em 1991, era de 17.499 habitantes (IBGE 1991) em 2000 chegou a ser de 130.528 habitantes (IBGE 2000) no espaço projetado da cidade, muito abaixo do esperado.

Com a baixa ocupação da cidade e as intensas propagandas do “paraíso urbano” os governantes da época chegaram até a vender ilusão, por apresentar Palmas como um novo Eldorado dos Carajás, com grandes oportunidades, atraindo, dessa forma, uma migração intensa, principalmente dos Estados do Maranhão, Piauí e Goiás e de cidades do interior do próprio Estado.

No que se refere ao processo de ocupação do espaço urbano de Palmas, este obedeceria a critérios de uma ocupação ordenada, onde ocuparia as áreas centrais, vindo posteriormente para as áreas periféricas. Esta ocupação geraria alguns problemas, como o alto valor dos lotes nestas áreas, mas evitaria o processo espoliativo da classe trabalhadora. Agora fica claro que a quantidade de lotes disponíveis na primeira fase de implantação/ocupação teria condições suficientes para abrigar toda a população de Palmas nos primeiros anos.

Rompida esta estratégia de implantação, surge a chamada ocupação controlada. Ocupação controlada e segregada, pois o espaço que seria para a moradia da população passou a ser espaços para a especulação imobiliária, tendo o governo como mentor da mesma. Neste caso, a ocupação controlada parte do pressuposto de que o governo rompeu as estratégias de implantação para manter o domínio da ocupação das áreas centrais, a fim de evitar que fosse construído qualquer tipo de construção característica de população de baixa renda. O baixo povoamento da área central é resultante de uma política do poder público/privado em supervalorizar a área central da cidade, não se preocupando com o processo contínuo de povoamento do Plano Diretor e permitindo o surgimento de ilhas de povoamento cercadas por imensas áreas sem ocupação por moradias ou comércio.

É bom lembrar que o processo de negociação dos lotes de Palmas foi uma tentativa de adquirir fundos para servir de suporte para a construção da cidade; sem este recurso seria impossível a construção da infraestrutura básica. Um projeto que poderia ter dado certo, porém, teve suas consequências e estas penduram até os dias de hoje.

Ao processo migratório acompanhou a diferença socioeconômica, desencadeada, principalmente, por dois fatores, quais sejam: um pelo estabelecimento de famílias que vieram aventurar a vida e, o outro, por cidadãos que investiram dinheiro na aquisição de terras, mas sem interesse em fixar residência no canteiro de obra.

O investimento privado realizado na cidade gerou uma aquisição desproporcional nas terras urbanas. A maioria das terras adquiridas sem fins de moradia foi na área da primeira e segunda fase de ocupação da cidade, o que elevou sobremaneira o preço dos imóveis e reservou extensas áreas vazias, provocando os vazios de ocupação nestas fases. Em contrapartida, os migrantes, trabalhadores braçais que não possuíam poder aquisitivo suficiente para adquirir um imóvel nesta área, provocaram as invasões tanto na área da terceira e quarta fase de ocupação, como na área de expansão sul; outros foram estimulado pelo estado para fixar suas residências fora da área planejada.

A conjuntura segregativa possibilitou emergir um diferencial social, fundado sobre o processo de espoliação que se deu pela distância que os moradores tinham que percorrer do centro administrativo da cidade até a região de Taquaralto e Aureny’s, que é de 16 quilômetros, a pé ou de bicicletas. Isso se deveu pelo não atendimento de linhas de transportes urbano nos primeiros anos de implantação e, logo em seguida, pela perca do poder aquisitivo, causado por uma baixa remuneração dos trabalhadores braçais que, como forma de sobrevivência, submetiam-se a uma jornada de trabalho de 8 horas e uma caminhada de 32 quilômetros diariamente, esta de ida e vinda ao/do canteiro de obras. O processo espoliativo ganhou magnitude e a qualidade de vida tornou-se desproporcional entre a área central e a periferia formada.

Já os que não conseguiam uma morada mesmo na Região de Taquaralto, de Aureny’s e das ARNO’s, ficavam abrigados em barracos feitos de madeiras ou de plásticos pretos, próximo ao Palácio Araguaia. Os barracos não ofereciam infraestrutura nenhuma, mas possibilitaram que moradores desta cidade sobrevivessem nos primeiros anos de implantação da cidade.

Além da discrepância entre a condição de moradia dos trabalhadores, observava-se uma produção estratificada na cidade. Para melhor ilustrar esta afirmativa, é bom relembrar que a cidade foi dividida em fases de implantação, um ordenamento territorial planejado, que não tinha intenção de produzir a segregação social, mas que direcionou a cidade para uma ocupação segregada. Isso se deveu aos redutos que foram criados, por intentos políticos, decorridos principalmente por se reservar quadras para a o alto escalão do governo, como a Vila dos Deputados ARSE 14, ARSE’s: 12 e 13 e ARNE’s: 12, 13 e 14, para médios e pequenos funcionários e empresários: ARSE’s 51, 61, 71, 72 e 81, ARSO 41 e redutos dos pobres ARNO’s e Vila Aureny’s. Vale ressaltar, que as ARNO’s viraram redutos de pobres não intencionalmente, mas por pressão social, que se manifestou em forma de invasões.

A vila Aureny’s com um processo diferente das ARNO’s, encabeçado pelo governo, refletiu uma intencionalidade ao disponibilizar terras para os construtores, pedreiros, carpinteiros e serventes de serviços gerais e outras classes de trabalhadores braçais nesta área, especialmente após a remoção dos barracos de madeiras até 1995. Posterior a esta data, o mercado imobiliário se encarregou de modelar o espaço urbano de Palmas, dando continuidade a segregação social. Desta forma, os preços dos imóveis têm tomado uma dimensão variada e oscilado de acordo com a quadra, não submetidos à lógica da valorização das áreas centrais, mais de forma dispersa sobre o espaço urbano da cidade.

No entanto, uma cidade planejada (tal como Palmas é tida) não deveria ter propiciado o surgimento de uma cidade com um processo de periferização alto, abrigando aproximadamente 50% de sua população, em 2009, em áreas periféricas. A realidade distancia-se do projeto, impulsionado primeiro por políticas de exclusão do “poder público”. Este era o dono das terras; por que, então, ao invés de disponibilizar lotes na área planejada para os pobres da cidade, criou os Jardins Aureny’s a 16 quilometro do centro da cidade? Este processo abriu caminho para o mercado imobiliário acentuar a especulação imobiliária na área planejada de Palmas e concretizar um processo de exclusão social na cidade. A cidade que deveria ser igualitária, segregou os destituídos; a cidade que nasceu nas pranchetas unitária e fechada, abriu-se em contínuos loteamentos irregulares, destituídos de qualquer infraestrutura, redutos de pobres.

Palmas simboliza para muitos a concretização de um sonho: morar em uma cidade com boa infraestrutura. Mas simboliza, igualmente, para muitos, desde os primeiros anos de sua construção, uma marginalização. O processo de periferização dos operários construtores de Palmas marcou de vez a exclusão e a segregação na última cidade planejada no Brasil do século XX.

nota

Todas as fotos e mapas que ilustram o artigo são de autoria de Eliseu Pereira de Brito.

sobre o autor

Eliseu Pereira de Brito é Mestre em Geografia e Professor do Curso de Geografia da Universidade Federal do Tocantins.

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