Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Neste artigo, Roberto Magalhães fala sobre projetos de recuperação de áreas portuárias nas cidades hoje em dia, chamando a atenção para o caso do Rio de Janeiro e suas incongruências

how to quote

MAGALHÃES, Roberto Anderson M.. Porto Maravilha. Novo nome para antigas idéias. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 126.04, Vitruvius, jan. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.126/3733>.



Recuperação de áreas portuárias

Por que tantas cidades têm investido recursos na requalificação de suas áreas portuárias? Barcelona, São Francisco, Buenos Aires, Belém, Hamburgo, entre outras, realizaram ou estão realizando este tipo de intervenção. A razão é que há alguns anos esta atividade passou a prescindir de grandes espaços de estocagem de mercadorias, os seus retroportos. As mercadorias, muitas vezes, são colocadas em contêineres na origem, viajando sobre diversos modais até chegarem aos navios, num cronograma apertado que dispensa a longa espera de antigamente. Assim, essas áreas, que geralmente têm boa localização e são servidas de infraestrutura urbana, passaram a ser reaproveitadas pelas cidades, transformando-se em locais de escritórios, moradia, cultura e lazer.

No Rio de Janeiro, já há várias décadas vem se falando sobre a necessidade de recuperação da sua Área Portuária. Este parece ser um consenso e nada justifica mesmo o fato dela encontrar-se por tanto tempo abandonada. Alguns armazéns e galpões antigos, aquelas edificações existentes entre a Perimetral e as encostas, vinham sendo ocupados como barracões de escolas de samba e, por falta de cuidados, estão se deteriorando. Na administração do Prefeito Cesar Maia, quando Alfredo Sirkis era o Secretário de Urbanismo, avançou-se bastante na formatação dos projetos para os espaços públicos da Portuária. Para cada recanto, fosse asfalto ou favela, foram contratados projetos de reurbanização que se encontram prontos para serem executados. Naquele momento o grande empecilho à sua requalificação era a baixa adesão do governo federal, proprietário da maioria dos terrenos, através da companhia Docas.

Atualmente este obstáculo encontra-se transposto, já que há uma maior sintonia política entre as três esferas de poder público. No entanto, é na forma como se dará esta recuperação que residem os problemas. Abandonou-se uma versão mais light do projeto em favor de uma outra baseada no uso intensivo do potencial construtivo, voltada para a atração de capitais especulativos. Se antes o governo federal almejava a edificação de um grande número de unidades habitacionais para média e baixa renda, agora parece contentar-se em ceder terrenos para alimentar um forte processo de elitização da área. A liderança do processo está com a Prefeitura e a atual orientação municipal é claramente privatista, encantada com torres, homens de negócios, museus e automóveis.

Incongruências do projeto

Há um descompasso entre a imagem da recuperação da Área Portuária assimilada pelos cariocas e aquilo que realmente poderá vir a ser executado. É muito possível que a população tenha a esperança de um dia voltar a usufruir da orla da Baía de Guanabara, passeando pelo atual cais do Porto. Mas isto não está garantido. Dependerá de como a companhia Docas venha a tratar a área dos primeiros armazéns do Porto: liberá-los para uso cultural ou alfandegá-los, ou seja, transformá-los em espaços de trânsito restrito a cargas, passageiros ou pessoal que lida com estas atividades. Esta última opção poderá prevalecer caso a companhia venha a construir os novos píeres (fingers) para navios de passageiros entre os armazéns 2 e 3 do cais do Porto e não na altura do Armazém 5 como havia sido anteriormente planejado.

A população pode estar pensando que os demais armazéns e galpões serão recuperados e utilizados para atividades culturais, residências, escritórios, etc. Mas isto é pouco provável, uma vez que a maioria não é protegida. Eles são passíveis de serem demolidos para dar lugar a edificações de 30, 40 e 50 andares. A legislação urbanística para a Área Portuária foi recentemente votada, de forma apressada e com pouca participação popular nas discussões. Há armazéns com belas fachadas e sistemas construtivos interessantes, mas tudo pode ir ao chão. É parte da memória da cidade que se irá se perder. Além disso, a aprovação desses gabaritos altíssimos irá esconder as encostas que sempre marcaram o perfil da Área Portuária. Atualmente moram ali aproximadamente 22 mil pessoas. Eles resistiram a diversos processos de esvaziamento da região e agora correm o risco de serem emparedados por uma massa de edifícios altos destinados a um público de maior poder aquisitivo. Mas não precisaria ser assim. Em Nova Iorque, por exemplo, os armazéns do Meat Market District passaram a abrigar galerias, boates, ateliês e residências, e são eles que marcam o diferencial daquele lugar.

A Prefeitura parece tratar a área dos galpões e armazéns como um grande vazio populacional. Porém isto não corresponde à verdade. Há armazéns utilizados por escolas de samba do segundo grupo que não conseguiram se inserir na Cidade do Samba, por cooperativas de cenógrafos e por grupos de teatro e dança. Estas pessoas, que poderiam ser responsáveis por boa parte da vida cultural da Área Portuária recuperada, estão prestes a perder seus locais de trabalho sem nunca terem sido consultadas. É preciso lembrar que as atividades que elas hoje exercem nos armazéns não encontrarão abrigo em futuras construções genéricas, pensadas para receber lojas e escritórios.

É bem verdade que a Prefeitura também deseja reservar espaços para a cultura na Área Portuária. Ela o fará através da construção do Museu do Amanhã, com projeto de Santiago Calatrava, no Píer Mauá e com a instalação do Museu de Arte do Rio no Palacete D. João VI, na Praça Mauá, projeto de Paulo Jacobsen e Thiago Bernardes. Mas eles estão restritos à Praça Mauá. A função exercida por estes caríssimos equipamentos será a de sinalizar para a iniciativa privada que aquela área por tanto tempo abandonada agora está mudando. Mas esta que seria uma boa proposição passa a ser deturpada quando o seu corolário é a entrega dos amplos espaços restantes para a especulação imobiliária e para a verticalização.

Quanto ao transporte público, o planejamento da Área Portuária segue a péssima tradição de não considerar esta questão. Foi abandonado o antigo projeto de VLT para a área central, que iria ligar a Área Portuária ao centro de negócios, à Lapa e a São Cristóvão. Agora, no máximo fala-se em um VLT com circulação restrita ao bairro e uma pequena ciclovia. Isto é muito pouco em comparação com as novas vias para automóveis previstas, as áreas de estacionamento subterrâneo planejadas, a projetada demolição de um trecho da Perimetral, a custos presumidos de R$ 1,2 bilhão, e a construção de um mergulhão igualmente caro. Serão obras rodoviaristas que utilizarão os recursos públicos apenas para trocar de lugar o trânsito de veículos motorizados. No futuro, planeja-se a derrubada total da via elevada para transformar a parte da Avenida Rodrigues Alves não servida pelo mergulhão em uma via expressa, ou seja, secionando a cidade de sua orla marítima numa considerável extensão.

Recursos públicos, resultados duvidosos

A execução do projeto está a cargo de uma Parceria Público Privada (PPP), cuja licitação com valor fixado em R$ 7,6 bilhões por 15 anos de concessão, a maior do gênero no Brasil, foi vencida por um consórcio de grandes construtoras (Norberto Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia). Direitos de construção nos terrenos, acima do coeficiente 1 de uso da sua metragem, serão negociados em bolsa, transformando-se em Certificados de Potencial Adicional de Construção – Cepacs, que deverão servir para remunerar a empresa e custear os serviços. São esses mesmos direitos de construção excessivos que irão modificar radicalmente a fisionomia do lugar. O consórcio, além de executar as obras, será responsável pelos serviços, como limpeza e iluminação. Ora, as Cepacs serão advindas da concessão de um bem público: o direito de construir. Portanto, ao contrário do que afirmam as autoridades municipais envolvidas, representam sim recursos públicos e como tal devem ser aplicados com todo o rigor, evitando-se o desperdício e buscando atender o interesse público.

As experiências de recuperação de áreas portuárias em diversas cidades do mundo já permitem perceber que em certos casos tais projetos são voltados para a reutilização de boa parte dos equipamentos instalados e para a inserção criteriosa de novos elementos. O projeto para a área portuária de Hamburgo, por exemplo, conta com diversos prédios residenciais de baixa altura recentemente construídos, mas mantém muitas das construções antigas que caracterizam o local. De forma cuidadosa, apenas alguns prédios um pouco mais altos foram construídos em pontos de maior visibilidade. Já a área de Docklands em Londres, executada pela iniciativa privada sob inspiração das idéias neoliberais do período Tatcher, é coalhada de prédios altos ocupados por novos ricos da ciranda financeira. Além disso, sofreu com a falência da empresa responsável pelo empreendimento, em função de equívocos, como a superestimação do mercado.

Uma outra questão que deve ser discutida são os riscos da dinâmica adotada no processo em curso na área do Porto do Rio. Ela difere radicalmente daquela que caracterizou a recuperação do Centro do Rio. Ali, com o Corredor Cultural nos anos 1980 e a requalificação urbana dos anos 1990 (1), adotou-se um processo gradual, negociado, em que se buscou realizar aquilo que havia se tornado consensual. As transformações foram lentas e contínuas, sem saltos que criassem estranhamentos da população com relação a uma área tão importante para a vida da cidade. Foi um processo considerado vitorioso e exemplar. Infelizmente, o projeto Porto Maravilha parece se assemelhar ao que ocorreu no Pelourinho, em Salvador, no governo Antônio Carlos Magalhães. Tudo ali foi feito muito rapidamente, sem participação da população, com remoções de antigos moradores, visando elitizar o local. Criou-se uma série de artificialidades que não se sustentaram ao longo do tempo e até hoje o Pelourinho permanece sendo um desafio para os urbanistas locais.

É isto que precisamos evitar. É urgente que se reabra a discussão sobre o projeto já em curso. É urgente que se repense o projeto como um todo, adequando-o aos interesses da população e não aos do mercado imobiliário, como parece ser o caso atualmente. Sem dúvida, há espaço para novas construções, que eventualmente até podem ser verticalizadas. Mas não se deve perder aquilo que apresenta qualidade construtiva e que abriga atividades ligadas à vida cultural da cidade. Durante muito tempo se construiu a convicção de que a Área Portuária deveria ser olhada com mais cuidado pelo poder público. Esta convicção, e as expectativas que suscitou, não devem agora ser frustradas pela dominação desse projeto por interesses ligados unicamente ao alto retorno dos investimentos privados. É a qualidade de vida dos cariocas e a beleza de nossa cidade que está em jogo!

notas

NE
Publicação original do artigo: MAGALHÃES, Roberto Anderson. Porto Maravilha: novo nome para antigas ideias. SouRio, 10 dez. 2010. <http://redepv.org.br/voluntariosrio/2010/12/espaco-materia-r/>.
1
MAGALHÃES, Roberto Anderson. A requalificação do centro do Rio de Janeiro na década de 1990: a construção de um objetivo difuso. Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal das Culturas, 2008.

sobre o autor

Roberto Anderson Magalhães é arquiteto e urbanista.

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided