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my city ISSN 1982-9922

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Segundo Fernando Janot é ingênuo acreditar que o Plano Diretor possa assegurar um desenvolvimento sustentável a longo prazo em uma metrópole complexa como o Rio de Janeiro

how to quote

JANOT, Luiz Fernando. “Um Processo Kafkiano no Rio”. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 127.01, Vitruvius, fev. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.127/3707>.


Foto aérea da baixada fluminense
Foto Nelson Kon


 

Há um pensamento dominante que atribui ao Plano Diretor a responsabilidade de diagnosticar e solucionar os grandes problemas das cidades brasileiras. Diante da complexidade de uma metrópole como o Rio de Janeiro, seria ingenuidade achar que esse instrumento, por si só, possa assegurar a longo prazo um desenvolvimento urbano sustentável. A incapacidade de equalizar na prática os interesses dos diversos segmentos da sociedade faz com que o Plano Diretor se torne, muitas vezes, um repertório de propostas elaboradas unicamente por um viés ideológico nem sempre coerente com a complexa realidade que a envolve. Não podemos esquecer que a cidade é, sobretudo, uma espacialidade resultante dos conflitos e contradições que a modificam permanentemente por razões de diversas naturezas.

Num país onde prevalece a tradição cartorial, era de se esperar que o Plano Diretor fosse incorporado à Constituição Federal de 1988 e, anos depois, ao Estatuto da Cidade, tornando-se peça obrigatória no planejamento de cidades com mais de vinte mil habitantes. Em síntese, o Plano Diretor é um relatório abrangente de políticas urbanas transformado em lei municipal, com a função de diagnosticar problemas inerentes à expansão urbana das cidades e, subseqüentemente, estabelecer metas para compatibilizar esse crescimento com os aspectos físico-territoriais, sociais, econômicos, culturais, ambientais e políticos envolvidos nesse processo. Pela abrangência do seu conteúdo, o Plano Diretor deverá apresentar projeções futuras que incorporem os diversos condicionantes que atuam na construção de uma cidade plural, democrática e coerente com as suas vocações e potencialidades. Nesse sentido, torna-se indispensável a realização de debates com os diversos representantes da sociedade organizada com o objetivo de melhor conhecer e avaliar as demandas da população.

Vigorando por quase duas décadas, o atual Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro foi sancionado em junho de 1992, estabelecendo diretrizes de planejamento fundamentadas em diagnósticos representativos do contexto urbano daquela época. Com a promulgação do Estatuto da Cidade em 2001, tornou-se necessário promover a sua revisão para incorporar os aspectos legais e adequá-lo às novas contingências do contexto urbano. Mas, por incrível que pareça, o processo de revisão só foi retomado a partir de 2006 e até hoje tramita na Câmara dos Vereadores sem alcançar um resultado desejado e confiável. Além dos diversos substitutivos e das mil e tantas emendas apresentadas, eis que no apagar das luzes, isto é, poucos dias antes do encerramento do prazo estabelecido, foi incluída mais de uma centena de novas emendas, inclusive – pasmem – uma grande parte delas anônimas. Não há como se manter indiferente diante desse despautério que reflete um profundo desrespeito com a sociedade.

Essas emendas, além de descaracterizar o conteúdo do Plano Diretor favorecem, escandalosamente, os interesses da especulação imobiliária. Dentre elas, destacamos a liberação especial para a construção de hotéis à revelia dos parâmetros urbanísticos existentes; a revisão de todas as Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) visando o adensamento urbano dos bairros atingidos; a possibilidade de intervenção urbanística – loteamentos - em áreas e encostas acima da cota 60; a autorização para construir prédios de até 25 pavimentos em favelas e comunidades localizadas na AP-3 entre o grande Méier e a Pavuna; o reconhecimento de novas Áreas de Especial Interesse Social sem refletir sobre as suas conseqüências no meio ambiente urbano e natural; a dispensa de estudos de impacto de vizinhança para a instalação de templos religiosos em áreas residenciais e, por fim, a suspeita modificação dos Índices de Aproveitamento do Terreno (IAT) que definem o potencial edificado nos diversos bairros da cidade.

Não há como aceitar essa lógica perversa que tenta incorporar ao Plano Diretor aspectos que, por sua natureza específica, devem ser tratadas na “Legislação de Uso e Ocupação do Solo Urbano”, nos “Planos de Estruturação Urbana” (PEU) e em outros instrumentos normativos compatíveis. A explicação para esse expediente insidioso se deve, em parte, ao fato de que a história da expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro encontrou no mercado imobiliário o seu principal vetor de desenvolvimento. E, por seu intermédio, se instituiu inúmeras estratégias especulativas para valorizar as propriedades fundiárias dos grupos hegemônicos da sociedade, muitas vezes, se utilizando de expedientes promíscuos no relacionamento com o poder público. Há que se admitir, portanto, que uma cidade democrática, como o Rio que desejamos, não pode ficar ao capricho de comportamentos acintosos que desprezam os princípios éticos inerentes do lidar com a coisa pública.

nota1
Artigo originalmente publicado no jornal O Globo edição de 09 de julho de 2010.

sobre o autor

Luiz Fernando Janot é Arquiteto e Urbanista, Professor da FAU-UFRJ.

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