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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Este texto debate aspectos controversos do caos na cidade, observando a sua dinâmica interna, a sua lógica, propriedades socioespaciais e padrões urbanos, apresentando cenários de planejamento possíveis, aceitos pelo discurso e negados pela prática

english
This text debate controversial aspects of chaos in the city, observing its inner dynamics, its logic, patterns and urban socio-spatial properties, with possible planning scenarios, supported by speech and denied the practice

español
Este debate el texto los aspectos más controvertidos de caos en la ciudad, observando su dinámica interna, su lógica, los patrones y las propiedades urbanas socio-espacial, con escenarios de planificación que sea posible, con el apoyo de expresión y negó

how to quote

SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Desordem na cidade? Controvérsias sobre o “caos urbano” e das possibilidades de administrá-lo. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 134.06, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.134/4050>.


Interação entre a forma urbana e os processos sociais, no chamado “caos” da cidade [LAURBE/CT/UFPB, 2007]


Cidade e “caos urbano”

No debate sobre a cidade atual emergem persistentemente fatos tais que: a violência, a favelização, a expansão descontrolada e a fragmentação, a segregação socioespacial, as deficiências de transporte, os impactos negativos ao meio ambiente, etc. Esses aspectos são comumente observados como elementos do “caos urbano”, que têm conduzido a um ambiente visto como ineficiente e nocivo aos seres humanos.

De acordo com Briggs e Peat, a princípio os sistemas caóticos e não-lineares, como a natureza, a sociedade e a vida de cada indivíduo, transcendem qualquer tentativa de previsão, manipulação e controle. Originalmente, ainda segundo os mesmos autores, “é uma tentativa de compreender os movimentos que criam as tempestades, rios turbulentos, furacões, picos pontiagudos, litorais nodosos e todos os tipos de padrões complexos, desde deltas de rios até os nervos e vasos sangüíneos do nosso corpo”. Os fenômenos que abrangem variados elementos podem ser observados sob diferentes aspectos e conotações, numa teia intricada de interfaces. Assim, o termo caos também pode referir-se “a uma interconectividade subjacente que existe em fatos aparentemente aleatórios (...). A ciência do caos enfoca matizes, padrões ocultos, a ‘sensibilidade’ das coisas e as ‘regras’ que regem os meios pelos quais o imprevisível causa o novo (...). Nesse campo, há três temas subjacentes que permeiam essas lições do caos: controle, criatividade e sutileza” (1).

Cidade, percursos e evolução urbana: em direção ao “caos” [LAURBE/CT/UFPB, 2007]

Na observação de um tecido intraurbano, a primeira impressão é pura desordem; um cenário que pode ser visto como “caótico”. Mas quando observamos outros assentamentos urbanos, percebemos uma espécie de reincidência, como uma desordem que se repete. Mas, por outro lado, supostas desordens que se repetem podem não ser desordens, ou conjunto de fatos aleatórios; apresentam, na verdade, ordens implícitas, ou disfarçadas, ocultas, à espera de que sejam desvendadas (Sobreira, 2003) (2). No caso do chamado “caos urbano”, este pode ser visto como um efeito da lógica complexa de correlação de forças dos agentes que produzem e reproduzem a cidade, onde se podem identificar leis socioespaciais, de localização e de segregação, relacionadas às propriedades físicas intraurbanas, estas ligadas à morfologia da cidade. Os fenômenos são resultantes da interação de ações e projetos e do jogo de interesses e necessidades dos atores que interagem na cidade. Ou seja, o chamado “caos urbano” não seria algo imprevisível, sem possíveis controles e domínios ou explicação, mas se aproximaria de certas necessidades humanas e lógicas dinâmicas das diferentes classes sociais no espaço, dadas as localizações urbanas e as desigualdades socioespaciais existentes na cidade. Nessa direção, existem ordens implícitas ou padrões menos visíveis no chamado “caos urbano” (3).

Dinâmica espacial intraurbana global: desenho do “caos” [LAURBE/CT/UFPB, 2007]

De acordo com Stacey (1991 apud Paiva, 2001), “(...) em sua definição científica, o caos não significa desordem absoluta ou perda completa da forma. Ele significa que sistemas guiados por certos tipos de leis perfeitamente ordenadas são capazes de se comportar de uma maneira ‘aleatória’ e, desta forma, completamente imprevisível, no longo prazo, em nível específico. Por outro lado, este comportamento aleatório também apresenta um padrão ou ordem ‘escondida’ em um nível mais geral (...). O caos é a variedade individual criativa dentro de padrão geral de similaridade” (4). Para Briggs e Peat, o caos nos leva a crer que possivelmente o adequado não é resistir às incertezas da vida, mas antes aproveitar as possibilidades que elas nos propiciam. Nesse sentido, este texto procura colocar que é necessário visualizar e lançar mão das oportunidades virtuosas que o “caos urbano” pode nos oferecer (5).

No Brasil, como é conhecido, o ano 1930 indica baliza importante no que se refere a transformações e a modernização da sociedade, em direção ao conjunto de fatos visto atualmente como “caos urbano”. A partir dos anos 1940, iniciou-se no país um processo de urbanização veloz e avantajado, provavelmente sem paralelo na história da humanidade, quer pela aceleração do processo, quer por suas dimensões, sob a lógica econômica e territorial da industrialização. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o crescimento numérico da população urbana já era maior que o da população total do país. Uma abordagem do geógrafo Milton Santos sobre o assunto coloca que as categorias espaciais contemporâneas mais representativas são o tamanho urbano, o modelo automobilístico-rodoviário e a carência de infraestrutura, a extroversão e a periferização da população, associando-se a especulação fundiária e imobiliária e os problemas de transporte. Cada um desses fatos, relacionados, mantêm e realimentam os demais e a expansão das cidades é igualmente o crescimento desorganizado dessas características, num círculo vicioso, conformando deseconomias urbanas (6). O quadro foi agravado no contexto da superacumulação capitalista, que ampliou as desigualdades e onde modelos estruturais urbanos “globalizados” contribuíram para uma estrutura urbana pouco sistêmica, fragmentada e espraiada, gerando em seu conjunto dificuldades à inclusão social. A fragmentação apresenta tensão entre forças de expansão e aproximação, resultando em células urbanas agrupadas em “ilhas”, com tamanhos e localizações variadas, definindo cheios e vazios, que dilaceram a cidade e produzem excrescências em seu tecido, identificando-se, segundo Regina Meyer, as “peças urbanas” da cidade difusa, em contraposição à “visão de totalidade” das cidades compactas e convergentes (7).

Dinâmicas de dispersão, fragmentação e compactação intraurbana [Sobreira, 2003 (adaptado pelo autor, 2009)]

A dispersão da cidade parece não ter barreiras, onde as forças são predominantemente de distensão, pontuando conflitos entre as condições de acesso e a ocupação e o uso da terra urbana, onde as exigências crescentes de mobilidade e a utilização exagerada do automóvel agravam o processo. A mancha urbana parece movimentar-se “para fora”, num deslocamento centrífugo, produzindo excentricidades que expulsam as pessoas do tecido consolidado e referencial da urbe. Para além do padrão de crescimento periférico de outros tempos, ligado às classes sociais menos abastadas e marcado pela irregularidade da apropriação dos espaços, os traços do novo desenho urbano apontam simultaneamente a expansão dos loteamentos populares ditos “formais” e a expansão dos condomínios fechados de luxo, acentuando e alargando a segregação tanto dos mais abastados quanto dos menos abastados, fenômenos que vêm tomando proporções importantes especialmente nas cidades de porte médio brasileiras.

Conflitos e contradições das lógicas de produção e apropriação do espaço intraurbano [LAURBE/CT/UFPB, 2008]

Urban sprawl x compact cities: debate crítico

Com essas realidades recentes, englobando a disposição fragmentada e perímetros urbanos inadequados, as cidades se expandem de forma anômala, em um processo criticado por alguns e até bem aceito por outros. Os críticos do crescimento avantajado e espraiado da cidade (urban sprawl) consideram-no uma situação indesejável que, independente de sua lógica sistêmica, será sempre nociva à qualidade de vida na cidade, onde tal expansão ocorre dentro de um princípio de “organização desequilibrado”, com o predomínio do interesse do capital sobre os demais. A crítica mais contundente e uníssona vem dos defensores da “sustentabilidade e da compacidade urbana” (compact-cities), princípio dominante entre os atuais urbanistas europeus e que se trata de uma antítese do sprawl.

“Caos intraurbano” e dinâmicas de segregação na cidade [Corrêa,1989 (adaptado por Fragoso e Silveira, 2011)]

Entre os autores americanos, alguns buscam defender práticas expansionistas, voltadas ao uso do automóvel, no entanto, com maior grau de controle, o que seriam os defensores do managed growth ou smart growth que, em princípio, seria a expansão com um “controle qualitativo”, de forma a manter a previsibilidade almejada pelos planejadores. Ou seja, seria uma situação intermediária entre os defensores do urban sprawl e os defensores das cidades compactas. Muitas alegações contrárias à compacidade urbana discursam que esse modelo pode ser também antiecológico ou que conduziria a um adensamento exagerado, ao congestionamento, à concentração de poluentes e à má qualidade de vida, situações próximas às encontradas no urban sprawl (8).

Insistindo sobre cenários de planejamento conhecidos, (ainda) possíveis no “caos”, aceitos pelo discurso e negados pela prática.

Mas, afinal, cidades grandes (compactas ou espraiadas), vistas como “caóticas”, podem vir a ser benéficas e eficientes, mantendo-se os cenários e padrões atuais de crescimento? Parece que estamos predestinados a um ambiente urbano que é, na verdade, a sobreposição de muitas cidades, realidade que deve ser considerada e, até certo ponto, aceita. Aqui, indica-se que a chave que pode levar a cidades eficientes, com dinâmicas intraurbanas próximas às verificadas atualmente, reside no que podemos chamar de “descompressão intraurbana”. Essa operação passa necessariamente pela revalorização dos espaços livres públicos da cidade, como estruturas fundamentais mais permanentes, sob os pontos de vista físico e social (9).

Crescimento intraurbano “não-sadio” [LAURBE/CT/UFPB, 2011]

A partir do quadro atual e aceitando-se as lógicas intrínsecas da cidade, podem-se identificar alternativas que conduzam a benefícios e a uma cidade com melhor qualidade de vida. Uma das alternativas conduz à aceitação da cidade expandida, de forma tentacular ou estelar, com fortalecimento ordenado e gradual da descentralização urbana, processo atualmente em curso, e o adensamento dos seus pólos territoriais, com o incentivo aos modos não motorizados de deslocamento intrapólo e ao uso misto. Deseja-se igualmente uma maior integração entre os diferentes usos da terra e os transportes públicos, a partir dos principais eixos de acessibilidade, visando menor necessidade de viagens por auto e a redução das distâncias, tempos e custos urbanos. A ligação interpólos deve ser feita, prioritariamente, por transporte público de massa, integrado e de qualidade – inclusive ocorrendo a integração intermodal transporte privado-transporte público –, com a possibilidade de aproveitamento da infraestrutura existente e o repovoamento das áreas já urbanizadas e deterioradas, a exemplo da área central e espaços adjacentes. Estudos conduzidos por Ferraz, Silva e Felex indicam que essa trama urbana deve estar preferencialmente inscrita e conduzida num formato circular ou semicircular, com alternativas de macroacessibilidade radial e transversal, que podem contribuir, agregando-se a questão do adequado adensamento populacional e a integração transportes – uso do solo, para a redução dos custos e para uma cidade mais equitativa e eficiente, em relação a outros formatos urbanos (10).

Desenvolvimento intraurbano sadio [LAURBE/CT/UFPB, 2011]

Nessa direção, Leite, Rieger e Della Manna, apontam a operação nas áreas abandonadas (wastelands e brownfields) e a utilização do potencial dos vazios urbanos e áreas subutilizadas centrais e em espaços adjacentes, onde as infraestruturas existentes podem apoiar o redesenvolvimento das novas áreas da cidade. Os mesmos autores ainda pontuam que “os fragmentos do território esgarçado podem articular uma nova ‘cidade dentro da cidade’" (11). O planejamento urbano contemporâneo deve atuar com estratégias dinâmicas, flexíveis e integradas, pois o desafio é atuar e administrar no “caos”, empregando esforços sobre a cidade existente e consolidada, em vez da sua substituição ou mesmo da sua negação, considerando as suas lógicas internas. Dessa forma, não se distanciando muito da realidade atual, ou definindo concepções diametralmente opostas, pode-se alcançar espaços urbanos de melhor qualidade e eficiência, ao longo do espaço e do tempo.

notas

1
BRIGGS, John; PEAT, F. David. Sabedoria do caos. Rio de Janeiro, Campus, 2000.

2
SOBREIRA, Fabiano José Acádio. A lógica da diversidade: complexidade e dinâmica em assentamentos espontâneos. Tese de doutorado. Orientadora Circe Maria Gama Monteiro. Recife, MDU UFPE, 2003.

3
SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da; LAPA, Tomás de Albuquerque ; RIBEIRO, Edson Leite. Percursos e processo de evolução urbana: uma análise dos deslocamentos e da segregação na cidade. Arquitextos, São Paulo, n. 08.090, Vitruvius, nov. 2007 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.090/191>.

4
STACEY, Ralph D. The chaos frontier: creative strategic control for business. Oxford, Butterworth Heinmann, 1991. Apud PAIVA, Wagner Peixoto de. A teoria do caos e as organizações. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 8, n. 2, abr./jun. 2001.

5
Op. cit.

6
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo, Hucitec, 1993.

7
MEYER, Regina Maria Prosperi. O urbanismo: entre a cidade e o território. Revista da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, São Paulo, v. 1, n. 58, 2006, p. 38-41.

8
RIBEIRO, Edson Leite; SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Cidade expandida: o fenômeno do sprawl urbano e a dinâmica de segregação socioespacial. AU – Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 185, ago. 2009.

9
PANERAI, Phillippe. O retorno à cidade: o espaço público como desafio do projeto urbano. Projeto, São Paulo, n. 173, abr. 1994.

10
FERRAZ, Antonio Clóvis Pinto; SILVA, Antonio Nelson Rodrigues da; FELEX, José Bernardes. Custo do transporte público x tamanho e forma das cidades. Revista dos Transportes Públicos – ANTP, São Paulo, v. 13, n. 52, 1991, p. 17-21.

11
LEITE, Carlos; RIEGER , Bernd ; DELLA MANNA, Eduardo . Proposta Estratégica na Operação Urbana Diagonal Sul – Urban Age South America Conference. Projetos, São Paulo, n. 09.102, Vitruvius, jun. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/09.102/2958>.

sobre o autor

José Augusto R. da Silveira - Arquiteto e urbanista, Professor-Doutor em Desenvolvimento Urbano no Departamento de Arquitetura do Centro de Tecnologia da UFPB, onde leciona também nos Programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU, e em Engenharia Urbana e Ambiental – PPGEUA.

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