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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
A definição de patrimônio e o real significado do tombamento são assunto deste artigo do arquiteto Silvio Oksman, que procura esclarecer as diferenças entre a preservação de um bem e a preservação do seu uso

how to quote

OKSMAN, Silvio. Tombamento: Panacéia? Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 140.01, Vitruvius, mar. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.140/4238>.



Alguns casos recentes de pedidos de tombamento de edifícios na cidade de São Paulo sugerem uma discussão a respeito da abrangência do que se entende por patrimônio cultural e sua preservação. Os órgãos públicos responsáveis pelo reconhecimento do valor de um bem cultural têm sido evocados a cumprir papéis além de sua competência. Tanto esses chamados decorrem da impossibilidade de debater alguns temas nas devidas esferas competentes como também da falta de clareza sobre os limites dos instrumentos legais disponíveis de salvaguarda.

Essa demanda adicional em parte se explica pelo poder que essas instituições dispõem de deter de forma rápida – ou no mínimo de postergar – ações que possam ser danosas a qualquer edifício ou espaço passível de salvaguarda oficial. Da mesma forma, a própria história desses organismos, com suas portas tradicionalmente abertas para acolher solicitações provenientes da sociedade, também colabora para esse movimento. Assim, encarados como saída garantida e fácil, são convocados a tratar de assuntos que deveriam ser analisados em conjunto com outras instâncias do poder público.

Unidade Básica de Saúde – Doutor José de Barros Magaldi
Foto Rodrigo Fernando Garcia

Neste momento, mais dois processos em andamento no Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – merecem a seguinte reflexão: qual o local legítimo onde deveriam ser debatidos? Será que se tratam apenas de preservação de patrimônio?

No bairro do Itaim, existe um conjunto de edificações que abrigam serviços públicos. Num mesmo quarteirão, coexistem um posto de saúde, o Centro de Apoio Psicossocial (Caps), uma unidade da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo (Apae-SP), uma creche, duas escolas, um teatro e uma biblioteca. Todos, em pleno uso, atendem à população das mais variadas formas, como atesta a gama de atividades desenvolvidas.

A Prefeitura Municipal de São Paulo, proprietária do terreno e dos edifícios, localizados em uma das áreas mais valorizadas da cidade, decidiu “alienar os terrenos à iniciativa privada com dação de creches em pagamento” (1).

Após várias manifestações contrárias a essa venda, em particular dos moradores do bairro, a comunidade se mobilizou e o assunto foi parar nas mãos do corpo técnico do Condephaat – o tombamento dessa quadra paralisaria a negociação.

No entanto, a discussão deveria acontecer prioritariamente em outro lugar. Áreas de uso e propriedade públicas não devem ser vistas como disponíveis e sujeitas às leis de mercado. Seu valor está atrelado a questões de uso público e, portanto, não mensuráveis financeiramente.

Apesar da boa qualidade arquitetônica de alguns dos edifícios e do longo histórico de atendimento à população, a manutenção desse e de outros espaços públicos de serviço na cidade deveria estar sendo examinada pela perspectiva do planejamento estratégico, instância munida de argumentos suficientes para a preservação da área e dos serviços ali prestados. Inclusive, instrumentos mais pertinentes, como o Estatuto da Cidade, que “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (2) oferecem fundamento mais condizente com a matéria.

O veto à venda por meio do tombamento é uma ação que não resolve a situação. Deseja-se de fato tombar esse conjunto pelo seu valor de patrimônio cultural ou se trata do último recurso encontrado para deter a venda da área?

Outras propostas semelhantes aparecerão ao longo do tempo. Tombar todo e qualquer edifício que for alvo desta política que desconsidera a importância do espaço e serviços públicos pode se tornar inviável.

Cine Belas Artes
Foto Rodrigo Fernando Garcia

Outro caso que foi parar nos órgãos de preservação é o do Cine Belas Artes, seis salas de cinema de propriedade privada situadas em um edifício na Rua da Consolação, esquina da Avenida Paulista. Essa localização privilegiada, hoje servida por um sistema de transporte público muito eficiente – duas linhas de metro e um corredor de ônibus, alcançou grande valorização imobiliária refletida no valor do aluguel do cinema, inviabilizando economicamente sua permanência.

Por sua existência durante quase sessenta anos, com programação considerada de alto nível pelos seus freqüentadores, a possibilidade de término das funções do cinema gerou diversas manifestações. Entre elas, seu pedido de tombamento:

“A mobilização que a notícia do fechamento do cine Belas Artes gerou fala por si só: o cinema é um patrimônio da cidade de São Paulo. Seu desaparecimento seria a perda de um pedaço de nossas vidas e criará uma lacuna que São Paulo, tão desprovida de memória e de lugares significativos, não pode deixar acontecer. Milhares de paulistanos estão contra esse crime porque se sentem ligados ao local, uma referência cultural e urbana.

Não se trata de preservar a arquitetura do edifício, mas seu uso, sua importância como ponto de encontro e espaço de debate cultural. A noção contemporânea de patrimônio é clara: a comunidade, além dos especialistas, tem um papel fundamental na identificação dos bens culturais a serem protegidos” (3).

Observe-se que a colocação acima desconsidera algumas questões que envolvem o tema da preservação. Cabe, em um primeiro momento, identificar o valor de patrimônio cultural do Cine Belas Artes. Qual é este patrimônio que ser quer preservar? Os filmes? Obviamente não, pois não fazem parte do edifício. O prédio? Apesar de fazer parte do conjunto composto pelos edifícios Chipre e Gibraltar, de Giancarlo Palanti, não há registro de manifestações a favor de sua preservação em função de interesse arquitetônico ou artístico. Diversas reformas foram realizadas – o projeto original contava com apenas uma sala de exibição – sem nunca ter sido enaltecido por suas características físicas. Histórico? Urbano? Sim, de fato pode-se reconhecer que este endereço da cidade tem importância. O cinema durante sessenta anos marcou esse lugar – tanto quanto o Bar Riviera do outro lado da Avenida, fechado há anos. Patrimônio imaterial? Qual o patrimônio imaterial que se quer preservar no Cine Belas Artes, o hábito de ir ao cinema? Seu fechamento acaba com esse hábito na cidade de São Paulo?

O uso? O uso de um edifício não pode nem deve ser protegido. Comemora-se quando um edifício cujo uso não é mais adequado passa por transformação. Estação de trem que vira museu ou sala de concerto, agência bancária que vira centro cultural, etc. etc. etc... A vida na cidade é constantemente alterada e engessar um prédio com o seu uso original seria, aos poucos, matá-lo.

Cabe outra pergunta: quem arca com o ônus do tombamento? Faz sentido o Estado manter um conjunto de salas de cinema? Apesar do seu caráter cultural, trata-se de atividade comercial, com fins lucrativos.

Entrada do Cine Metrópole
Foto Rodrigo Fernando Garcia

O poder público pode sim ajudar a manter o Belas Artes. Mas a proposta deve integrar uma política urbana e cultural de incentivo a esse tipo de atividade. Há, portanto, uma confusão entre a paixão e o desejo de que o Cine Belas Artes continue a existir com a realidade da nossa sociedade e da nossa cidade.

Tombar o edifício, neste caso, privilegia uma empresa privada. Mantém suas atividades – que se mostraram inviáveis economicamente – às custas do Estado. Chama atenção a forma como o poder público é convocado a participar da discussão. Trata-se de um debate no âmbito do particular. Durante seus últimos anos, o cinema dispunha do patrocínio de um banco. Não seria razoável se pensar em uma nova parceria?

A respeito de salas de exibição, cabe trazer dois exemplos ilustrativos. A Galeria Metrópole, na Avenida São Luis, projeto do escritório Croce Aflalo e Gasperini e do arquiteto Salvador Candia, de 1958, abriga uma grande sala de cinema que durante muito tempo foi uma referência, principalmente pela sua programação. A sala parou de funcionar e está vazia há muitos anos. O Edifício Copan, projeto de Oscar Niemeyer dos anos 1950, também acomoda um grande cinema no térreo. Depois de encerrar suas atividades como tal, sediou por alguns anos uma Igreja Evangélica e atualmente encontra-se fechado, sem uso. Ambos os edifícios são tombados pelo Conpresp – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – e são provas de que o tombamento de um edifício não é instrumento que garanta uso a qualquer que seja o imóvel.

Não se pretende aqui propor nenhuma definição em relação ao futuro das duas situações colocadas – a quadra do Itaim e o Cine Belas Artes. A intenção é apenas apontar a necessidade de estabelecer o espaço adequado para as discussões. Os órgãos de tombamento podem e devem ser chamados a participar da necessária troca de idéias. Junto com outras abordagens, a do patrimônio pode contribuir para uma reflexão mais ampla. Quem sabe surjam soluções novas, ainda não pensadas.

A cidade de São Paulo, que no último século passou por enormes transformações, tem, no campo da preservação, uma batalha inglória. Muito já se perdeu e ainda há muito a identificar e proteger. Essa tarefa exige postura técnica, dentro do possível isenta de influências emotivas e políticas. Demanda estudos aprofundados que devem, além de listar o patrimônio, estabelecer critérios para a sua preservação (4).

notas

NA
Na mitologia grega, Panacéia é a deusa da cura. O termo também é usado como “remédio para todos os males”.

1
Para saber mais sobre a proposta da prefeitura ver <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2107201107.htm>.

2
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei n. 10.257, Brasília, 10 jul. 2001 <www.presidencia.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm>.

3
BONDUKI, Nabil. Não deixe o cine Belas Artes fechar. Minha Cidade, São Paulo, n. 11.126.02, Vitruvius, jan. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.126/3726>.

4
NE – outros artigos publicados no portal Vitruvius que comentam a preservação do Cine Belas Artes:

COELHO SANCHES, Aline. Notas sobre a arquitetura do Cine Belas Artes. Drops, São Paulo, 11.040.05, Vitruvius, jan. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.040/3729>.

SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Em defesa do cinema Belas Artes. Drops, São Paulo, n. 11.040.04, Vitruvius, jan 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.040/3727>.

VAIDERGORN, Ricardo. Cine Belas Artes fechado. Minha Cidade, São Paulo, n. 11.130.09, Vitruvius, maio 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.130/3904>.

sobre o autor

Silvio Oksman é arquiteto, urbanista e mestre pela FAUUSP (1998-2011), professor da Escola da Cidade e responsável pelo escritório Oksman Arquitetos Associados.

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