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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Orlando Faya tem como objetivo para esse trabalho identificar as características resultantes da presença de um trecho ferroviário da Estrada de Ferro Sorocabana, as paisagens geradas a partir dessa situação, espaços residuais, vazios urbanos, etc.

how to quote

FAYA JUNIOR, Orlando Gonçalves. T.R.E.M. Trilhos Reintegradores do Espaço Metropolitano. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 140.06, Vitruvius, mar. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.140/4291>.



O texto a seguir é a revisão e a compilação de dados e observações do levantamento realizado entre março de 1997 e junho de 1998, sobre um trecho específico da Estrada de Ferro Sorocabana (1). Mais de uma década depois, muitas das características do trecho selecionado para análise foram alteradas. Porém, a principal e mais destacada delas: ser “elemento divisor” da cidade que a contém, tenha, talvez, sido potencializada.

Revisitar as questões por ele levantadas é ainda um exercício atual e pertinente, uma vez que as respostas a suas indagações não foram obtidas e tão pouco o devido olhar para o tema, aprofundado ou explorado.

A seguir, é apresentado o elemento propulsor dessa pesquisa e sua primeira observação.

Um grande muro amarelo

Um grande muro amarelo, um paredão: aparente barreira concreta, hoje mais um elemento divisor da já fracionada cidade.

Um grande muro amarelo, que por vezes muda de cor, diminui de altura; por outras, mescla alvenaria e grade; escondendo sempre, sob quaisquer destas formas, os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana e toda a paisagem que dela resulta.

Ao escolher “pular o muro” é a hora de nos confrontarmos com grandes áreas remanescentes subutilizadas ou desocupadas. Uma paisagem que mistura a sensação de abandono e paralisia temporal, negada imediatamente pela velocidade e barulho da urbe que ferve em engarrafamentos e necessidade de rapidez – atraso eminente – tão contemporânea.

O grande muro amarelo é apenas o primeiro sinal.

A grande massa vermelha enferrujada

“O dado que mais impressiona nas ruínas, é menos a monumentalidade do que a proximidade de lugares densamente frequentados. Surpreende nunca termos visto esses espaços, como não vemos os trens que atravessam cotidianamente a cidade... [...]
É uma cidade cega, que não vê a si mesma... [...]
Remexer nessa cegueira, cutucar a amnésia coletiva” (2)
Lorenzo Mammi

O som alto e repetitivo anuncia que “alguém” vai passar.

A solidariedade parece tomar conta do ambiente. Todos – sem exceção – serão por alguns minutos prisioneiros e espectadores daquele que está por vir. Um tipo de congelamento coletivo toma conta da cidade e seus personagens.

A pé, de bicicleta ou automóvel, quem por azar ali estiver terá em seu trajeto um elemento impeditivo, uma nova barreira – desta vez móvel – que certamente retardará sua viagem. Não há escolha, “o jeito é esperar”.

O trem – protagonista e elemento desencadeador de toda esta cena – só é percebido quando gera atraso. Um gigante de ferro em movimento, massa enferrujada, que vez por outra faz parar – por impedimento – o movimento frenético das ruas.

O atraso justificado por conta de suas manobras faz parte da cultura urbana da cidade que ele secciona: simpática e crível desculpa para os implacáveis relógios de ponto. Somos passivos e descontentes espectadores de sua presença. Passagem momentânea que torcemos para que termine o mais rápido possível.

Mas, por mais que o evento por ele criado tenha tempo determinado, e logo o ritmo cotidiano da cidade seja retomado, sua presença fica marcada no chão do lugar. Seu “rastro” ali estará à espera de sua próxima passagem. É impossível simplesmente apagá-lo. Presentes e estáticos, seus trilhos sublinham a necessidade de convivência entre trem, cidade e população.

Logo, começa a ser desvendado o que o grande muro amarelo esconde.

Grosso modo, podemos dizer que ele, sob qualquer uma de suas configurações, procura esconder os já citados trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana, os quais se destacam por sua abrangência no espaço, diversidade de características que produzem em seu trajeto e função original de extrema importância.

Se em tempo passado os trilhos já foram um dos mais destacados elementos de progresso regional – via de transporte e escoamento de produção do interior para o Porto de Santos – podemos concluir que de alguma forma essa Linha da Máquina (3) subverteu seu significado, tendo passado de “índice de desenvolvimento” a entrave para a população. Sua presença e extensão passam a ter novo significado e função.

Subutilizada, servindo a sua finalidade – via/eixo de transporte implantado – apenas esporadicamente, por curtos períodos durante o dia ou à noite para a passagem ou a manobra de trens; representa um estorvo para o intenso fluxo de automóveis que trafegam pelas vias que ela secciona.

Hoje, tendo em vista o panorama aqui exposto, a Linha da Máquina parece representar uma segunda orla – de características negativas – para a cidade.

O muro, a árvore, a rua e o vizinho

 “É a qualidade de certo modo lírica, de algo que está ao mesmo tempo presente e sempre fora de nosso alcance“ (4)
Gordon Cullen

Ao andar por esse caminho é quase inevitável olhar para o chão e observar os trilhos, para logo depois erguer os olhos à procura do trem, que quase nunca está lá. Depois de sua passagem, nos resta observar e analisar o “vazio” deixado por ele.

O objeto de estudo não é quadro; mas sim, moldura.

É por isso, e assim, que tem início este estudo de caso: procurar conhecer o trem a partir de seus trilhos, seus vizinhos, os lugares que atravessa; as relações que cria e as paisagens que se originam a partir e em consequência de sua passagem.

O trecho selecionado para análise mais detalhada está situado entre o fim da área sob o domínio da Fepasa – início do domínio da RFFSA (no município de Santos) – e a estação do Itararé (no município de São Vicente) desativada após incêndio. A escolha recai sobre este intervalo específico do trajeto por condensar uma amostragem bastante significativa do conjunto das características comuns a todas as demais etapas do percurso, dentro da Região Metropolitana da Baixada Santista (5).

A primeira evidência de fácil identificação deste levantamento é a clara divisão das cidades mencionadas em dois blocos distintos e não uniformes, com diferentes características socioeconômicas: o dos bairros antes da Linha da Máquina e o dos bairros depois da Linha da Máquina. Fica claro também que sua atividade quase marginal e subutilização, agregadas às funções que pouco estimulam seu uso, contato e convívio com a população que ao seu lado circula, colaboram para que esta reafirme sua característica de elemento divisor dentro das cidades.

O segundo ponto diz respeito a seu percurso e às relações que estabelece com o ambiente urbano no qual se insere. Assim, identificamos dois tipos bastante claros de situações geradas, que foram denominadas para fim de análise: paisagens características e paisagens conflitantes.

Foram determinadas paisagens características aquelas onde a presença do trem e seus trilhos não causam estranhamento, nem geram, potencialmente, situações onde sua “passagem” se destaque pela sensação de não pertinência e/ou conturbação no sítio em que está inserido. Sua importância e função não criam atrito com uso do solo e, em geral, tem seu leito segregado e áreas correlatas preponderantes em relação às dimensões de vias locais. Dentre elas podemos destacar: trechos portuários sob o domínio da Codesp, grandes áreas de estacionamento de vagões abandonados e galpões, passagens por túneis e morros.

Paisagens conflitantes foram assim determinadas por apresentarem o trem e seus trilhos causando sensação de não pertinência, uma vez que geram situações de desacordo e conflito com o uso do solo local. Têm na desproporção entre as dimensões de vias locais e as de leito segregado, uma de suas características mais marcantes. Dentre elas podemos destacar: trechos urbanos altamente adensados, caracterizados por tráfego intenso de automóveis e de grande circulação de pessoas; áreas de uso eminentemente residencial onde o leito do trem é quase invadido pelas edificações, causando uma “disputa” pelo espaço urbano.

Merecem destaque situações onde o trem se transforma em “vizinho” de edificações, nas quais seu leito segregado fica confinado entre paredes, criando vielas de dimensões suficientes apenas para sua passagem, sem margens para escapes ou recuos.

Terceiro ponto a ser destacado neste levantamento diz respeito à forma de utilização de suas áreas remanescentes. Essa característica e suas formas de apresentação são o que trataremos a seguir.

Morar, andar, dirigir e transportar

“O tempo linear é uma invenção do ocidente, o tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções, sem começo nem fim” (6)
Lina Bo Bardi

A partir do momento em que muitas linhas férreas passaram a ser desativadas e subutilizadas no país, ou ainda quando tiveram sua função original subvertida, os problemas gerados pelo abandono e mau uso de suas áreas remanescentes passaram a ser uma questão urbana muito presente nas cidades que as contêm.

Temas como: direitos de propriedade, detenção de concessão e, principalmente, desacordo entre interesses públicos e privados, figuram ao lado de questões como uso do solo, ocupações irregulares e inadequação das destinações dadas a estes espaços, criando um cenário que dificulta ainda mais o resgate, a reversão de uso ou requalificação espacial efetiva destas áreas.

Porém, durante a observação desenvolvida para a elaboração deste trabalho, nos interessou somente a pontuação das evidentes diferenças existentes entre as áreas que ficaram totalmente abandonadas e aquelas que de alguma forma tiveram qualquer tipo de tentativa de apropriação regulamentada, pelo poder público, ou espontaneamente, pela população.

Entre as iniciativas do poder público podem ser destacadas experiências notadamente bem sucedidas, como a construção de praças e quadras poliesportivas, bem como a permissão para a instalação de unidades de serviços, como sedes de comunidades de amigos de bairro e postos policiais. Ao fazer destas áreas remanescentes elementos de uso cotidiano e de extremo interesse para a população que dela se avizinha, surge uma solução interessante e eficaz, que proporciona a requalificação através da utilização destes espaços.

Outra evidente sinalização do sucesso deste tipo de inciativa foi o surgimento de eventos que denominamos neste levantamento como Praças Espontâneas.

Em sua maioria, muito precárias, construídas a partir de sucata e elementos que em algum momento já fizeram parte das montanhas de entulho que ocupavam esses terrenos; as Praças Espontâneas se destacavam por serem iniciativas totalmente desvinculadas de projetos formais ou permissões estatais para a sua instalação. Sua curiosa e legível customização, com a criação de mobiliário voltado algumas vezes para uso infantil (brinquedos, balanços), outras para uso adulto (mesas para jogos de tabuleiro e bancos), demonstra o vínculo criado entre estes espaços e seus usuários cotidianos; uma vez que claramente visavam atender às necessidades específicas das populações residentes nos trechos determinados.

Chama também atenção, o paradoxal sentimento de apropriação que geravam na população local, claramente expresso em placas com inscrições do tipo “Proibido jogar lixo”, em lugares que tiveram o entulho como sua matéria prima original.

Outro ponto de destaque neste levantamento, diz respeito à criação dos percursos locais informais.

A necessidade de acesso da população residente no bloco dos bairros depois da Linha da Máquina à vias/eixos de circulação com maior disponibilidade de transporte coletivo, presentes no bloco dos bairros antes da Linha da Máquina, fez surgir aberturas e rasgos nos muros que escondem os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana. Estes rompimentos proporcionaram a criação de travessias informais, que cortam transversalmente o eixo da Linha da Máquina, tornando possível a ligação entre as vias locais e avenidas de fluxo intenso.

Apesar de pouco segura devido à falta de sinalização e construção adequadas, a criação destes percursos locais informais respondem de forma veemente à barreira concreta e ao isolamento que os muros procuraram criar.

A partir dos exemplos citados, podemos concluir que apesar de espontâneas e tendo origem em projetos não formais de apropriação e uso, as soluções criadas para englobar a Linha da Máquina à vida da cidade, surgem da necessidade de resolução de dificuldades que a presença da própria criou. Um tipo de autorregulação não planejada se apresenta como solução para problemas que de alguma forma foram negligenciados ou, simplesmente, não tiveram a devida atenção.

A Linha da Máquina fala por si

“If I think the experience will become more meaningful from here, then I will put something which will draw them over here: it could be a sound, or light, or an object. But I am not going to force people. You can call it a mutation, or a system of thinking, which acts to draw people from an event to another. It is a way of giving life to the spaces, and a way of designing the spaces to give life to the people who are walking through them” (7)
Lawrence Halprin

Elaborar este estudo sobre a Linha da Máquina foi, antes de tudo, um exercício de observação, que hoje, a partir de sua revisão, abre a possibilidade para a leitura e o aprofundamento de outros aspectos não explorados por completo na primeira versão deste trabalho.

O grande muro amarelo: no princípio apenas um símbolo, uma referência, um indício de que atrás dele acontece a Linha da Máquina, fato urbano cuja importância e dimensão desconhecemos.

É de conhecimento geral que a ferrovia passa por ali. Mas, a não ser que você seja um usuário dela, não conhecerá absolutamente suas características, sua conformação. É claro que sempre se pode morar atrás da Linha da Máquina, e por isso, apenas, saber dela. Ou ainda subir ao último andar de um edifício, nas redondezas, para curiosamente observar o trem. No entanto, excetuadas estas poucas alternativas, só o que nos resta é o grande muro amarelo, a esconder o que está por trás de si.

De variadas formas a população que tem esse eixo inserido em seu cotidiano apropria-se dele – ainda que de maneira não consciente – “construindo” praças e áreas de convivência; utilizando a calçada que serve de margem como ciclovia informal; ou apenas falando contra ela, considerando-a um estorvo que impede o fluxo dos automóveis, uma grande lixeira a céu aberto, ou ainda uma área urbana em completo estado de abandono, propensa à marginalidade e à clandestinidade: o domínio da inconveniência.

O grande desafio a ser enfrentado é o de elaborar e promover a reintegração da Linha da Máquina com a cidade de forma mais consciente e eficaz, fazendo com que estes dois universos, hoje estanques, possam explorar as porosidades em sua franja de delimitação. Identificar os elementos que a compõem, reorganizá-los, requalificá-los e reintroduzi-los, finalmente, no cotidiano da cidade; retirando dela em definitivo o aspecto de alheamento e estranheza.

Os muros, hoje bloqueadores da visão, podem deixar de ser barreira ou elemento impeditivo de qualquer ordem. Sua transposição possibilitaria a “visão através”; restringindo-os a elementos sinalizadores da diferença entre o público e o privado se, e quando, houver essa necessidade.

A “cicatriz urbana” que hoje corta, rompe a cidade, não precisa necessariamente ser assim considerada. A Linha da Máquina que secciona a Baixada Santista não é um problema, mas pode sim ser uma solução.

A Estrada de Ferro Sorocabana surgiu em 1870, da dissidência de acionistas da Cia. Ituana de E.F., que não concordavam com o traçado escolhido para a implantação da linha principal. Assim, sob a liderança do empresário húngaro Luís Matheus Maylasky, a “Sorocabana” foi construída para fazer a ligação São Paulo-Ipanema, onde havia uma importante fundição, passando por Sorocaba. Algum tempo depois, foi implantado um novo ramal, a partir do tronco ferroviário Sorocaba-Santos, ligando Santos a Juquiá, com objetivo de permitir o escoamento da produção agrícola do litoral sul pelo Porto de Santos. Este trecho ferroviário, que se constitui no objeto de estudo deste trabalho, estende-se atualmente até Cajati.

Com a incorporação da malha ferroviária da SPR à rede federal (RFFSA), as antigas empresas privadas concessionárias do setor ferroviário no Estado de São Paulo foram unificadas na Fepasa – Ferrovias Paulistas S.A –, empresa estadual.

Linha da Máquina é a expressão reconhecidamente regional pelo qual esse trecho ferroviário – representado por seus trilhos – é denominado. Santistas e vicentinos utilizam a Linha da Máquina como ponto de referência de endereços e localizações. Exemplo: “O endereço está em que altura da avenida? Antes ou depois da Linha da Máquina?”

A Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS – foi criada a partir da Lei Complementar nº 815, de 30 de julho de 1996. É composta por nove cidades: Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente.

notas

1
Cf. CARNIER JÚNIOR, Plínio. Surge a locomotiva. São Paulo, Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. Regional São Paulo <www.abpfsp.com.br/ferrovias.htm>.

2
MAMMI, Lorenzo. Arte/cidade 3. Evento acha cidade morta dentro da cidade atual. Caderno Ilustrada. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 nov. 1997, p. 6.

3
Referência fisico-geográfica dos blocos, tomando como ponto de referência o posicionamento da Linha da Máquina em relação à orla/praia. Logo: antes ou depois, no sentido praia-centro da cidade.

4
CULLEN, Gordon. Paisagem urbana. Coleção Arquitetura e Urbanismo. Lisboa, Edições 70, 1983.

5
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Nosso território. São Paulo, Secretaria de Transportes Metropolitanos <www.stm.sp.gov.br/index.php/quem-somos/nosso-territorio>.

6
BARDI, Lina Bo. Apud FERRAZ, Marcelo C. (Org.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1993, p. 327.

7
HALPRIN, Lawrence. Cities. Cambridge, Massachusetts and London, England, The MIT Press, 1972.

sobre o autor

Orlando Gonçalves Faya Junior é arquiteto e urbanista, formado pela Universidade Católica de Santos, em 1998. Desenvolve projetos na área de Arquitetura e Cenografia. Tem experiências em áreas ligados ao Patrimônio Histórico – Projetos Cores da Cidade, da Fundação Roberto Marinho – e Habitação Popular – Cohab/ST e CDHU. Atualmente desenvolve estudo na área de Paisagens Urbanas.

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