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my city ISSN 1982-9922

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O uso da terra no DF tem enormes limitações ambientais e sociais e é ela justamente que merece proteção para que o patrimônio não seja dilapidado. As nossas reservas de terra devem ficar para os herdeiros da capital – nossos filhos, netos e descendentes.

how to quote

PAVIANI, Aldo. Patrimônio urbano em Brasília. Passado e futuro em confronto? Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 144.09, Vitruvius, jul. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.144/4443>.



Em muitas cidades brasileiras não há tradição de preservar a história urbana, as paisagens construídas e o urbanismo. O passado nem sempre é visto com simpatia e, por isso, cunhou-se a marca indelével de que “o brasileiro tem memória curta”. Talvez devêssemos referir que, para a regra, há exceções. Autoridades e profissionais conscientes se preocupam com o passado em termos culturais – a literatura, as artes, a arquitetura, a história, o urbanismo e, porque não, a geografia. Cidades grandes, nossas metrópoles e mesmo as megalópoles (ou metápoles, como quer François Ascher), passam por verdadeira renovação

Avenida Paulista, São Paulo
Foto Nelson Kon

Velhos casarões dos anos dourados do café da Avenida Paulista, em São Paulo, deram lugar a edifícios modernos; no Rio de Janeiro, quarteirões inteiros foram demolidos para dar lugar à Avenida Presidente Vargas, igualmente com prédios de vários andares, modernos. Ainda no Rio, demoliu-se o Palácio Monroe, onde funcionava o Senado Federal, com o argumento de que “atrapalhava o trânsito”. Igualmente, surgem aterros (Flamengo, Botafogo, etc.) para ampliar pistas e facilitar a circulação de veículos. Concluí-se que o “velho” dá lugar ao novo, valoriza-se o que melhora o sistema viário ou que possibilita melhor aproveitamento de terrenos, ampliando-se a ocupação do espaço com a verticalização.

Nesses dois casos, como de outras grandes cidades – de Salvador, a Recife e a Porto Alegre – a modernidade tem primazia sobre paisagens urbanas do passado, relegando-se para segundo plano não apenas a preservação de monumentos, mas os testemunhos da história e do urbanismo, da arquitetura e da geografia urbana das cidades. Por elas passaram retroescavadeiras e as marretas da demolição. É a lei do setor imobiliário que passa a vigorar, pois com as demolições os espaços são ampliados para o setor terciário (escritórios, consultórios, etc.) e para moradias.

Palácio Monroe, Rio de Janeiro, 1908c.
Foto José Francisco Correia [Wikimedia Commons]

No caso da transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília, considera-se que de Luiz Cruls (1894) a Juscelino Kubitschek (1960), não se passaram apenas sessenta e seis anos, mas todo um processo até a construção da capital brasileira. Em rápidas pinceladas, consideram-se a “marcha para o Oeste”, de Getúlio Vargas, as diversas comissões para a transferência da capital, a escolha do “sitio castanho”, o Relatório Belcher de 1954 e tantas outras medidas, inclusive a inserção de dispositivos para a mudança da capital em diversas Constituições federais. Esse lampejo histórico de Brasília não revela todas as facetas do enorme esforço para erguer a capital no Planalto Central.

Nos aspectos históricos, nota-se que o estabelecido como Patrimônio Cultural da Humanidade, a preservar, tem algo mais do que a bela arquitetura de Oscar Niemayer e o criativo desenho urbanístico de Lucio Costa. Há outros elementos sócio-históricos sob risco, além dos apontados pela missão da Unesco. Apenas como exemplificação, o Plano Piloto não recebe cuidados especiais com sua paisagem, no caso do Eixo Monumental, congestionado por trânsito intenso. Nele, de forma repetitiva, instalaram-se toda a sorte de “atrativos” ou atividades de lazer, como pista de motocross, quadra de vôlei, tendas de funcionários públicos (incluindo professores das universidades federais) em greve e que protestam por falta de planos de carreira e aumento salarial. Em meados de julho de 2012, um circo foi montado próximo ao Teatro Nacional Cláudio Santoro – verdadeiro cartão postal da cidade. A imprensa divulga que, por vezes, as estruturas erguidas no Eixo Monumental não possuem permissão. Se os governantes pensam em captar recursos para fomentar o turismo, a primeira iniciativa deve ser estabelecer normas para o uso do espaço e impedir abusos que enfeiam o conjunto urbano central, que se estende da rodoviária urbana, passando pelos ministérios e a “jóia da corroa” – a Praça dos Três Poderes.

Pensaram os fundadores numa Brasília para algo entre 500 e 600 mil habitantes – como queria o presidente do júri internacional, Sir William Holford. No tempo transcorrido, considerando a imigração e o crescimento vegetativo local, a cidade abriga cerca de 2.600.000 habitantes. Há que levar em conta igualmente cerca de um milhão de habitantes da área metropolitana contígua ao Distrito Federal (DF). Tal massa populacional, crescendo a taxas superiores à média nacional, pressiona os recursos naturais do DF, requer mais espaços habitacionais e de serviços, como no comércio das entrequadras – onde se constatam os puchadinhos – adequações da cidade pensada e a que se efetivou - agigantada. Esses avanços sobre a área verde se constituem em um dos questionamentos dos visitantes da Unesco, levados ao rol dos riscos que podem abalar o nobre título que Brasília ostenta.

Há outras questões importantes a serem sanadas até fevereiro de 2013, prazo dado para que o DF se posicione a favor do que recebemos de nossos antepassados e que deixaremos de herança para as próximas gerações. A vontade política e o desejo dos cidadãos mais conscientes farão a diferença para suprir os questionamentos contidos na advertência referendada pelo Comitê do Patrimônio Mundial, em São Petersburgo. Nesse aspecto, sopesar o urbanismo, a arquitetura, a história e a geografia favorecerá o atendimento dos itens questionados. No espaço geográfico, parte pequena do DF está no rol dos riscos – mas há que se considerar a totalidade urbana que demanda por serviços e equipamentos, concentrados justamente no Plano Piloto tombado ou a área central da metrópole. Não admira que haja riscos para o patrimônio, pois o centro, com apenas 9% da população detém 64% dos postos de trabalho (segundo o IBGE), o que leva ao engolfamento dos transportes e antecipe o caos na circulação viária em Brasília. A contraparte fica evidente quando os demais núcleos urbanos detêm 91% da população e apenas 36% dos postos de trabalho. Há um evidente desequilíbrio da organização socioespacial. O Plano Piloto sempre foi o ponto central da estrutura urbana metropolitana e, por isso, o risco anotado para o item transporte, motivado pela concentração excessiva das atividades econômicas e de serviços.

A discussão sobre o tombamento leva ao argumento falacioso de que “a cidade está sendo engessada”. A lógica imobiliária para ocupar indevidamente a orla do lago Paranoá é exemplo de que não há “engessamento” algum. Com subterfúgio turístico-hoteleiro, ocupam-se terrenos com habitações permanentes, que evidenciam a necessidade de engessamento. O lago é um corpo d’água submetido a forte pressão, degradando-se aos poucos. Por isso, é urgente que se cancelem permissões para outros empreendimentos imobiliários em suas margens, um dos riscos indicados pela Unesco. O lago Paranoá se constitui em patrimônio inestimável – com ou sem tombamento. O futuro do DF está crucialmente ligado à água e à biota do Cerrado. Não se preservando os vegetais, animais e a água, haverá inexoravelmente o definhamento da vida. Então, ao lado da beleza arquitetônica e urbanística, a preservação está nas mãos dos que tomam decisões: executivos, legisladores e dos que fazem cumprir as leis.

Tanto o centro urbano não está engessado que, como mostram as fotografias ao lado, captamos inúmeras obras em andamento. Na Asa Norte, edifícios de grande porte (denominados “inteligentes”) estão sendo erguidos para abrigar escritórios e sedes de companhias de grande porte. No Lago Sul, terreno até há pouco tempo desocupado, cede lugar a prédio para ser ocupado pela 18a. Região Eleitoral. No Setor Bancário Sul, constroem-se modernos edifícios para órgãos federais e para serem ocupados por empresas, autarquias e bancos. Na Quadra 610 Sul, constrói-se complexo hospitalar “Lucio Costa”, que alterou a ocupação anterior de um time de futebol. São as exigências do volume populacional metropolitano que atrai escritórios, consultórios e hospitais para atender o setor de serviços da economia privada.

Reforma de bloco residencial na SQN 112, Brasília
Foto Aldo Paviani

Além disso, o Plano Piloto é ocupado por uma verdadeira indústria sem chaminés, por mim já denominadas de “indústrias de reformas”. Inúmeros edifícios, sedes de consultórios e escritórios, passam por modernização. Fachadas são substituídas, esquadrias são modificadas, colocando-se pastilhas para embelezamento. Há blocos residenciais onde os pilotis ganham revestimento de granito ou mármore; as empenas ganham fachadas coloridas ou reboco novo, enfim, há verdadeira corrida para eliminar a aparência de “antigo”, na busca do moderno e renovado. Nada disso é feito sem licenciamento, o que leva a se deduzir que a modernização tem aval do Governo do Distrito Federal (GDF). E isso é verdadeiro quando no Setor Hoteleiro Sul foram demolidos dois hotéis tradicionais – o Hotel das Nações e o Alvorada ambos com padrão arquitetônico dos primórdios da Capital, mas considerados ultrapassados para os eventos desportivos que se avizinham em 2013 (Copa das Confederações) e em 2014 (Copa do Mundo de futebol), segundo destaque dado pela imprensa quando da demolição dos dois prédios.

E por falar em eventos desportivos, outra tentativa de mudar a paisagem urbana do centro de Brasília se constituiu no projeto conhecido como “Edificação da Quadra 901”, junto ao Setor Hoteleiro Norte e próximo ao Estádio Nacional “Mané Garrincha”- demolido e, atualmente, em reconstrução, com projeto moderno. Considere-se que a demolição e reconstrução do novo estádio atingirá o elevado custo (estimado) de R$ 863.200.000,00 (1), como preparativo aos referidos eventos esportivos. Segundo nota do jornalista Diego Amorim, “o negócio irá movimentar 4 bilhões de reais” (2).

Por fim, no que toca ao legislativo, atenção especial dos deputados deve ser dada à revisão do Pdot – o Plano Diretor de Ordenamento Territorial. Nele estará especificado o uso da terra urbana (e rural). Por isso, se reveste da maior importância para a defesa da cidade, sobretudo daqueles que desejam ocupar – de pronto – todo espaço disponível. Essa atitude é erro incalculável, pois a terra é o “ouro vermelho” de Brasília, que tende a se esgotar. Aventa-se que, da mesma forma que o ouro negro, a jazida acabará um dia, talvez mais rapidamente do que possa pensar. O uso da terra no DF tem enormes limitações ambientais e sociais e é ela justamente que merece proteção para que o patrimônio não seja dilapidado. As nossas reservas de terra devem ficar para os herdeiros da capital – nossos filhos, netos e descendentes.

notas

NA
Este texto é uma ampliação do seguinte artigo: PAVIANI, Aldo. Patrimônio Cultural da Humanidade – titulo a preservar. Correio Braziliense, Brasília, Caderno Opinião, 10 jul. 2012, p. 15.

1
Estimativa do “Portal da Copa – A arena dos negócios da Copa” <www.portal2014.org.br>. Acessado em 23 jul. 2012.

2
AMORIM, Diego. Novo setor hoteleiro na 901 Norte movimentará R$ 4 bilhões. Correio Braziliense, edição virtual, 12 abr. 2011 <www.correiobraziliense.com.br>. Acessado em 22 jul. 2012.

sobre o autor

Aldo Paviani é geógrafo urbano, professor emérito da UnB e pesquisador associados do Departamento de Geografia e do NEUR/CEAM/UNB.

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