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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Este texto propõe a reflexão sobre as dinâmicas e desafios associados à paisagem ferroviária no percurso férreo entre as cidades de Erechim (RS) e Piratuba (SC), abordando interfaces entre ferrovia, patrimônio cultural e desenvolvimento.

english
This text aims to reflect upon the dynamics and challenges associated to the railway landscape between the cities of Erechim (RS) and Piratuba (SC), addressing interfaces among railway, cultural heritage and development.

español
Este texto propone reflexionar sobre las dinámicas y desafíos asociados al paisaje ferroviario en el tramo de la estrada de hierro entre Erechim (RS) y Piratuba (SC), abordando interfaces entre ferrocarril, patrimonio cultural y desarrollo.

how to quote

RIGON, Matheus José; FUJITA, Camila; VIANNA VILLELA, Ana Laura. A ferrovia, as cidades e o território. Paisagem ferroviária e patrimônio cultural edificado no trecho Erechim-Piratuba da antiga estrada de ferro São Paulo–Rio Grande. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 170.01, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.170/5273>.



Nos discursos recentes em torno da paisagem e patrimônio cultural, tem assumido importante reconhecimento o caráter do sistema ferroviário enquanto elemento determinante à constituição de paisagens culturais, pela sua contribuição decisiva, ao longo da história, à estruturação do território, produção de cidades e difusão de influências em termos arquitetônicos, urbanísticos e modos de vida. Inúmeras localidades Brasil afora surgiram e desenvolveram-se em função da instalação de ferrovias e da conectividade espacial por elas proporcionada: este é o caso do território conformado no percurso férreo de 98 km entre as cidades de Piratuba (SC) e Erechim (RS), desbravado a partir da instalação da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, ferrovia construída entre 1890 e 1910 e que constituiu, durante várias décadas, a mais importante conexão terrestre entre o eixo Rio-São Paulo, o extremo sul do Brasil e países do Prata – Argentina e Uruguai (1).

O trecho ferroviário em questão segue sob concessão da América Latina Logística (ALL) e encontra-se desativado para o transporte de cargas. Entre as cidades de Piratuba (SC) e Marcelino Ramos (RS), já consolidadas em torno do turismo de águas sulfurosas termais, que opera semanalmente o “Trem das Termas” – trem turístico de tração a vapor gerenciado pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) e que tem recebido crescente número de passageiros, sendo que em 2013 transportou 6.800 turistas (2). Ademais, representantes de entidades regionais têm se mobilizado com vistas a promover o turismo sobre trilhos em trechos entre Marcelino Ramos (RS) e Erechim (RS), possibilidade que toma força diante das perspectivas de reabilitação da linha férrea abandonada e retomada de atividades em breve, a partir de ação judicial em curso.

Neste território, a ferrovia cruza 05 municípios: Piratuba (SC), Marcelino Ramos (RS), Viadutos (RS), Gaurama (RS) e Erechim (RS), os quais, com exceção a Erechim (101.122 habitantes), não ultrapassam a faixa dos 6.000 habitantes. Ao longo destes, a interface entre a ferrovia, o patrimônio natural e os assentamentos humanos resulta em cenários de grande riqueza perceptiva, em que se destacam povoados com ruínas do patrimônio ferroviário, além de percursos através de matas densas e vales de rios, onde figuram várias pontes férreas centenárias – forte expressão da técnica belga e do capital europeu aí transplantados no início do século XX (3).

O patrimônio ferroviário na paisagem urbana de Marcelino Ramos
Foto Matheus Rigon

Nas cidades, as estações de trem constituem elemento central e porta de entrada para paisagens urbanas de expressiva carga histórica e valor cultural. Conectam-se estrategicamente a importantes espaços livres de convívio e circulação (4) e têm em sua ambiência significativo conjunto de bens do patrimônio cultural edificado, que contempla desde exemplares da arquitetura vernácula em madeira remanescente das primeiras décadas da colonização regional, bem como dos estilos Eclético, e, sobretudo Art Déco – além de tipologias da arquitetura industrial, como moinhos e frigoríficos, muitos dos quais seguem em ruínas, abandonados ou subutilizados.

Ao valor destes elementos arquitetônicos e urbanísticos enquanto suporte da memória social e à sua representatividade regional – reflexo do intercâmbio econômico e cultural engendrado pela ferrovia e suas conexões neste território no século passado – contrapõem-se o seu abandono e progressiva estagnação no cenário atual: demolições e intervenções pouco criteriosas têm levado a uma visível descaracterização das ambiências centrais em questão, destacando-se a perda de diversos edifícios, significativos por sua excepcionalidade ou pelo valor de conjunto que assumem no contexto urbano. A isso, em muito contribui a fraca efetividade das políticas públicas orientadas ao reconhecimento e preservação do patrimônio cultural edificado em nível local, sendo que também o patrimônio ferroviário agoniza ante os impasses quanto à sua gestão, o que em alguns casos tem resultado na deterioração e/ou subutilização desses enquanto espaços de convívio social qualificado.

Ademais, outro caso que inspira cuidados diz respeito à tendência de “cenarização” identificada no espaço urbano da cidade de Piratuba (SC), a mais estruturada em termos turísticos: neste local, a arquitetura contemporânea associada sobretudo a usos institucionais e de serviços turísticos, também presentes no entorno próximo da estação ferroviária, tem incorporado elementos arquitetônicos e sistemas construtivos que remetem à arquitetura enxaimel característica dos assentamentos alemães no sul do Brasil, repetindo a mesma tendência ao “pastiche” já conhecida em outras cidades turísticas do sul do Brasil – como na serra gaúcha e no Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

A crítica maior que se coloca ao debate fundamenta-se no fato de que, mesmo que a etnia germânica tenha sido a mais significativa na formação desta cidade, a referência estético-formal ao enxaimel e sua exaltação como modelo a ser seguido, se por um lado resulta em edifícios icônicos que correspondem aos anseios de fruição visual do consumidor turístico, por outro lado acontece em detrimento da identidade arquitetônica da cidade: tal prática confunde a memória coletiva e contribui para acentuar a rejeição cultural à arquitetura vernácula em madeira e o processo de destruição dos seus poucos remanescentes na cidade.

Tais questões apontam, enfim, a premência de ações orientadas à proteção, planejamento e desenho da paisagem cultural associada à ferrovia e estações de parada nos municípios e cidades em questão. É imprescindível que a retomada de atividades do transporte ferroviário e/ou o incremento do turismo regional através dos trilhos de ferro fundamente-se em um planejamento de base territorial, construído de forma participativa e pluridisciplinar, que delimite objetivos, diretrizes e projetos prioritários para o desenvolvimento deste território. Estes, por sua vez, poderão orientar a elaboração de normativas e projetos urbanos, cujo conteúdo vá além da indicação genérica de parâmetros arquitetônicos e urbanísticos, proporcionando novos rumos para o desenho da arquitetura da cidade, adequado às especificidades locais e comprometido com a promoção e salvaguarda do espírito de lugar (genius loci) e dos valores histórico-culturais associados a estes espaços.

Diante disso, visualiza-se a perspectiva de que os trilhos da antiga  Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande sejam (re) pensados enquanto elemento solidário a essas cidades e como importante eixo estruturante de sua projeção futura, na busca por um desenvolvimento urbano e regional pleno e sustentável, que articule o crescimento econômico e turístico à conservação e valorização do patrimônio natural e cultural associado à paisagem ferroviária, ressignificando, sob um enfoque contemporâneo, importantes valores a ela vinculados ao longo da história.

Ruínas da arquitetura industrial nas proximidades da estação ferroviária de Viadutos
Foto Matheus Rigon

notas

NA - Este estudo foi financiado pelo Artigo 170 da Constituição Estadual do Estado de Santa Catarina para os Núcleos de Iniciação Científica. Parte do conteúdo aqui abordado foi apresentado sob forma de comunicação no IV Encontro Internacional sobre a Preservação do Patrimônio Edificado – Arquimemória:

RIGON, M. J.; VILLELA, A.L.V.; FUJITA, C. Ferrovia e paisagem regional: estudo de reconhecimento no trecho férreo entre Passo Fundo (RS) e Piratuba (SC).  In: Anais [do] IV Encontro Internacional sobre Preservação do Patrimônio Edificado – Arquimemória, p. 01-25. Salvador: IAB/BA, 2013.

1
Para informações sobre a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, ver: THOMÉ, N. Trem de ferro: a ferrovia no Contestado. 2. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1983.

2
Fonte: ABPF.

3
Cf. WOLFF, G. Trilhos de ferro, trilhas de barro: a ferrovia no Norte do Rio Grande do Sul – Gaurama (1910-1954). Ediupf, 2005.

4
Destacam-se, neste sentido, as cidades de Erechim (RS) e Marcelino Ramos (RS), que pela dimensão simbólica de seu traçado urbano consagram-se enquanto importante legado do planejamento oficial executado pelo governo de cunho positivista do Estado do Rio Grande do Sul durante a República Velha (1889-1930), sendo a cidade de Erechim reconhecida como a primeira do Rio Grande do Sul a ser implantada com projeto prévio (1914) e uma das primeiras experiências brasileiras em termos de cidade com desenho moderno.

sobre os autores

Matheus José Rigon é arquiteto e urbanista (UNOCHAPECÓ).

Ana Laura Vianna Villela é arquiteta e urbanista (UFPel), mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e docente da UNOCHAPECÓ.

Camila Fujita é arquiteta e urbanista (UFPR), mestre em Tecnologia e Desenvolvimento (UTFPR), Doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) e docente da FAU-PUCRS. 

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