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my city ISSN 1982-9922

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Passeio pela cidade de Xangai revela atrações para arquitetos estrangeiros e cria oportunidades para jovens e talentosos arquitetos chineses

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CELANI, Gabriela. Xangai é muito mais que Pudong. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 170.03, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.170/5296>.



Estive em Xangai por três semanas (de 17/08 a 03/09/2014), a convite do Santander Universidades, para participar do programa TOP China, que este ano teve como tema “Gestão de Recursos Naturais e Sustentabilidade”. Além de aprender muito com os professores da Xangai Jiao Tong University e com os colegas brasileiros de todos os estados e de todas as áreas, aprendi muito visitando a cidade.

Apesar de ser mais conhecida atualmente por ser uma das mais populosas cidades do mundo, com 24 milhões de habitantes, e pela futurista área de Pudong, onde se encontra o segundo edifício mais alto do mundo (ainda em construção), Xangai é uma lição de arquitetura em termos de requalificação de patrimônio arquitetônico residencial e industrial. Após a Guerra do Ópio, nos anos 1840, Xangai passou a ser uma das cinco cidades chinesas abertas ao comércio exterior por imposição do Reino Unido. Alvo dos interesses da França, do Reino Unido e dos Estados Unidos, a cidade foi dividida em áreas de concessão para cada um desses países. Nos anos 1930 já era um dos maiores centros financeiros asiáticos, mas sua influência diminuiu durante os anos do regime comunista chinês. Desde o final dos anos 1980, com o governo de Deng Xiaoping, Xangai voltou a se desenvolver, atraindo arquitetos estrangeiros mas também criando oportunidades para jovens e talentosos arquitetos chineses. 

No ano passado eu já havia mencionado alguns exemplos de requalificação de patrimônio industrial em Xangai no artigo “CAAD Futures 2013 - Xangai hospeda o futuro da arquitetura digital” (1), descrevendo o hotel boutique Water House, um projeto de requalificação dos arquitetos Lyndon Neri e Rossana Hu, do escritório Design Republic. Neste ano, com as dicas do professor Shixing Liu da Xangai Jiaotong University, pude conhecer diversos outros exemplos de como Xangai está lidando com suas antigas fábricas e suas casas de vila.

Shikumen: as vilas urbanas

Ao lado das torres de escritórios e dos gigantescos empreendimentos imobiliários de habitação massiva para a nova classe média, escondem-se vestígios de uma outra época, em geral na parte interna dos grandes quarteirões urbanos. A partir de 1842, nas concessões inglesa e francesa, os estrangeiros contruíram para si próprios casas senhoriais em estilo europeu e, para abrigar os habitantes locais, construíram grandes vilas. Estima-se que 70% da população de Xangai vivia nessas vilas. Muitas dessas casas são protegidas pelo governo, fazendo parte de um patrimônio do qual a cidade se orgulha. As casas senhoriais foram em geral transformadas em estabelecimentos comerciais, enquanto a maioria das vilas de shikumen preservam o uso residencial popular. Apenas algumas delas, em especial as mais belas, foram gentrificadas, transformadas em zonas de restaurantes ou de habitação para a classe alta.

Casa senhorial ocidental na concessão francesa
Foto Gabriela Celani

Vista superior de uma vila antiga no centro da cidade, em meio a espigões
Foto Gabriela Celani

As shikumen são uma tipologia típica de Xangai, resultante da fusão entre a casa de pátio tradicional chinesa do baixo Yangtze e as terraced houses inglesas de 2 a 3 pavimentos. Construídas em tijolos, são dispostas ao longo de vielas estreitas, chamadas de longtang. Uma de suas principais características são as grandes portas que dão acesso ao pátio interno, em geral com molduras decorativas em pedra. Pode-se dizer que os longtangs correspondem aos hutongs de Beijing (2). Essa forma de habitação predominou em Xangai de meados do século XIX a meados do século XX, e foi importante para aumentar o adensamento da área urbana antes da verticalização da cidade. Segundo o Density Atlas (3), na década de 1930, uma vila desse tipo tinha uma densidade de aproximadamente 560 habitantes (ou 70 unidades habitacionais) por hectare. Atualmente essas casas encontram-se divididas entre várias famílias, resultando em uma densidade ainda mais alta. Embora muitas shikumen tenham sido demolidas, dando lugar a grandes empreendimentos imobiliários, restam ainda algumas centenas de milhares dessas casas em Xangai (4).

Visitei diversas vilas em Xangai com caracteristicas diferentes, desde a mais deteriorada até a mais gentrificada, além de casos intermediários, em que a parte térrea é ocupada por lojas de bom gosto e restaurantes descolados, enquanto os andares superiores ainda são habitados pelos moradores originais, em condições precárias.

O primeiro caso é de uma vila bastante deteriorada no Jing’an District, próxima à estação Changping Rd., Linha 7, entre as ruas Chang De, Chang Ping e Xi Kang. Essa vila provavelmente foi construída no início da década de 1930, data registrada em uma de suas entradas. Cercada por edifícios residenciais altos, alguns ainda em construção, a vila lembra os cortiços do centro de São Paulo. As casas possuem no máximo três pavimentos e, tendo em vista sua baixa densidade e mal estado de conservação, a impressão é que ela logo será demolida para dar espaço a novos espigões. Apesar da pobreza encontrada, a sensação ao atravessar essa vila foi muito mais a de estar invadindo o espaço que as pessoas usam como extensão de suas casas, do que a de insegurança. Praticamente não existe crime na China, em consequência de uma severa política de punição, que inclui a pena de morte. A prostiuição e o tráfico de drogas não são tolerados, e o controle é feito por cidadãos comuns de cada bairro ou comunidade, que delatam à polícia qualquer atividade suspeita.

Vila no Jing’an District
Fotos Gabriela Celani


Outro exemplo de vila com uso original é Shangxianfang, na Huai Hai Road, próxima à estação Huangpi Rd. South, Linha 1, no distrito de Huangpu. Logo na entrada, uma placa avisa que o local é protegido pela prefeitura como monumento histórico. Embora seja predominantemente residencial, com traços visíveis de precariedade sanitária (por exemplo, um banheiro coletivo logo na entrada da rua), a vila possui alguns pequenos estabelecimentos comerciais informais no térreo, que atendem à própria comunidade.

Shangxianfang
Fotos Gabriela Celani

Tianzifang, na Taikang Road, concessão francesa (estação Dapuqiao, Linha 10), é um caso interessante em que a vila assumiu ares de local turístico, porém sem expulsar os moradores originais. Eles continuam ocupando os pavimentos superiores das casas e se beneficiam do aluguel de espaços comerciais, ateliês, restaurantes e cafés no pavimento térreo. Logo na entrada, o mapa do local dá uma boa ideia do labirinto existente no interior do quarteirão. O local se salvou da demolição graças à ação de artistas e investidores, que viram em Tianzifang uma oportunidade para criar um centro de entretenimento que já é uma das principais atrações turísticas da cidade.

Tianzifang
Fotos Gabriela Celani

A vila mais bonita para passear, porém a mais gentrificada, e que tem hoje um uso exclusivamente comercial, é Xintiandi, também na concessão francesa (estação Xintiandi, Linha 10). O local possui uma agitada vida noturna, com inúmeros bares e restaurantes sofisticados.

Xintiandi
Fotos Gabriela Celani

Xintiandi. O conjunto de casas com ornamentos vermelhos sobre as portas é particularmente famoso porque foi onde ocorreu a primeira reunião do Partido Comunista Chinês
Foto Gabriela Celani

Patrimônio industrial: centros de criatividade

Existem pelo menos 80 centros de indústria criativa (creative industry clustering parks) em Xangai, a maioria dos quais instalados em edifícios considerados patrimônio arquitetônico, incluindo antigas fábricas, armazéns e outros tipos de edifícios. Alguns deles são The Bridge 8, M50, Red Town, 257 Creative Garden, e 193 Old Milfun (5). A política de criação desses centros rendeu à cidade o prêmio “UNESCO Creative City of Design” em 2010, e a cidade atualmente faz parte da UNESCO Creative Cities Network.

800 Show Creative Industry Park (6)

O conjunto de edifícios em que funcionava a People’s Electric Motor Factory abriga agora uma área para desfiles de moda, escritórios de arquitetura e design, além de áreas de entretenimento. O local fica na Chang De Road, próximo à estação Changping Rd. da Linha 7 do metrô.

800 Show
Fotos Gabriela Celani

M50 (7)

Instalado em um antigo conjunto de indústrias de tecelagem da década de 1930, este centro abriga mais de cem empresas e ateliês de artistas. São realizados no local festivais de moda e outros eventos artísticos.

M50
Fotos Gabriela Celani

Red Town (8)

Este centro, localizado na antiga Shanghai No.10 Steelworks, e com entrada pela Huai Huai Road West (estação Hongqiao, Linha 3), tem em seu miolo uma grande praça de esculturas.

Red Town
Fotos Gabriela Celani

New Factories/Tongle Fang (9)

O New Factories, também conhecido como Tongle Fang, fica na Yuyao Road, estação Changping Rd., Linha 7, em outro antigo conjunto de indústrias. Este centro de criatividade tem até um museu privado de arte contemporânea.

New Factories
Fotos Gabriela Celani

1933 (10)

Um dos mais interessantes centros de criatividade que visitei em Xangai foi o 1933, instalado em um antigo abatedouro construído pelos ingleses. O local abriga desde restaurantes de alta gadtronomia a escritórios de arquitetura internacionais, e até mesmo uma empresa de “facilitação digital”. Próxima à esquina da Qu Yang Rd. com a Hai Ning Rd. Estação Hailun Rd., linhas 4 ou 10.

Centro de criatividade "1933"
Fotos Gabriela Celani

The Bridge 8 (11)

Além de lojas e cafés este centro funciona também como incubadora de indústrias criativas. Além dos edifícios reformados da antiga indústria que existia no local, o projeto, do escritório HMA Architects, inclui uma passarela conectando a área a outros edifícios do outro lado da rua Jianguo Zhong. O local fica no número 8 da Jianguo Zhong Rd., perto da Chongqing Nan Road. Estação do metrô Dapuqiao, linha 9. 

Incubadora de indústrias criativas "The Bridge 8"
Fotos Gabriela Celani

A página Shangai Tour Map apresenta uma lista completa dos parques de criativos de Xangai, organizada por bairro, com os endereços de cada um deles (12). A página da prefeitura da cidade (13) também apresenta uma boa descrição de alguns dos parques de indústria criativa. Se você for de taxi, lembre-se de pedir para alguém anotar os endereços em caracteres chineses, pois a maioria dos taxistas não entende os caracteres ocidentais.

Finalmente, é preciso lembrar que outras cidades chinesas também possuem seus creativity hubs, pois essa é uma estratégia do governo chinês visando o desenvolvimento de uma indústria de maior valor agregado no futuro (14).

O número especial da revista Urban China, Counter-Mapping Creative Industries, de 2010, tem diversos artigos interessantes sobre esse tema (15).

Uma cidade que sabe enxergar oportunidades

A visita aos projetos de requalificação de patrimônio em Xangai nos mostra que esta é uma cidade que sabe enxergar oportunidades e que investe seriamente na construção da indústria criativa. Isso nos mostra também que a China tem consciência de que não será para sempre uma fornecedora de produtos baratos, pois os salários estão subindo rapidamente no país, alimentando o maior mercado consumidor do mundo e explusando a manufatura pouco qualificada para países menos desenvolvidos. A indústria criativa, o entretenimento e o turismo são excelentes maneiras de substituir o vazio – tanto espacial como econômico – deixado pela produção industrial. Além disso, a requalificação e o retrofit de edifícios são importantíssimos do ponto de vista da sustentabilidade urbana e da preservação da memória das cidades.

No Plano de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia de 2006, o governo chinês estabeleceu metas para tornar o país em uma “sociedade inovadora”, líder em Ciência e Tecnologia nas próximas décadas. No entanto, há controvérsias sobre a real capacidade da China atingir esses objetivos, em consequência de algumas práticas tipicamente totalitárias, como a obrigatoriedade de aquisição de mercadorias chinesas pelo governo, e a imposição da presença de representantes do partido comunista nas empresas (16).

P.S. Se você for a Xangai, não deixe de visitar também a maquete gigante da cidade no Shanghai Urban Planning Exhibition Hall. Nessa exposição também há explicações detalhadas sobre alguns projetos de requalificação urbana.

Maquete da cidade de Xangai
Foto Gabriela Celani

Exposição sobre requalificação urbana no Shanghai Urban Planning Exhibition Hall
Fotos Gabriela Celani

notas

NA – A autora agradece ao Santander Universidades pelo custeio da viagem à China por um período de três semanas para participação no curso “Top China 2014: Gestão de recursos naturais e sustentabilidade” na Universidade Shanghai Jiao Tong.

1
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.071/4840>

2
Ver descrição e fotos em “Três Beijings em quatro dias”, <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/07.078/4859>

3
<http://densityatlas.org/casestudies/>

4
Wenming, Yu. Xangai Shikumen. Xangai: People's Fine Arts Publishing House, 2012

5
Shanghai Creative Industry Demonstration and Service Platform, <http://www.creativecity.sh.cn/en>.

6
<http://www.800show.net/>

7
<http://www.m50.com.cn/>

8
<http://www.redtown570.com/2008/>

9
<http://shanghaitourmap.com/creative-park/tongle-fang.html>

10
<http://www.1933-shanghai.com/>

11
<http://www.bridge8.com/website/htmlcn/index.htm>

12
<http://shanghaitourmap.com/creative-parks.html>

13
<http://en.shio.gov.cn/topics-2011-4.html>

14
Para conhecer os centros similares de Beijing veja a página <http://www.tour-beijing.com/creative_industry_tour/>.

15
Veja alguns exemplos:

“Beijing’s Art Districts: From Creative Hubs to Entertainment Centres” (http://orgnets.net/urban_china/lietti).

“Can You Manufacture a Creative Cluster?” (http://orgnets.net/urban_china/butt).

“Moving Towards a Creative Society” (http://orgnets.net/urban_china/chang).

16
ABRAMI, R. M.; KIRBY, W. C.; MC FARLAN, W. “Por que a China não pode inovar”. Harvard Business Review, Agosto 2014, p. 64-68.

sobre a autora

Gabriela Celani é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e coordenadora do Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (LAPAC) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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