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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Relato expõe o processo de implantação da Casa da Cultura de Franca, construído na região central da cidade pela Prefeitura local e cuja gênese estava permeada pela preservação histórica, o que não ocorreu, numa cidade arredia ao seu patrimônio cultural.

english
Report exposes the deployment process of the House of Culture of Franca, built in the downtown area by the local municipality and whose genesis was permeated by historical preservation, which did not happen in a city aloof to their cultural heritage.

español
Informe expone el proceso de implementación de la Casa de Cultura de Franca, construida en el centro de la ciudad por el y cuya génesis fue permeada por la preservación histórica, lo que no ocurrió en una ciudad distante a su herencia cultural.

how to quote

DAVID, Daniele Caroline; FERREIRA, Mauro. Equívocos de uma Casa da Cultura e do artista francano. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 170.05, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.170/5297>.



Franca, cidade de médio porte localizada no extremo nordeste paulista e caracterizada por sua importante indústria calçadista, possuía 336.734 mil habitantes em 2013 (1). A despeito de sua expansão horizontal marcada por uma periferia habitacional extensiva e rarefeita, mostrada em vários estudos como de FELDMAN (2), teve investimentos em habitação social no centro da cidade, no passado.

Em 1942, o ditador Getúlio Vargas decretou a proibição do aumento de aluguéis (3), dentro de sua política de tentar conter a insatisfação popular com a alta de preços, a inflação e o desemprego urbano por medidas populistas e de aplicabilidade remota. A crescente urbanização e a falta de uma política habitacional consistente (na prática, realizada pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs), eram supridas parcialmente pelos investimentos privados em moradias de aluguel. A proibição formal de reajustes, porém, seria de difícil controle pelo governo numa situação de expansão urbana e de crescente industrialização. Mesmo com os riscos e insegurança gerados pela Lei do Inquilinato, a garantia da propriedade imobiliária era um ativo de alta liquidez, motivo pelo qual muitos empresários continuaram aplicando em imóveis de locação (4).

Após o final da ditadura Vargas, em 1945, esta situação não teve seu panorama modificado. Em Franca, um conjunto de sete pequenas moradias, construídas logo após o final da II Guerra Mundial fornecia testemunho significativo desta forma de produzir moradia para famílias de menor renda em zona central da cidade, próximas à praça de Nossa Senhora da Conceição, entre as ruas doutor Alcindo Conrado (antiga rua Silva Jardim), Monsenhor Rosa e praça Carlos Pacheco de Macedo. Naquela época, a cidade tinha aproximadamente trinta mil habitantes na zona urbana e sua economia ainda girava em torno da produção agropastoril, pois a indústria calçadista local estava iniciando a decolagem do seu processo de modernização (5).

Situação dos imóveis onde seria construída a futura Casa da Cultura em 2003
Fotos Mauro Ferreira

As casas foram construídas a mando de Elias Motta, um dos pioneiros da indústria coureira em Franca que, para isso, contratou o construtor licenciado Nilo Pirro e o projetista José Garcia. São casas geminadas, com um programa bastante simples, destinado a famílias de trabalhadores de baixa renda e com poucos filhos: um pequeno alpendre, uma sala, dois dormitórios, uma cozinha, um banheiro e uma área de serviço (6). Numa delas, nasceu a atriz de teatro, cinema e TV Regina Blois Duarte, em 5 de fevereiro de 1947, filha de um militar, instrutor do Tiro de Guerra de Franca. A certidão de nascimento da atriz traz o endereço do nascimento como Rua Silva Jardim, 322, cuja denominação foi posteriormente alterada para Rua Doutor Alcindo Ribeiro Conrado (7).

A área construída das edificações varia entre 60 e 86 m2 e durante pelo menos três décadas foram basicamente alugadas como habitação (8). Apesar do programa bastante simples para as moradias, houve preocupação estética com a aparência das edificações no projeto, através do uso de pilaretes pré-moldados torneados, detalhes de frisos, paredes recortadas inclinadas, concordâncias de vão em curvas. Os materiais empregados na construção foram usuais do período na cidade: paredes construídas com tijolos cerâmicos maciços, rebocados; esquadrias de portas e venezianas em madeira e janelas basculantes em ferro. A estrutura do telhado é de madeira e telhas francesas cerâmicas na cobertura.

Com o desenvolvimento da cidade e a transformação da região, bastante próxima à praça central da cidade e dos principais estabelecimentos comerciais e bancários, as habitações foram se transformando em escritórios, lojas e “repúblicas” estudantis, mas o conjunto ainda guardava parte significativa de suas feições originais.

Em 2003, um editor de revistas (9) sugeriu a ideia de implantar um novo equipamento cultural na casa onde a atriz nasceu, a partir da doação de seus figurinos, mas o projeto não foi adiante.

[Revista Enfoque, 2011. P. 52-52]

Em 2009, a prefeitura desapropriou repentinamente os sete imóveis do conjunto (10) e removeu seus usuários mediante decisão judicial, justificadas pela construção da Casa da Cultura e do Artista Francano, que abrigaria o acervo a ser doado pela artista. Foram gastos na desapropriação inicialmente R$ 1.1 milhão de reais, pois até o momento a ação não foi concluída (11).

Segundo o prefeito à época de divulgação do projeto, “além de abrigar a casa de uma artista nacional, o conjunto conta um pouco da história da habitação social de Franca”, acrescentando que “o conjunto guarda uma porção da paisagem urbana típica do início dos anos 50. No primeiro piso, será preservada a casa onde nasceu Regina Duarte, tanto no seu aspecto interno como externo” (12).

A construção foi iniciada em julho de 2012, com previsão contratual de finalização em 240 dias (13), mas sua entrega ocorreu somente em maio de 2014, após duas prorrogações de prazo justificadas pela diretora de fiscalização de obras públicas da Prefeitura, Gilcelene Nicolau Silva, que esse atraso nem deveria ser caracterizado como tal. “O edital da obra foi feito com um prazo inadequado. Uma obra daquela não se faz em nove meses. O tempo era insuficiente”, afirmou. “É uma obra de enorme complexidade, feita em um local muito delicado e muito movimentado (14)”.

Imagem do projeto divulgada em 2012 [Portal GCN]

O edifício, licitado com projeto desenvolvido pela própria Prefeitura, tinha um programa ambicioso: um teatro, o “museu da Regina Duarte”, espaços administrativos, cafeteria, espaços expositivos e outras atividades artísticas e culturais, com área construída prevista de aproximadamente mil e duzentos metros quadrados.

Trata-se de um “cubo” imaginário dividido em duas partes com três pavimentos. Seus acessos principais se dão pela Praça Carlos Pacheco e pela rua dos fundos (Alcindo Conrado), que atravessa o corpo do “cubo”, como uma rua coberta e tem sobre si pontes que interligam os pavimentos superiores. Ao invés de preservar e recuperar os imóveis habitacionais existentes como havia prometido o prefeito, eles foram demolidos, erguendo-se o “cubo” dentro do vazio gerado pela demolição, mantendo apenas partes da fachada de alguns deles (que funciona como um tapume fora de lugar). Os vãos decorrentes do projeto original das moradias ou mesmo os modificados ao longo do tempo foram preenchidos com tijolos e rebocados com argamassa, vedando a visão interna do térreo. A Carta de Veneza, documento internacional que define diretrizes para intervenções em obras de interesse histórico, foi desconhecida pelo projeto. Suas recomendações foram ignoradas pelo projeto de arquitetura: para quê conservar fachadas adulteradas (como um cenário), se eram as moradias proletárias destruídas (principalmente aquela onde nasceu a atriz) o mais importante a preservar?

Fachadas mantidas das habitações que ali existiam
Foto Daniele David

Interior da Casa da Cultura no espaço aonde era nasceu a atriz Regina Duarte
Foto Daniele David

Ruído na fachada externa gerado pela elevação da cumeeira
Foto Daniele David

Provavelmente em função das sucessivas alterações no projeto arquitetônico original e falta de detalhamento adequado, as soluções adotadas causam estranheza: levantou-se o centro da cumeeira para escondê-lo, gerando um ruído na fachada externa do “cubo”. O revestimento das empenas rebocadas com argamassa pintadas a látex exige contínua manutenção, ação em que a prefeitura não é bem avaliada. Não foi executado sistema de ar condicionado nem previstas vagas de estacionamento, apesar da exigência legal numa área objeto de acirrado debate sobre a falta de vagas na região entre várias entidades comerciais e a prefeitura (15).

Os usuários, ao descer pelas escadarias (cujo projeto interno foi bastante alterado em relação à Foto 4) ao pavimento térreo deparam-se com curvas de 90° e redução da largura da saída, dificultando o uso de eventual rota de fuga. A rampa construída, que não constava do projeto inicial, não obedece a NBR-9050, com larguras diferentes em quatro trechos. Observações iniciais do prédio recém-inaugurado mostram inúmeras outras patologias de projeto e execução, porém para descrevê-las seria necessário estudar com maior detalhe o edifício, o que não foi possível, pois os autores não conseguiram sequer acesso aos projetos efetivamente utilizados na obra e ao real autor do projeto de arquitetura.

Patamar reduz largura de saída da escadaria
Foto Daniele David

Projeto da rampa não atende a NBR-9050
Foto Daniele David

Projeto da rampa não atende a NBR-9050
Foto Daniele David

Os equipamentos públicos culturais de Franca são insuficientes para o porte da cidade, apenas sete equipamentos inseridos em um diâmetro de três quilômetros a partir da praça central. A implantação da Casa da Cultura e do Artista Francano no local escolhido e com as soluções adotadas por sua arquitetura permite discutir o setor cultural da cidade, sua distribuição espacial e função social.

Equipamentos culturais, para funcionar, não precisam ser obras novas, faraônicas ou consumir muito dinheiro público. Seus programas deveriam ser elaborados a partir de um processo prévio de discussão com criadores, produtores de cultura, usuários e artistas, no sentido de que a arquitetura atenda suas necessidades e aspirações. A justificativa para a obra revelou-se falsa, pois a casa onde nasceu a atriz foi demolida. Decidindo sozinho, como um faraó, o prefeito erigiu sua pirâmide. Mas terá valido a pena para a cidade investir milhões de reais para tal resultado?

O edifício, que já custou R$ 3,8 milhões aos contribuintes, não resolve os principais problemas do setor cultural, da preservação do patrimônio histórico e da região central de Franca. Ao contrário, só exacerba a acintosa falta de diálogo, insensibilidade e descaso da administração municipal com a cidade, sua arquitetura, cultura e patrimônio.

notas

1
Estimativa populacional em 2013 a partir de censo realizado em 2010 pelo IBGE.

2
FELDMAN, Sarah (coord.). Relatório da Pesquisa Programas de Gestão Integrada para o Município de Franca. São Carlos: FAPESP/ EESC-USP:2002.

3
Decreto-lei nº 4598, de 20 de agosto de 1942, iniciou a segunda fase da legislação do inquilinato na era Vargas.

4
BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil. Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade/FAPESP, 1998.

5
FERREIRA, Mauro. O Espaço Edificado e a Indústria Calçadista de Franca. Dissertação de Mestrado, São Carlos: EESC-USP, 1989.

6
Não conseguimos localizar o projeto aprovado das duas primeiras unidades, (aquelas situadas à rua Dr. Alcindo Conrado, números 1516 e 1522) porém elas eram iguais às situadas defronte a rua Oscar Brasilino Santos números 1513 e 1521 (praça Carlos Pacheco), aprovadas pela Prefeitura em 8 de setembro de 1948. As outras três unidades foram aprovadas em 23 de setembro de 1948, voltadas para a rua Monsenhor Rosa, números 387, 1393 e 1399.

7
Cópia da certidão de nascimento, Processo número 30.132/2003, folha 12, Prefeitura Municipal de Franca.

8
Cf. plantas aprovadas pela Prefeitura Municipal e arquivadas no Cadastro Municipal.

9
O empresário e editor César Colleti, amigo da atriz Regina Duarte. Ver revista Enfoque, nº 121, julho/2011 – p.52-56.

10
Decretos nº 9.384, de 10 de dezembro de 2009 e 9.400, de 07 de janeiro de 2010, declarando de utilidade pública os imóveis pela Prefeitura Municipal de Franca com vistas a implantar a Casa da Cultura e do Artista Francano.

11
Processo nº 196.01.2010.000963-7/000000-000 - nº ordem 64/2010 - Possessórias em geral - MUNICÍPIO DE FRANCA X ELIAS DE OLIVEIRA MOTTA E OUTROS – COMARCA DE FRANCA TERCEIRA VARA CÍVEL.

12
Revista Enfoque Franca – julho 2011, p. 55.

13
PORTAL GCN. Disponível em : <
http://www.gcn.net.br/noticia/168580/franca/2012/04/CASA-DA-CULTURA-D0-ARTISTA-FRANCAN0-ENTRA-EM-FASE-DE-LICITACA0-168580>. Acesso em: 29 abr. 2014.

14
MARTINS, Paulo. Comércio da Franca. Franca, 16 Ago. 2013. Caderno local p.03.

15
Disponível em: <http://www.acifranca.com.br/noticias1.asp?codigo=832>. Acesso em: 29 abr. 2014.

sobre os autores

Mauro Ferreira (Franca, 1952) é arquiteto (FAU Braz Cubas, 1974), doutor em arquitetura (IAUSC-USP), bolsista da FAPESP pós-doc na UNESP de Franca. Atua em sua cidade natal, realizando projetos de arquitetura e planejamento urbano. É ficcionista, com contos e romances publicados. É um dos dirigentes do movimento cultural Laboratório das Artes de Franca.

Daniele Caroline David (Franca, 1992) é estudante de graduação em Arquitetura e Urbanismo (FAU Unifran).

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