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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Esta história é sobre uma experiência de (re)urbanização de favela no Rio de Janeiro sob o olhar de uma arquiteta recém-formada. Talvez seja muita coisa para uma só história, embora possivelmente sejam muitas histórias para tão pouca coisa.

english
This is a story about an experience in re-urbanization of favelas in Rio de Janeiro on the perspective of a newly-graduated architect. Perhaps it is too many things for just one story, while it might be a lot of stories for so little stuff.

how to quote

CARVALHO, Camila Lima e Silva de. Uma história do Alemão. Ou uma crítica ao urbanismo carioca. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 186.03, Vitruvius, jan. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.186/5890>.


Complexo do Alemão
Foto Camila Carvalho


O Alemão é o mundo ou uma das maiores favelas do Rio, se vocês preferirem. Quando eu penso no Alemão eu penso em grandeza. Não só pelo seu tamanho, mas pelo o que ele pode ensinar. E tudo o que pode ensinar é grande, é enorme. Esta é uma das muitas histórias que pretendo contar sobre o Alemão e as pessoas que fazem parte dele, mas são também histórias sobre mim. Ou sobre o que eu aprendi com as pessoas de lá.

Lembro que era novembro, um mês quente de 2013. Eu deveria ficar numa das estações do teleférico, fazendo desenhos de arquitetura e praças que nunca chegariam a ser construídas. Vez por outra chegava alguém para me consultar sobre o projeto. Na verdade, eram poucas, bem poucas pessoas. Sempre achei que eles já estavam cansados de tantos projetos que nunca se materializavam ou que nunca atendiam ao que eles queriam ou precisavam.

Pois neste dia, chegou uma senhora. Eu, arquiteta recém-formada, achando que sabia tudo e não sabia nada, me pus a explicar "o projeto". E, claro, comecei pelas praças, que eu achava ser a melhor parte. Pois bem, falei, mostrando os desenhos:

– Olha, aqui neste ponto central, vamos construir uma praça. Na porção leste, colocaremos equipamentos para uma academia da terceira idade, enquanto mais ao sul faremos um parquinho para as crianças com materiais reciclados. Pensamos em compartilhar os usos para que vocês possam fazer exercícios enquanto as suas crianças brincam.

Terminei de explicar com um sorriso no rosto, como se tivesse lido os pensamentos daquela senhora e feito um projeto para ela. Mas percebi que ela continuava com um semblante preocupado. Durante alguns segundos, tentei decifrar seus pensamentos e pensei: "Bom, ela certamente tem filhos e netos, então por que não estaria feliz com uma praça?" Ela parecia estar procurando o melhor jeito de se explicar. E quando finalmente pareceu pronta, disse-me o seguinte (o que não precisava ter dito se a minha sensibilidade fosse um pouco maior do que a minha experiência de vida):

– Filha, acho muito bonita a praça. Mas a gente aqui não quer isso, não. Eu tenho seis filhos e onze netos, todos moram na mesma casa que foi crescendo pra cima e para os lados para caber tanta gente e ainda assim não cabe bem. Tenho 65 anos e preciso trabalhar, mas não posso porque tenho que ficar com os netos. A gente não precisa de praça, a gente precisa de creche. Se tivesse uma creche aqui no morro, eu poderia deixar eles e ir trabalhar. Desculpa, mas eu acho que essa praça aí ninguém vai usar.

Ela saiu. Ou disse mais alguma coisa antes que eu não me lembro porque estava atordoada demais para me lembrar. Era óbvio. Passei o resto do dia pensando no que ela me falou. Nunca me esqueci da sua fala, muito menos do seu rosto preocupado, procurando palavras para se expressar. Quem devia desculpas era eu; bom, não exatamente eu, é claro, mas as instituições e forças sociais das quais eu não era senão uma ponta de lança. Aquela senhora me ensinou algo que eu nunca aprendera na faculdade: não transferir as minhas necessidades e preconceitos para um lugar que eu não conheço. Ela, do alto da sua sabedoria, sabia que eu estava querendo fazer o melhor. Mas ela me fez entender: quem sou eu pra saber o melhor? E foi também um ensinamento para a vida.

Eu não poderia fazer nada, ainda não posso. Mas posso contar histórias do que eu aprendi por lá, talvez seja fazer alguma coisa...

nota

NA – Essa história faz parte do projeto Histórias do Rio que a autora está desenvolvendo. O objetivo é contar histórias relacionadas à atuação profissional como arquiteta e urbanista nas favelas. Mas também, contar histórias sobre as relações e percepções em diversos bairros do Rio de Janeiro. É, sobretudo, uma reflexão sobre a cidade e o urbanismo do Rio.

sobre a autora

Camila Lima e Silva de Carvalho é arquiteta e urbanista formada pela UFRRJ, especialista em Política e Planejamento Urbano pelo IPPUR/UFRJ e mestranda em Planejamento Urbano e Regional pela mesma instituição. Trabalhou com (re)urbanização de favelas em programas como Morar Carioca e Habitação de Interesse Social. Atualmente realiza pesquisas sobre desigualdade e segregação no Rio de Janeiro.

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