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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Nos anos 1980, em Santos, possibilitou-se construir subsolos até 1,40m acima do nível da via, com vários elementos construtivos no recuo frontal, prejudicando a integração entre o pavimento térreo e a calçada, degradando-se a paisagem urbana.

english
In the 1980s, in Santos, it was possible to construct subsoils up to 1.40m above the level, with several constructive elements in the frontal build back, hampering the integration between the ground floor and the sidewalk, degrading the urban landscape.

español
En la década de 1980, en Santos, se permitió construir sótanos hasta 1,40m por encima del nivel de la calle, con varios elementos en el retranqueo mínimo, dañando la integración entre la planta baja y la acera, degradando el paisaje urbano.

how to quote

CARRIÇO, José Marques. Afloramento do subsolo em Santos. A eliminação da interface entre espaço público e privado. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 201.02, Vitruvius, abr. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.201/6475>.


Edifício em Santos
Foto José Marques Carriço


Este trabalho objetiva evidenciar os impactos na paisagem urbana do município de Santos, localizado no litoral de São Paulo, devido a aplicação de norma urbanística que permite a construção de subsolos de edifícios verticais, com o assim chamado “afloramento” das lajes de cobertura destes pavimentos, até o limite de 1,40 metros de altura acima do nível da rua, contados da face superior das lajes.

Santos é o polo da Região Metropolitana da Baixada Santista (1), integrando junto com outros cinco municípios, área conurbada com cerca de 1.538.361 habitantes (2). Por ser a cidade sede do Porto de Santos, o maior do país, possui intensa circulação de bens e de pessoas em sua área urbana, onde vivem cerca de 99% da população estimada de 434.359 habitantes, conforme a mesma fonte.

Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito, em dezembro de 2016, o município contava com uma frota de 0,33 automóveis por habitante, contra 0,45 da capital paulista. Contudo, embora esta proporção não se aproxime das maiores cidades do estado, o contínuo crescimento da frota, desde o início da década passada, é agravado pela alta densidade de viagens, em área urbana (3) com apenas 39 km².

Este aumento da frota de automóveis apresenta outra consequência além do trânsito intenso, pois vem induzindo o mercado imobiliário a ofertar unidades residenciais com maior número de vagas privativas. Desde o início da década passada, a oferta de duas vagas por unidade passou a ser o padrão do mercado, demandando mais espaço nos edifícios e apresentando inconvenientes como elevação do custo das unidades e prejuízos à paisagem urbana.

Embora Santos seja uma das cidades brasileiras com maior tradição em regulação urbanística, que remonta ao final do século 19 (4), as leis de zoneamento de uso e ocupação do solo nem sempre têm apresentado resultados satisfatórios em termos de desenho urbano.

O caso específico dos subsolos “aflorados” relaciona-se diretamente com a exigência crescente de oferta de vagas de automóveis nos empreendimentos imobiliários, o que não é fenômeno recente (5). Desde os anos 1980 o setor imobiliário pressionava a prefeitura, para alterar normas urbanísticas, permitindo a oferta de maior número de vagas. Devido à altura significativa do lençol freático em Santos, esta alteração resultou em um modelo de edifício com subsolo semienterrado e nível do térreo elevado, afetando o desenho dos empreendimentos, sobretudo no nível da rua.

A redação original o parágrafo 4º, do artigo 209, do Plano Diretor Físico de Santos, Lei Nº 3.529 de 1968, assim dispunha acerca das “dependências e/ou garagens domiciliares”:

“Quando localizadas no subsolo, as garagens domiciliares poderão ocupar toda a superfície do lote, respeitado o recuo frontal obrigatório, sendo permitido elevar a parte superior da cobertura até 0,80 m (oitenta centímetros), no máximo, acima do nível do meio-fio fronteiro” (6).

Portanto, desde então era possível construir o térreo a partir de uma cota de nível elevada, mas não era usual, em face da necessidade de oferta de vagas ser menor. Nesta época, o Plano Diretor possuía dispositivo dedicado ao alinhamento e ao nivelamento dos lotes, com relação à via pública, que posteriormente foi revogado, resultando em uma série de inconvenientes em termos de inserção urbana das edificações. Segundo o artigo 55 do Plano, nenhuma construção poderia ser executada sem que fossem fornecidos alinhamento e nivelamento do logradouro público, pela prefeitura, denotando a preocupação com a interface entre espaços públicos e privados.

No artigo 303 da referida lei, proibiu-se (7) a construção de “muros, muros divisórios, muros de testada dos terrenos, muretas ou quaisquer outros tipos de vedação”, no recuo frontal dos terrenos com edifícios de mais de quatro pavimentos, revelando que a preocupação com o espaço de transição dos edifícios verticais e os logradouros era efetiva.

Em 1984, foi sancionada a Lei Nº 21, que alterou a redação dos parágrafos 3º e 4º do artigo 209 do Plano Diretor, revogando o parágrafo 4º e dando a seguinte redação ao 3º:

“§ 3º Quando localizadas no subsolo, as garagens poderão ocupar toda a superfície do lote, respeitando o recuo frontal obrigatório, sendo permitido elevar a parte superior da cobertura até 1,40 m (um metro e quarenta centímetro), no máximo, acima do nível do meio-fio fronteiro” (8).

Este dispositivo permitiu a construção de pavimentos de garagem semienterrados, reduzindo os impactos do lençol freático alto, de forma que os pisos dos pavimentos térreos passaram a ser construídos em cota muito mais elevada, promovendo mudanças substanciais na paisagem da cidade já bastante verticalizada (9), pois o padrão anterior, de matriz modernista, caracterizava-se por um parque de edifícios com baixo nível de ocupação no pavimento térreo, constituído por pilotis e sem construção de muros ou grades no alinhamento frontal.

Alinhamento de lote com construção de subsolo “aflorado”
Foto José Marques Carriço

A imagem acima apresenta o resultado do afloramento do subsolo, em termos de interface com o espaço da calçada. No alinhamento frontal de lote de empreendimento construído em 2003, na vigência da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular do Município, Lei Complementar Nº 312, de 1998 (10), que manteve a mesma regra para construção de subsolos, nota-se, sucessivamente, arranque de rampa de acesso de automóveis ao térreo, canteiro elevado com mureta, arranque da rampa de acesso de automóveis ao subsolo, acesso de pedestres com fechamento envidraçado, outro canteiro com mureta e outro arranque de rampa de acesso de automóveis ao térreo. Sobre a elevação do recuo frontal são implantados reservatórios de água e guarita de vigilância, ao nível dos olhos dos pedestres, criando um obstáculo visual contínuo, que gera sensação de confinamento para quem caminha pela calçada. No caso das rampas de acesso de veículos, sem reserva de espaço para acomodação dos mesmos, a partir do alinhamento do lote, cria-se situação de insegurança, vivenciada constantemente pelos pedestres nos bairros mais verticalizados.

Elementos construtivos no recuo frontal de empreendimento com “subsolo aflorado”
Foto José Marques Carriço

Na foto acima, em edifício construído em 2009, observa-se o problema mais recente devido à inclusão de rampas de acessibilidade para portadores de deficiência, que vêm ocupando o recuo frontal dos empreendimentos, ampliando a quantidade de elementos construídos neste espaço exíguo, criando ainda mais “ruídos” na leitura da paisagem.

Recuo frontal mínimo na maior extensão do alinhamento em lote de esquina, com subsolo “aflorado”
Foto José Marques Carriço

Desde a vigência do Plano Diretor de 1968, na maior parte das vias. é permitido reduzir o recuo frontal mínimo, na maior extensão do alinhamento, quando o lote se localiza em esquina. A foto acima mostra o resultado da aplicação deste dispositivo, no caso de um empreendimento de 1978, com “afloramento” do subsolo, ampliando-se ainda mais a sensação de confinamento do pedestre.

Edifício sobre pilotis, de 1965, com imperceptível diferença de nível entre térreo e calçada
Foto José Marques Carriço

Na foto acima, em edifício sobre pilotis, de 1965, observa-se o gradeamento do térreo, na projeção da fachada frontal, executado recentemente. Ainda assim, a integração com a calçada é de boa qualidade, devido à imperceptível diferença de nível entre térreo e calçada.

Recuo frontal de empreendimento com baia de embarque e desembarque
Foto José Marques Carriço

Na foto acima observa-se caso de razoável qualidade de integração entre calçada e recuo frontal, em edifício construído em 1974, em que a existência de baia de embarque e desembarque limita o espaço dos pedestres.

Envidraçamento sobre o alinhamento frontal de lote
Foto José Marques Carriço

A imagem acima mostra a tendência atual de envidraçamento sobre o alinhamento do lote, visando amenizar os efeitos da vedação do recuo frontal em empreendimentos antigos, construídos sem muros frontais. Pretensamente, objetiva-se conferir transparência à vedação, o que só ocorre de acordo com o ângulo de visão do observador, em face da incidência da luz, que na maior parte das situações cria opacidade, como se observa pela imagem.

É importante ressaltar que outros municípios com proporção de automóveis por habitante, bem maior que Santos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, não adotaram a solução do afloramento de subsolos, garantindo, assim, um bom nível de integração entre os pavimentos térreos e as calçadas. Destaca-se o caso da capital fluminense, que por ser cidade litorânea possui o mesmo inconveniente de altura do lençol freático, mas é um exemplo satisfatório de inserção urbana dos empreendimentos imobiliários, no tocante ao caso estudado.

Portanto, conclui-se que a busca de ampliação da oferta de vagas de automóveis induziu mudança na legislação urbanística de Santos, que vem criando uma paisagem confinada e de difícil legibilidade, prejudicando a integração entre espaço público e privado. A justaposição de edifícios construídos com subsolos aflorados agrava ainda mais esta situação, como se observa nos bairros com maior densidade construtiva da cidade, contribuindo para a criação de uma imagem de cidade murada, que traz falsa sensação de segurança, pois reduz ainda mais as oportunidades de sociabilidade, cada vez mais necessárias nos dias de hoje.

Edifício em Santos
Foto José Marques Carriço

notas

1
Esta região é composta por nove municípios.

2
FUNDAÇÂO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Cidades@, 2016. Disponível em: www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php?lang=_EN. Acesso em 03 mar. 2017.

3
A área urbana de Santos divide a Ilha de São Vicente com a sede do município de mesmo nome.

4
CARRIÇO, José Marques. Legislação urbanística e segregação espacial nos municípios centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista. 2002. Dissertação (mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP, São Paulo.

5
O Decreto-lei Nº 403, de 1945, em seu artigo 360, já estabelecia a obrigatoriedade de oferta de pelo menos uma vaga de automóvel para cada duas unidades, em edifícios de apartamento. SANTOS (Município). Decreto-lei Nº 403, de 15 de setembro de 1945, Código de Obras do Município de Santos.

6
SANTOS (Município). Lei Nº 3.529, de 16 de abril de 1968, Plano Diretor Físico do Município de Santos.

7
Este dispositivo permanece em vigor, embora o Plano Diretor Físico tenha sido derrogado em sua maior parte. Contudo, o Poder Público não vem fazendo cumprir esta norma.

8
SANTOS (Município). Lei Nº 21, de 27 de novembro de 1984, altera a Redação de Dispositivos das Leis Nºs 3.529 e 3.530, de 16 de abril de 1968.

9
Segundo o Censo IBGE de 2010, Santos é o município brasileiro com maior índice de verticalização, pois cerca de 83% dos domicílios são do tipo apartamento.

10
SANTOS (Município). Lei Complementar Nº 312, de 24 de novembro de 1998, Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular do Município. A atual Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular do Município, Lei Complementar Nº 730, de 2011 não alterou esta permissividade. SANTOS (Município). Lei Complementar Nº 730, de 11 de julho de 2011, Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular do Município.

sobre o autor

José Marques Carriço é doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e professor titular da Universidade Católica de Santos.

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