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Zaha Hadid, ao conceber o MAXXI – Museu de Arte do Século XXI de Roma, concebeu um interior capilarizado, fluido, contínuo, sobretudo na vertical, que sugere ao visitante transposições contínuas em espaços que se ajustam às reentrâncias da cidade

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GUATELLI, Igor. O MAXXI e o delírio de Zaha Hadid em Roma. Projetos, São Paulo, ano 11, n. 129.03, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.129/4043>.


MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Foto de maquete © Zaha Hadid Architects

E se para falar de um edifício arquitetônico, nosso assunto fosse não a descrição do edifício em si, mas sua relação, física e simbólica, com a cidade? Relações entre urbano e arquitetura se sobreporiam à coisa-em-si. Se para teorizar sobre a arquitetura metropolitana fin de siècle, Koolhaas falou de uma Nova York delirante, a Roma delirante poderia ser a questão ao falarmos do MAXXI. Arquitetura será o assunto, portanto, a cidade é o assunto.

Etimologicamente, o termo delirar tem relação com a palavra latina lira, usada pelos romanos para definir os limites das cidades; segundo Massimo Cacciari, o termo significa o “sulco” que definia o limite das cidades romanas.

Porém, ainda conforme Cacciari, em sua obra “Cidade” (1), Roma cultivava o de-lirar, o de-lírio, uma intenção de ir além dos limites, corromper o sulco; Roma não reconhecia limites. O sentido de uma Roma Mobilis estava associado a idéia de uma cidade em movimento, em permanente movimento, sem fronteiras. Atravessar territórios era mais importante que conformá-los.

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Croquis Zaha Hadid Architects

Do norte da África e por todo o mediterrâneo, bastava estar sob a lei de Roma para ser um romano, mesmo não guardando quaisquer vínculos étnicos com a cidade. Um grupo de pessoas sob a lei romana já era o suficiente para “pertencer” à Roma. Portanto, ao contrário da polis grega, da idéia grega de cidade, a noção de cidade romana estava menos associada à construção de um território físico preciso, de um éthos, e mais à construção de uma territorilidade dada pela aglomeração de pessoas sob uma lei.

Na civitas romana – principalmente durante a república, antes do império – as relações de pertencimento, da convivência entre iguais, próprio da pólis grega davam lugar a idéia de aliança permanente. As cidades romanas pareciam constituir-se a partir da noção de um convite ao outro e uma aparente hospitalidade. O Estado romano em territórios além Roma formava-se a partir do encontro, mistura, convívio e obediência à lei de Roma.

Ao contrário da pouca permeabilidade ou acessibilidade das fronteiras das cidades gregas, as fronteiras das cidades romanas eram muito porosas e voláteis. Mesmo não sendo etnicamente um romano, o cidadão era um romano apenas por compartilhar e residir em um território regido pela lei romana. O direito de residência antecedia o direito de visita.

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Render Zaha Hadid Architects

Nas cidades gregas, residiam na pólis apenas aqueles cujas raízes lhe davam o direito de pertencer àquele lugar, o contrário, seria um visitante, sem direito à terra. Na civitas romana, bastava chegar e aderir à lei de Roma para ser um residente.

Aparentemente, tanto a pólis grega como a civitas romana permitiam o acesso e a passagem por seus territórios, porém, com uma considerável diferença dada pelo pertencimento, por um lado, e vontade de adesão, do outro. Viver na civitas romana não dependia de laços de sangue ou da comprovação de parentescos e filiações, bastava aderir à lei do estado romano.

Mas, evidente que seria ingênuo achar que a idéia de uma Roma sem limites, de fronteiras móveis, uma cidade global, estava associada a algum espírito benevolente, inclusivista e não expansionista. A Roma que delirava, a Roma mobilis, de fronteiras móveis, havia construído consolidado o espírito expansionista a partir de uma combinação dada pela porosidade de suas fronteiras, convite ao outrem e uma força de agregação e amálgama garantida pela lei. Mas talvez não seja esse o ponto a ser enfatizado mas, sim, a maneira como a civitas se estruturava como um suporte que garantisse o compartilhamento incondicional da terra.

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Render Zaha Hadid Architects

A civitas romana se estruturava a partir de uma lógica trans e não da apropriação ou do próprio, o que parecia ser típico da pólis grega. Tal lógica iniciava-se com o permanente desejo de transposição das voláteis fronteiras; os limites existiam apenas circustancialmente e momentaneamente, estavam alí para serem transpostos pela lei que pretendia organizar terras além. Quando essa lei passava a operar sobre esses “novos” territórios, suas estruturações davam-se, normalmente, por meio de uma arquitetura infra-estrutural.

A fim de garantir transposições permanentes, trangressões culturais motivadas pela mistura e uma transcendência étnica dada pelo convite e reconhecimento facilitado do outro como pertencente ao lugar, uma infra-estrutura baseada em transportes era montada. Aquedutos, para transporte da água, rede de esgotos e estradas de ligação entre cidades e com Roma garantiam convivência e o direito mínimo de acesso de todos aos territórios, às civitas romanas. Arquiteturas de linhas, suportes de deslocamentos, e não de templos.

Passados pouco mais de dois milênios, novamente em tempos de globalização, os desejados territórios mobilis , ou cidades mobilis de hoje parecem transitar entre a pólis grega e a civitas romana, parecem conservar o “DNA” de ambas, principalmente no que concerne à construção de bordas e fronteiras. Nas cidades delirantes da atualidade, “muralidades” reais e virtuais convivem com territórios que se constituem a partir de multidões em movimento. A tônica parece ser a constituição de territórios a partir de templos e a máxima mobilidade na macro-escala de uma massa constantemente em trânsito.

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Desenho Zaha Hadid Architects

Cidades de templos auto-referenciais (os museus seriam as “musas” dessa lógica) e/ou do apagamento de limites interterritoriais, de que cidade trata Hadid ao conceber seu museu?

Um museu des-enraizado

O MAXXI poderia ser mais uma “flor desabrochada” (como disse certa vez Charles Jencks sobre o museu Guggenheim, projeto de Frank Ghery) na “cidade aberta”. Como o paradigmático e figurativo objeto-museu Guggenheim de Bilbao e tantos outros, o MAXXI poderia ser mais uma “musa” em uma cidade-museu. Mas, ao contrário de criar mais um onipresente templo, Hadid opta por espraiar seu edifício pelas lacunas de um micro-território. Ao “ajustar” seu estranho edifício pelos meandros dos edifícios históricos, parece se aproximar da “civitas” romana. A edificação chega para colocar-se com e não para monumentalizar-se.

O projeto, apesar de formalmente dissonante e abstrato, parece pertencer ao local ao espalhar suas “raízes” por entre as edificações existentes. Gramaticalmente estranho, chega e se “enraíza”, diluindo-se nos interstícios da cidade. Flagrante e visualmente de outras “paragens” estilísticas, mistura-se com os demais ao incorporá-los e ser incorporado por eles. Não parece constituir-se como um eterno “alien” [do além] na paisagem romana. Nem próprio do lugar, nem um monumento alienado, mas um “estrangeiro” que imbrica e se amolda ao local.

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Desenho Zaha Hadid Architects

Amorfo, de difícil visualização em sua totalidade, vai esparramando-se pelos vazios. O ótico compositivo da forma monumentalizada em-si-mesma dá lugar às deformidades topológicas. As fronteiras históricas intimidadoras de um local “histórico” transformam-se em bordas que acolhem e se misturam ao corpo estranho que adentra. Metaforicamente, como na filosofia deleuzeana, e, paradoxalmente, Hadid projeta um feixe de “estrias” que, ao invés de tornar o lugar ainda mais estriado (2), auto-referente, oticamente marcado, alisa-o, torna-o fluido, multi-direcional.

Acolhido, o museu também parece acolher o estranho que adentra. Um espaço interno capilarizado, fluido, contínuo, sobretudo na vertical, sugere ao visitante transposições contínuas, uma deriva constante por locais apenas sulcados, não fronteiriços, não precisamente delimitados. Parece não haver dentro e fora, interno e externo no espaço do museu; há uma topografia artificial composta de sulcos que envolvem o transeunte em um de-lirante passeio.

Transitar pelo museu, pelos “intermezzos” do museu, torna-se uma experiência estética profunda, não apenas visual. Como na obra “Quadros de uma exposição”, do compositor russo Modest Mussorgsky, a força está nos momentos de “promenade”. Na composição, o epifânico intermezzo/refrão simboliza os períodos de deslocamentos entre as salas onde estariam os “quadros” da exposição. O “intermezzo” é a articulação entre “quadros”.

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Foto de maquete Zaha Hadid ArchitectsFoto Iwan Baan

Como na música de Mussorgsky, a força do museu estaria no entre espaços, nas linhas articuladoras dos edifícios pré-existentes ou ambientes internos do museu. O intervalo torna-se a substância ao subordinar os ambientes de parada e permanência do museu ao percurso que ocorre justamente no intervalo entre ambientes. Ao contrário do Guggenheim de Bilbao, concebido a partir da primazia do ótico, para ser contemplado à distância, a prerrogativa do MAXXI é de ser um espaço háptico, da proximidade e experiência corpórea intensa.

Hadid cria uma espécie de micro-civitas dentro da civitas. Não há lugares, mas um território móvel, desierarquizado, local da mobilidade e fluidez. Manipulações topológicas do espaço aproximam locais distantes ao “fluidificá-lo” e desestratificá-lo. Através de um território oblíquo, Hadid deslimita, fisicamente, espaços horizontais e verticais.

As desejadas ubiquidade e integridade formal/visual da arquitetura de “templos” da contemporaneidade dão lugar a uma arquitetura de feixe de linhas obliquas, esparramadas entre coisas. As disformes linhas (3) são vetores articuladores de espaços e não determinações métricas a serviço de demarcações e conformações de invioláveis e ensimesmadas formas na paisagem. Como no espaço liso deleuzeano, o espaço do museu é multi-direcional, e não métrico ou dimensional. Tamanho e proporção não parecem importar, o que importa é o contínuo deslocamento e propagação por um espaço apenas sulcado por linhas que o atravessam, tal como uma civitas.

Sim, há sempre o risco do apenas sulcado tornar-se uma marca de diferenciação, indiferente aos lugares; porém, não há projeto sem projetar-se entre a chance e o risco, desde que a cidade seja a questão e o projeto arquitetônico não tenha a pretensão de ser auto-museificável, apenas mais um quadro nas cidades expositoras de nosso tempo. A cidade não desaparece ou definha, é um vir-a-ser eterno; que vir-a-ser pode ser esse para a arquitetura?

MAXXI – Museu de Arte do Século XXI, Roma, Itália, 1998-2009. Zaha Hadid Architects
Foto Roland Halbe

notas

1
Ver CACCIARI, Massimo. A cidade. Barcelona, Gustavo Gilli, 2010.

2
No volume 5 da obra Mil Platôs-Capitalismo e Esquizofrenia, Gilles Deleuze e Felix Guattari pensam os processos de territorializações através do binômio “o Liso e o Estriado”. O espaço liso, alisado, seria o território do nômade, dos fluxos, da indiferenciação. A intensidade estaria justamente na ilimitada possibilidade de fruição contínua pelo território. O espaço estriado, ao contrário, seria o território do sedentário; muito marcado por referências, por “estrias”, seria o território da predominância do ótico contemplativo e não da travessia. DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Felix. Mil platôs. capitalismo e esquizofrenia. Volume 5. São Paulo, Editora 34, 1997.

3
Tal como definido por Husserl, Hadid trabalha com uma proto-geometria, nem idealmente exata, nem inexata por acaso, mas por opção; uma geometria anexata, como diz Deleuze.

sobre o autor

Igor Guatelli, arquiteto formado pela FAU–USP, mestre pela FAU–USP e doutor pela FFLCH–USP, professor da FAU–Mackenzie.

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