A cena pode ser admirada com alguma regularidade desde 2009: uma casa navega sobre a água do Ijmeer próximo a Amsterdam, algumas vezes até em grupos de dois ou três, puxadas por um rebocador e controladas por um segundo barco na parte de trás. Com dificuldade adequada, este conjunto manobra através de uma série de barreiras que são pouco maior que a própria casa. A casa é então perfeitamente encaixada a um deque nas águas interiores, precisamente no local designado. Lá, será fixada a dois pólos de amarração.

Floating Amsterdam
Video Helena Guerra

Aproximadamente cem casas já navegaram para dentro do lago até agora. Juntas, elas formam o primeiro complexo em larga escala de casas flutuantes na Holanda. Se olharmos para os sinais, não será o ultimo. O espaço para o desenvolvimento urbano na Holanda, e em Amsterdam em particular, é escasso. Ao mesmo tempo, mais espaço será ocupado pela água, como um resultado das alterações climáticas esperadas. Esse não o caso somente na Holanda, mas também nos deltas em todo o mundo. Usar uma parte da água como terreno para construção pode aumentar enormemente as possibilidades de desenvolvimento das cidades.

Enquanto se planejava Ijburg, o projeto de expansão urbana para o leste de Amsterdam, Steigereiland (as ‘ilhas de deques’) era designada como área experimental. Ijburg encontra-se em ilhas artificiais no IJmeer, sem a pista-deque, comum nas práticas convencionais de recuperação. Como resultado a água está presente em todo o entorno, concedendo ao distrito sua única e distinta característica de cidade arquipélago. É o lugar ideal para se explorar as oportunidades de construção na água com densidade urbana, elaborando iniciativas de única ou algumas casas em outros lugares do País. Isso foi realizado em duas variedades: na porção oeste do lago com um projeto-base, e na porção leste por meio de concessão à iniciativa privada, livre de regulamentações que considerem a aparência arquitetônica.

Basicamente, uma casa flutuante difere apenas em um aspecto das outras casas de Amsterdam: elas estão sobre a água ao invés de apoiadas em estacas. Mas essa única diferença tem muitas consequências, desde lustres balançando até divergentes hipotecas, e riscos quanto a qualidade da água nos deques, que tem que ser resistente a todas as condições climáticas. Muitas das coisas que são rotineiras em terra tiveram que ser reinventadas, tecnicamente, legalmente e financeiramente, e todas no nível do desenvolvimento urbano e das questões organizacionais. E, no fim, tudo foi reinventado, mesmo que às vezes por meio de tentativa e erro.

Waterbuurt (‘quadra aquática’) está situada imediatamente atrás da Ponte Enneüs Heerma, uma importante conexão entre Ijburg e o resto de Amsterdam. Quando os planos para Ijburg começaram a tomar a forma final no início dos anos 90, logo ficou claro que água e edifícios determinariam juntos a atmosfera da área. O grande déficit habitacional requeria edifícios com densidade elevada, e, uma vez que Ijburg é um distrito de Amsterdam, a área tinha que ser alegre e movimentada. O amplo boulevard, com linha de trem no meio, vinda direto da Ponte Enneüs Heerma, se encaixa nas características. Nesse boulevard – chamado Ijburglaan – podemos encontrar lojas, escritórios e bares, além das casas. O experimental Steigereiland é o frontispício de Ijburg: um posto avançado antes dos visitantes alcançarem as grandes ilhas situadas atrás. Definitivamente existem coisas acontecendo por lá. A sudoeste de Ijburglaan, no lado oposto de Waterbuurt, as construções privadas livres de regulamentações que consideram a aparência arquitetônica levaram a uma série de casas especiais. A noroeste desse boulevard, nas águas interiores protegidas que é separada, por meio de deques e uma série de barreiras, do amplo e às vezes turbulento Ijmeer, encontramos as casas flutuantes do Waterbuurt propriamente ditas.

Vendo do Ijburglaan, esse extraordinário quarteirão não é exatamente um ponto de referência. As casas flutuantes estão escondidas atrás de um alongado edifício residencial e comercial, o Kadegebouw (‘edifício cais’). O kadegebouw é arquitetonicamente relacionado ao projeto-base das casas flutuantes, mas foi construído em uma plataforma em sentido oposto ao cais. De acordo com o design urbano original, um edifício de apartamentos de aproximadamente trinta metros de altura, o Sluishuis, se tronaria o ponto de referência ao adentrar a cidade. Por enquanto, o edifício não será construído. Se as perspectivas econômicas melhorarem, o assunto pode voltar à tona.

Fotografia aérea do bairro flutuante
foto Mirande Phernambucq

Perpendicular à margem, logo atrás do Kadegebouw, os deques com as casas flutuantes, repousam no corpo interior da água. Esses deques são públicos e podem ser acessados através de portões abaixo do Kadegebouw. As frentes formam uma linha diagonal, paralela aos cabos de energia que correm debaixo d’água com torres de transmissão de energia elétrica ao centro. Em deques similares no outro lado do rio estão as casas flutuantes construídas por concessão privada. No total, são 93 casas flutuantes já construídas, outras 72 com previsão de construção, e mais um pequeno número de casas-barco atracadas em outros lugares de Amsterdam. Waterbuurt West alcançou a densidade de aproximadamente cem casas por hectare, o que é comparável à área Jordaan no centro de Amsterdam.

Em Waterbuurt, existem mais formas de vida marítima que as casas flutuantes. Três altos edifícios de habitação situados na água marcam o cruzamento das pontes entre os deques na seção do projeto-base. Dezessete casas-deque construídas sobre estacas na água estão situadas ao longo do Harinbuisdijk, a oeste. E o Kadegebouw foi construído diretamente na costa, sem ruas públicas entre a fachada do edifício e a água. Todas essas formas de viver derivam de uma qualidade especial da água, e, portanto, pertencem a Ijburg. Entretanto, esses edifícios exigem menos da engenhosidade dos deseigners, desenvolvedores, governantes e fornecedores do que as casas flutuantes e os deques em que eles se situam.

O número de pré-registros para as casas flutuantes e as parcelas de água foram explosivos. Toda casa e toda parcela parecem terem sido vendidas inúmeras vezes, a entusiastas dos esportes aquáticos que queriam seus barcos ancorados próximos as suas casas, a antigos moradores de casas-barco que retornaram à Amsterdam, às pessoas que foram atraídas pelo sentimento de liberdade que vem junto com o fato de morar na água. Outra parte de interessados eram as pessoas que estavam apenas procurando por uma agradável casa unifamiliar ou um lugar livre de regulamentações considerando a aparência arquitetônica, seja na terra ou na água. Durante o processo de venda, o Banco Norte Americano Lehman Brothers quebrou, iniciando uma crise financeira global.

Detalhe das instalações sanitárias e elétricas nos decks de ancoragem
divulgação

Os espaços privados já haviam sido rifados e emitidos, mas muitos candidatos ao projeto-base tiveram que retroceder. Contudo, o interesse permaneceu tão grande que levou pouco tempo para que todas as casas fossem vendidas aos futuros habitantes. Em um tempo em que toda cidade está à procura de variados e distintos ambientes de moradia, onde qualidade de vida é um fator de importância no que diz respeito ao desenvolvimento econômico, isso é um importante sinal. Morar na água, em uma casa apropriada em vez de em uma casa-barco, responde a uma necessidade. Também em uma configuração urbana distinta, tal como Ijburg.

notas

NE1
Helena Guerra participou do Mediatour Building and Design, ocorrido de 15 a 20 de abril de 2012, que visitou projetos de arquitetura e urbanismo em algumas cidades holandesas. O evento foi organizado pelo Ministério de Assuntos Econômicos, Agricultura e Inovação e o convite ao portal Vitruvius foi feito por Sara M. Cohen, chefe do Departamento de Assuntos Políticos, Diplomacia Pública e Cultura da Embaixada da Holanda em Brasília.

NE2
Nina Dalla Bernardina, aluna da FAU Mackenzie, é a responsável pela edição especial da revista Projetos sobre a Holanda. Patrícia Oliveira Lima, aluna do curso de arquitetura do Senac, colaborou na edição. Ambas são estagiárias no portal Vitruvius.