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O projeto para a Casa Cavanelas, do arquiteto Oscar Niemeyer, é interpretada por Luca Bullaro a partir do método de trabalho do autor, em especial a síntese que faz com outros especialistas, em especial o paisagista Roberto Burle Marx.

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BULLARO, Luca. O natural e o construído. A Casa Cavanelas de Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 214.01, Vitruvius, out. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.214/7139>.


No Brasil, a partir dos anos 1930, alguns representantes da nova arquitetura irão incorporar os conceitos do Movimento Moderno, mas, como escreve o historiador italiano Alberto Sartoris, sem aplicá-los diretamente, mas reinterpretando, traduzindo e adaptando às condições climáticas e paisagísticas do País (1).

Bruno Zevi escreve que o protagonista da arquitetura brasileira foi Roberto Burle Marx, paisagista, artista, botânico, escritor e pintor (2). Kenneth Frampton (3) e Iñaki Abalos (4) demonstram a extraordinária criatividade de Oscar Niemeyer. A importância da arquitetura moderna no Brasil, de acordo com William Curtis não é tanto nas habilidades notáveis de alguns, mas na assimilação de um método de trabalho que deu destaque ao diálogo entre mestres de diferentes saberes (5).

Autores dos excelentes resultados do Brasil moderno foram, entre outros, Joaquim Cardoso – engenheiro e homem das letras – e artistas como Bruno Giorgi, Paulo Werneck, Candido Portinari, Marianne Peretti, Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti.

01. Os artistas Marianne Peretti, Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti, Oscar Niemeyer, José Sarney e Burle Marx em Brasília
Foto divulgação [Archivo Aló, Rio de Janeiro]

Burle Marx foi o primeiro e mais importante paisagista que propôs a criação de espaços públicos modernos feitos através do uso de elementos naturais de diferentes formas, cores e texturas, típicos do país (6).

Oscar Niemeyer, influenciado pelas ideias do amigo botânico, lança no final dos anos 1930 o desenvolvimento de novas, sensuais e orgânicas obras, como o Pavilhão de Nova York (com Lúcio Costa), a Casa do Baile, a Igreja de São Francisco de Assis, as casas Cavanelas e das Canoas, o parque Ibirapuera e da Catedral de Brasília, realizadas com a colaboração de Burle Marx, do engenheiro Joaquim Cardoso e dos amigos artistas.

A concatenação arquitetura-paisagem

O presente texto destaca algumas características da metodologia de trabalho de Niemeyer e Burle Marx, extraindo alguns temas principais em uma obra paradigmática, mas não muito conhecida, que representa bem a estratégia de compartilhar conhecimentos para os propósitos de concatenação harmônica entre espaço e paisagem.

Na Casa Cavanelas, de 1954, a colaboração entre arquiteto e paisagista gera um trabalho global que é inserido no ambiente exuberante, compartilhando discrição e força: uma ponte em forma de catenária que liga visualmente os dois lados do vale, para apreciar de um ponto de vista seguro, protegido e privilegiado a perfeição dos dois jardins, um geométrico e outro orgânico.

Casa Cavanelas, 1954, arquiteto Oscar Niemeyer e paisagista Roberto Burle Marx. A arquitetura e paisagismo reinterpretam as regras ambientais biológicas e geológicas
Foto divulgação

A pesquisa revelou o papel do arquiteto: sábio coordenador de um grupo multidisciplinar de artistas, paisagistas, botânicos, responsável da realização de um sistema espacial sutilmente enraizado no específico ambiente geomorfológico.

A casa e sua conexão paisagística

Construída em 1954 na zona de Pedro do Rio, próxima ao Rio de Janeiro, a casa é um dos projetos mais humildes de Oscar Niemeyer, muito bem enraizada na paisagem. A morfologia da cobertura, em forma de icônica catenária – facilita a conexão visual com as duas pendentes das colinas adjacentes. A arquitetura, implantada no vale inferior, proporciona um contraste poético com respeito ao poderoso sistema natural.

Analisando os elementos arquitetônicos intrínsecos pode-se afirmar que o projeto reinterpreta alguns dos cânones conceituais e estéticos do movimento De Stijl. Observando por exemplo, as paredes de pedra que se estendem para a paisagem também se percebe a influência do projeto do Pavilhão de Barcelona e da Casa de tijolos de Mies Van Der Rohe.

Casa Cavanelas, corte longitudinal e planta, 1954, arquiteto Oscar Niemeyer e paisagista Roberto Burle Marx
Imagem divulgação [“Oscar Niemeyer: works in progress”, de Stamo Papadaki]

Característica fundamental das obras de De Stijl é a “dissolução da caixa” (7) e as configurações do projeto a partir de elementos bidimensionais. A Casa Cavanelas obedece a esses critérios: duas paredes são protagonistas: a primeira contem a chaminé central, a segunda se estende para a paisagem, conectando visualmente a sala com o jardim. As outras paredes são transparentes: três na sala de estar e uma na área mais íntima dos quartos.

O telhado define a imagem exterior da casa: ele se encaixa de forma delicada na paisagem. É interessante observar a obra a partir de um certa distância (por exemplo, a partir dos limites extremos do jardim): a arquitetura está enraizada no meio ambiente e o telhado configura-se como um elemento de ligação, tal como uma cortina suspensa em ligação precisa com as encostas do vale.

Observando os desenhos e esboços originais corbusianos (8), se poderia supor uma releitura por Niemeyer da morfologia do telhado da Capela de Ronchamp.

Detalhes de páginas do livro Chapelle Notre Dame du Haut. Le Corbusier escreve: "volumes curvos organizados por geratrizes retilíneas": uma metodologia similar é usada para o telhado da Casa Cavanelas
Imagem divulgação [“Chapelle Notre Dame du Haut”, de Jean Petit]

A casa é um bom exemplo de modelo de adaptação ao clima quente da região. Niemeyer evita colocar as grandes superfícies envidraçadas em correspondência com o perímetro externo, e resolve gerar um espaço aberto de três metros de largura em todo o ambiente para proteger o interior da luz solar direta e das intensa chuvas tropicais. As treliças econômicas de metal compõem as catenárias nas quais o teto repousa: uma câmara de ar entre o forro e a cobertura protege do intenso calor do meio-dia.

Em planta a casa é um retângulo alongado, de proporções áureas, que é dividido em duas partes; um quadrado e um retângulo áureo. O retângulo abriga a sala e o quadrado os serviços e os quartos. O primeiro se abre em direção ao eixo longitudinal do sistema natural, o segundo em direção a um dos declives.

A poesia de Burle Marx funde-se harmoniosa e elegante com a de Niemeyer. O paisagista usa diferentes métodos de projeto para as duas partes do vale. Para o lado leste, desenvolve-se um jardim geométrico baseado na repetição de quadrados que se desdobram a partir do layout do piso da casa, e que também definem a morfologia e as proporções da piscina.

Na zona ocidental, Burle Marx exibe alguns dos temas morfológicos típicos de sua obra gráfica também. Um sistema de curvas e contra-curvas configura uma ameba sinusoidal que conecta visualmente a sala principal da casa com o conjunto natural e com a lagoa.

A escultura de bronze de Alfredo Ceschiatti, colocada entre a casa e o jardim, em correspondência com a parede de pedra, é um tributo à paisagem de Rio de Janeiro: representa uma mulher deitada com o braço levantado cujo perfil lembra as montanhas próximas.

À esquerda, a parede de pedra; à direita, o ritmos dos troncos de palmeiras; e ao centro, a escultura de Ceschiatti, inserida na geometria euclidiana do jardim que repete um sistema de quadrados de dois tipos de ervas com tonalidades diferentes.

As fotos de Leonardo Finotti mostra como Niemeyer não foca a atenção sobre os elementos arquitetônicos, mas esses elementos estão dispostos de forma sensata e simples, a fim de dar destaque às obras de arte natural (em forma de jardim "geométrico") e artificial (na forma de escultura orgânica).

Casa Cavanelas, 1954, arquiteto Oscar Niemeyer e paisagista Roberto Burle Marx. A arquitetura e paisagismo reinterpretam as regras ambientais biológicas e geológicas
Foto divulgação [Website Fundação Oscar Niemeyer]

A ameba sinusoidal que caracteriza o outro lado do jardim contrasta com a severidade geométrica da arquitetura e parece representar os meandros de um rio. Os mesmos meandros da América Latina, que tanto interesse causaram, ao nível formal e metafórico, em Le Corbusier. Burle Marx reinterpreta os meandros em forma de arte orgânica feita de elementos, cores e texturas naturais, neste caso, com a ajuda de plantas nativas de cor vermelha.

O interior da casa define um diálogo cromático entre elementos claros como o pavimento e escuros como o forro, e um delicado contraste entre texturas diferentes.

A superfície horizontal em pedra branca e lisa no interior e áspera nos terraços, feita com pequenos elementos de pedra típicos da colonização portuguesa. A estrutura do telhado é revestida com elementos de madeira de cor marrom.

Casa Cavanelas, 1954, arquiteto Oscar Niemeyer e paisagista Roberto Burle Marx. A arquitetura e paisagismo reinterpretam as regras ambientais biológicas e geológicas
Foto divulgação

As duas paredes de pedra da sala são ocre. O perfil do pano de vidro é metálico, fino, pintado de preto.

Como Stamo Papadaki descreve, a casa é uma “estrutura completamente aberta” que oferece “interferência mínima na paisagem circundante” (9). Ela transmite uma sensação de comunhão entre arquitetura e meio ambiente, e gera um sistema de enquadrar a paisagem, verdadeiro protagonista do conjunto, com base no posicionamento de elementos artificiais simples que suportam o vale magistralmente, seguindo padrões morfológicos, por vezes semelhantes e, por vezes uma geometria austera, que cria um delicado contraste com as características do ambiente.

Nesse sentido, a análise dos esboços preliminares de Niemeyer – por exemplo, o esquema isométrico que representa os padrões morfológicos e construtivos da casa – fornece reflexões fundamentais sobre a coerência entre ideias conceituais e tectônicas.

Esboço de Oscar Niemeyer para os elementos básicos e estruturais da Casa Cavanelas, 1954
Imagem divulgação [“Oscar Niemeyer: works in progress”, de Stamo Papadaki]

O projeto, que pode ser considerado uma materialização fiel dessas linhas conceituais, alcança, com o mínimo de recursos, uma delicada integração entre formas, estruturas, cores, texturas e elementos naturais do meio ambiente.

Diálogos íntimos

Da análise da obra emerge fortemente a ideia de compor uma sinfonia polifônica em que os elementos artificiais não são protagonistas absolutos, mas uma parte do sistema que concatena paisagem e arquitetura com o uso de cânones morfológicos que reinterpretam a geometria dos elementos naturais do ambiente.

Propõe-se aqui uma comparação entre aspectos do trabalho analisados com relação a diversos temas técnicos, estruturais e morfológicos:

Estruturas. Extremamente importante na definição espacial do obra: significativas, por exemplo, na economia estrutural, na espessura mínima do telhado, nas sensações de transparência e leveza. A estrutura metálica do telhado é definida por simples treliças metálicas – expostas e pintadas de azul – que se apoiam nos quatro suportes do perímetro e nas duas paredes neoplásticas da pedra local.

Cores e texturas. A espacialidade da casa Cavanelas apresenta um intenso diálogo entre o pavimento liso em pedra branca, as paredes de pedra, de cor ocre e de forte textura, e a cobertura de ripas de madeira de tonalidade escura.

Concatenação arte-paisagem. A concatenação é explícita na arte do jardim: uma escultura em bronze – a mulher reclinada do Alfredo Ceschiatti, adjacente à parede de pedra – tem o importante papel de ligação entre a penumbra da casa e a explosão de cores jardins. É uma idealização das formas do corpo humano que quer conversa a morfologia do perfil das colinas.

Paisagens reinterpretadas. O sistema natural circundante é dominado por um sistema de altas colinas caracterizadas por uma repetição tripla de picos mórbidos de características morfológicas semelhantes: o perfil da serra é definido pela concatenação entre duas linhas retas e uma curva na parte superior: as mesmas regras formais são usadas na definição da morfologia do telhado. A casa é posicionada delicadamente no fundo do vale e a forma curva do telhado gera uma ponte visual entre as ladeiras naturais. Como uma forma aberta de concluir, queremos evidenciar como a metodologia de trabalho utilizada no projeto dessa obra transmite ensinamentos múltiplos e atuais que têm uma congruência notável e que são úteis para o desenvolvimento de novos projetos arquitetônicos contemporâneos em relação harmoniosa com o projeto, mundo natural, climático e plástico das áreas tropicais.

Casa Cavanelas, 1954, arquiteto Oscar Niemeyer e paisagista Roberto Burle Marx. A arquitetura e paisagismo reinterpretam as regras ambientais biológicas e geológicas
Foto divulgação

Aqui resumimos alguns conceitos básicos da metodologia de trabalho – ainda atual – utilizados por Niemeyer e Burle Marx.

Concatenação entre elementos artificiais e naturais. Os elementos intrínsecos do mundo plástico da arquitetura não são os verdadeiros protagonistas das obras: o protagonista é o diálogo respeitoso entre o natural e o artificial. O artificial é apresentado como um lugar simples, aconchegante, seguro e privilegiado para apreciar o encanto das morfologias dos elementos naturais, próximos e distantes.

Diálogos construtivos. O arquiteto atua como um diretor de orquestra, gerando uma fusão sapiente entre formas, espaços e artes. A colaboração multidisciplinar aparece como a estratégia de trabalho importante nos projetos mais interessantes da Modernidade do Brasil: intelectuais, poetas, artistas e paisagistas deram vida a um sistema colaborativo que gerou projetos inclusivos e holísticos.

Correspondência nas regras morfológicas da arquitetura com o ambiente. Os mesmos princípios formais que se encontram nos perfis das montanhas, dos morros, das lagoas e dos rios do país aparecem repetidamente – reinterpretados – nas linhas da arquitetura, dos jardins e das obras de arte da Modernidade brasileira.

Morfologias dicotômicas. A coexistência de dois tipos diferentes de geometria é muito frequentemente experimentada: a euclidiana dos volumes puros e a orgânica, derivada dos elementos biológicos e geológicos típicos. Um sistema de gráficos tropicais que reinterpreta o jogo entre as linhas dos referentes europeus – do Movimento Moderno e da arquitetura colonial – e as curvas das formas indígenas, naturais e minerais.

Minimalismo. Tema fundamental para alcançar a sábia integração entre elementos naturais e artificiais é o minimalismo na escolha de materiais, das cores, a precisão das ideias conceptuais. Um processo de purificação define o processo de desenho. A parcimônia parece ser um preceito primordial: esclarece ideias, gera economia, pureza, favorece a incorporação, facilita a fusão entre diferentes tipos de conhecimento e destaca a sensibilidade plástica dos artistas em relação com a maravilha da paisagem circundante.

notas

NA – este artigo foi traduzido ao português por Luca Bullaro e Federico Calabrese.

1
SARTORIS, Alberto. Oscar Niemeyer o la arquitectura concentrada y emblemática. In BOTEY, Josep. Oscar Niemeyer. Obras y proyectos. Barcelona, Gustavo Gili, 2005, p. 9-13.

2
ZEVI, Bruno. Storia dell'architettura moderna. Bologna, Zanichelli, 1982.

3
FRAMPTON, Kenneth. Homenagem a Niemeyer. In SEGRE, Roberto. Tributo a Niemeyer, p. 26-27. Rio de Janeiro, Viana & Mosley, 2009, p. 24, 31.

4
ABALOS, Iñaki. Os rabiscos de Niemeyer. In SEGRE, Roberto. Tributo a Niemeyer. Rio de Janeiro, Viana & Mosley, 2009, p. 56-61.

5
CURTIS, William. Constructor de un mundo pasado. El Pais, 06 dez. 2012 <http://cultura.elpais.com/cultura/2012/12/06/actualidad/1354824749_719681.html>.

6
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle Marx. São Paulo, Cosac Naify, 2001.

7
ZEVI, Bruno. Storia e controstoria dell’architettura. Roma, Newton, 1997, p. 715.

8
PETIT, Jean (1965). Testi e disegni per Ronchamp. Regensburg, Verlag, 2014.

9
PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: works in progress. Nova York, Reinhold Publishing Corporation, 1956, p. 67-81.

ficha técnica

projeto
Casa Cavanelas

local
Petrópolis RJ Brasil

áreas
Construída: 259 m²
Terreno: 400.000 m²

ano
1954

arquitetura
Oscar Niemeyer

paisagismo
Roberto Burle Marx

sobre o autor

Luca Bullaro é arquiteto, mestre em arquitetura (UPC-ETSAB, Barcelona, Espanha), doutor em Projetos Arquitetônicos (dupla titulação Università degli studi di Palermo, Itália, e Universidad Politécnica de Catalunya, Barcelona).e professor associado da Escola de Arquitetura da Universidad Nacional de Colombia, Medelín.

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