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SEGAWA, Hugo. Vida e morte de um grande livro. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 001.20, Vitruvius, jan. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3259>.


Quando Jane Jacobs lançou o seu primeiro livro, em 1961, aos 45 anos de idade, talvez não tivesse idéia do impacto que sua obra teria na consciência dos urbanistas e políticos e nos rumos do planejamento urbano.

Uma conferência em Harvard em 1956 e artigos na imprensa preparam o caminho para a grande receptividade de seu Death and Life of Great American Cities (cujas traduções omitem do título - como a edição brasileira - a especificidade norte-americana de suas análises), que se tornou uma referência crítica seminal contra as doutrinas modernas do urbanismo de meados do século 20.

Jornalista autodidata, colaboradora e mais tarde editora associada da revista Architectural Forum, um marido arquiteto - a quem credita sua cultura urbanística -, Jacobs mantinha um distanciamento crítico do cotidiano dos urbanistas que lhe permitiu escrever um dos mais belos libelos contra as palavras-de-ordem do urbanismo moderno. Ou mais precisamente, das práticas urbanísticas em voga nos Estados Unidos, cujas origens Jacobs identificava nas propostas de Ebenezer Howard e suas cidades-jardins (1898), nas idéias contidas na Ville Radieuse (1935) de Le Corbusier e, em menor grau, o movimento City Beautiful (1893) ideado por Daniel Burnham.

O contexto dos ataques de Jacobs ao urbanismo moderno ortodoxo era o programa norte-americano de renovação urbana das áreas centrais das cidades, do fazer tábula rasa de setores urbanos consolidados, substituídos por megaprojetos de reurbanização nos quais uma arquitetura burocrática ou monumental, viadutos, elevados, vias expressas e florestas de concreto configuravam a nova paisagem das grandes cidades. Fenômeno que extrapolou as fronteiras norte-americanas, banalizando-se enquanto intervenções urbanas tardias em cidades como Caracas ou São Paulo nos anos 1970.

Contra o bucolismo das cidades-jardins, Jacobs defendia a densidade das metrópoles. Todavia, não a ordenada metrópole ideada por Le Corbusier - cujo exemplo mais vigoroso seria Brasília -, mas a cidade tradicional.

Que cidade tradicional, porém?

O sabor dos relatos de Jacobs reside em sua fluente escrita de observadora não-contaminada pelo jargão dos urbanistas e sua vivência como moradora do Greenwich Village em Nova York. Numa etnografia jornalística, a autora procurou identificar no cotidiano de grandes cidades norte-americanas as razões da violência, da sujeira e do abandono, ou o contrário, a boa manutenção, a segurança e a qualidade de vida de lugares que constituíam a cena real das metrópoles, em simetria ao esquematismo dos modos de vida que os planejadores previam em seus modelos urbanos ideais.

Ao contrário das fisicamente imaculadas e espiritualmente vazias proposições modernistas, o caos urbano e o microcosmo dos bairros constituíam uma vida rica e densa de significados. Do registro empírico das maneiras de se apropriar dos lugares (os subtítulos dos textos são diretos: "Os usos das calçadas: segurança, contato, integrando as cri-anças..." etc), Jacobs formulou a crítica aos axiomas do planejamento (separação das funções/zoneamento, a lógica da circulação pelo exaltação do sistema viário, etc) e seu reverso, a prescrição de soluções.

A principal e duradoura lição pregada por Jacobs é a necessidade da diversidade urbana: funções que gerem presença de pessoas em horários diferentes ("a necessidade de usos principais combinados" é um capítulo) e em alta concentração, valorização de esquinas e percursos ( "a necessidade de quadras curtas", outro capítulo), edifícios variados e de diferentes idades ("a necessidade de prédios antigos"), e ressaltando outras medidas profiláticas para uma melhor qualificação urbana: "a subvenção de moradias", "erosão das cidades ou redução dos automóveis", "ordem visual: limitações e potencialidades", "projetos de revitalização", etc.

A clareza da escrita e as posições antimodernistas de Morte e Vida de Grandes Cidades trouxeram grande prestígio à autora, tornando-a uma leitura obrigatória nos cursos de arquitetura e urbanismo, geografia e ciências sociais. Parte de suas idéias lograram grande audiência nos debates urbanísticos dos anos 1970/80, sobretudo com o advento da discussão pós-moderna e sua apologia da diversidade, ao ponto de alimentar tendências díspares do urbanismo como as muitas formas de ativismo comunitário como no discurso de frentes como a Nova Direita norte-americana.

Jacobs é considerada a "mãe" do neoconservador New Urbanism, para desespero de seus defensores, que creditam à vulgarização das idéias da jornalista pelas bobagens a ela atribuídas. David Harvey, anotando sobre o emergir de códigos simbólicos de distinção social na arquitetura e no urbanismo pelo enaltecimento da ornamentação, do embelezamento, pela decoração, comentava:

"Não tenho nenhuma certeza de que tenha sido isso que Jane Jacobs tinha em mente quando criticou o planejamento urbano modernista."

Jane Jacobs mudou-se com a família para Toronto em 1968 (temendo o envolvimento dos filhos na guerra do Vietnã) e tornou-se cidadã canadense em 1974. Aos 84 anos de idade, lançou em março passado seu sexto livro, The Nature of Economies. Mas o prestígio internacional, que a tornou uma guru do planejamento urbano, veio de Morte e Vida de Grandes Cidades, um relato fascinante de uma inquieta ex-moradora da rua Hudson em Nova York. Um livro que, decorridos quase 40 anos de seu lançamento, trouxe retratos e episódios de recantos de cidades norte-americanas que poderiam ser depoimentos de uma época como as de Charles Dickens sobre a Londres da segunda metade do século 19 - e provavelmente de uma São Francisco, Nova York ou Boston que não existem mais.

nota

Texto originalmente publicado no Jornal da Tarde com o título "Uma crítica ao modernismo urbanístico", Caderno de Sábado, Sábado, 26 de agosto de 2000. Republicado em Vitruvius com autorização do autor.

sobre o autor

Hugo Segawa é arquiteto, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de SãoPaulo.

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Morte e vida de grandes cidades

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