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FRÚGOLI JR., Heitor. O olhar de Salgado sobre a Ásia: o Oriente é aqui? Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 001.09, Vitruvius, jan. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3270>.


Dentre as realidades enfocadas pela notável produção do fotógrafo Sebastião Salgado em seu último livro - Êxodos -, resultado de sete anos de visitas a dezenas de países para o registro de inúmeros movimentos populacionais, cabe discutir alguns pontos em torno de um tema menos destacado, mas não de menor importância: as megacidades do Terceiro Mundo, sobretudo as asiáticas, de um modo geral menos consolidadas que as latinas, pontos de chegada de vários desses fluxos migratórios.

É clássica nos países mais pobres a discussão sobre as estratégias para se superar o atraso econômico, sendo que, mais recentemente, parte desse debate tem se deslocado para a necessidade decisiva das megalópoles dessas nações alçarem-se à condição de "cidades globais". Não cabe detalhar nesse curto espaço o teor dessa discussão, mas apenas lembrar que algumas avaliações baseiam-se em atributos e fluxos econômicos presentes em metrópoles como Nova York, Londres e Tóquio, a partir sobretudo do livro The Global City (1991), de Saskia Sassen, que ajudou a fixar tais cidades como as principais referências.

As fotos de Salgado, por sua vez, permitem uma incursão em megacidades que sofreram, em poucas décadas, um enorme crescimento populacional por conta de novas migrações camponesas e que, apesar de um forte dinamismo econômico, apresentam um grave quadro social e uma difícil governabilidade, dados tanto pela herança histórica quanto pelas conjunturas mais recentes. São cidades como Bombaim (Índia), Cairo (Egito), Xangai (China), Istambul (Turquia), Manilha (Filipinas), Ho Chi Minh (ex-Saigon, Vietnã) e Jacarta (Indonésia), que, somadas, abrigam em suas áreas metropolitanas por volta de 70 milhões de habitantes.

Temos visões bastante vagas a respeito de muitas delas, nas quais a pobreza se mescla a um imaginário de forte exotismo. Porém, por meio de sucessivas aproximações proporcionadas pelas fotos, vislumbra-se as estratégias de ocupação urbana pelos pobres e migrantes, os precários espaços de moradia, as formas de sobrevivência no mercado formal e informal, além de várias manifestações culturais e religiosas visíveis nos espaços públicos, fenômenos que, no conjunto, nos aproximam daquela realidade e rompem com muito do seu inicial exotismo, permitindo o desvelamento de aspectos comuns a essas várias realidades urbanas.

Cabe comentar aqui apenas algumas fotografias, por seu poder de síntese ao ressaltar ou revelar características fundamentais dessas megacidades. A foto de uma rua num centro comercial de Bombaim (420), totalmente tomada por pedestres, com uma circulação congestionada de carros, evidencia a superpopulação e a força do comércio informal, quase que uma antítese da rua moderna do século 20, pensada por Le Corbusier como uma "máquina de tráfego".

Se essa imagem faz lembrar, guardadas certas proporções, algumas áreas comerciais do Centro de São Paulo, como a Rua 25 de Março, sobretudo em períodos natalinos, duas fotos de Manilha (398 e 416), por sua vez, mostram barracos rentes a linhas férreas, feitos e ocupados por milhares de sem teto, com riscos constantes de acidentes, criando-se uma paisagem muito parecida com uma favela que há pouco conheci no bairro do Jaguaré, em São Paulo.

Chamam também a atenção em algumas fotos os territórios rurais rápida e recentemente invadidos pelas fronteiras urbanas, como em Jacarta (360), onde grandes edifícios de escritório ladeiam plantações, ou no Cairo (361), em que prédios residenciais vêm invadindo dramaticamente a estreita faixa rural e fértil do Egito, às margens do rio Nilo. Tais espaços diferenciam-se das assim chamadas paisagens "rurbanas" - termo usado nos anos 80 para áreas periféricas de São Paulo ocupadas por migrantes, mas até então não devidamente urbanizadas -, já que nas imagens presentes configura-se um forte contraste entre um resistente âmbito rural e uma urbanização contemporânea de grandes edifícios, que não reconhece ou dialoga com qualquer alteridade em seu entorno.

Não virá isso a acontecer caso São Paulo continue a expandir sua centralidade terciária rumo à periferia do "vetor sudoeste", em direção à Represa de Guarapiranga?

Ainda com relação ao Cairo, Salgado conta que no final dos anos 70, para tentar amenizar sua saturação populacional, autoridades construíram algumas cidades novas na periferia, algumas delas "dormitórios", para milhares de habitantes. Poucos entretanto foram morar nesses locais isolados, formando "cidades-fantasma" como a de Sheik-Ziawiad (364), atestando as recorrentes dificuldades de implantação de grandes projetos governamentais.

É inevitável mencionar uma "nova paisagem urbana global", desterritorializada, que emerge em certas áreas dessas megacidades, presente nos conjuntos de edifícios dos novos centros financeiros ou do setor terciário moderno, como o distrito de Kuningan, em Jacarta (370-1), muitas vezes também erguidos sobre as ruínas de antigos bairros populares, como o distrito de Pudong, em Xangai (367). Estamos longe, entretanto, de uma homogeneização desses locais. Contrastando com a maioria das imagens do livro, onde se estampa um grande sofrimento, uma foto de pessoas dançando numa praça de Xangai, tendo ao fundo sua skyline (378), evidencia tanto a reinvenção da tradição quanto, segundo o autor, uma esperança por dias melhores, apesar de todos os problemas ligados à introdução do capitalismo em meio a um planejamento centralizado comunista, ainda presente na China.

Se as "cidades mundiais" aparecem, portanto, como referência de um futuro desejável, dentro de nossa tradição de nos mirarmos ora na Europa, ora nos Estados Unidos, uma visão sobre as megalópoles subdesenvolvidas nos aponta outras facetas dessa globalização, que dialogam não com um horizonte desejado, mas como um presente que se quer duramente superar. Sem dúvida, o livro ajuda-nos a dirigir-lhes um olhar mais atento.

[texto originalmente publicado no Jornal da Tarde, Caderno de Sábado, Sábado, 17 de junho de 2000. Reprodução proibida]

sobre o autor

Heitor Frúgoli Jr é cientista social e professor de antropologia do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Araraquara, É autor de "Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole" (Cortez/Edusp/Fapesp, 2000) e co-organizador da coletânea "Shopping Centers" (Ed. Unesp, 1992).

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