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MARCO, Anita Regina di. Tradição e tecnologia: uma convivência harmoniosa. Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 015.01, Vitruvius, mar. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.015/3222>.


Um livro crítico e sem preconceitos, reverente mas sem evitar a polêmica, denso mas com momentos líricos, complexo e paradoxal. No seu mais recente trabalho publicado, a arquiteta Cêça Guimaraens, ex-diretora do Iphan, doutora em Planejamento Urbano e Regional e professora adjunta do programa de mestrado em arquitetura da FAU/UFRJ, aborda um tema familiar, sobretudo nas grandes cidades, mas quase sempre omitido, esquecido, disfarçado ou negado: a presença paradoxal dos grandes edifícios e torres e vidro no entorno de bens tombados. É o da área central da cidade do Rio de Janeiro, onde é primordial a participação do Iphan na concessão das licenças para a edificação dessas torres – ao mesmo tempo em que é indiscutível o papel atuante da instituição, na preservação do patrimônio da cidade. Na sua minuciosa pesquisa, Cêça refere-se, sobretudo às participações e ações dos dois mais relevantes membros do Iphan, Lúcio Costa e Rodrigo Melo Franco de Andrade, na construção, preservação e consolidação do centro moderno do Rio, bem como nas diretrizes que “criaram e nortearam a maneira de preservar o patrimônio histórico de nossas cidades”.

Os paradoxos entrelaçados se revelam na observação e análise minuciosa de alguns lugares onde esse relacionamento entre torres e patrimônio fica mais candente: o Arco dos Teles (onde se entrelaçam o antigo sobrado do brigadeiro d’Alpoim e o edifício às suas costas); o entorno do antigo prédio do Ministério da Educação e Saúde (Palácio Gustavo Capanema); a Praça XV, onde estão o Convento do Carmo e a torre da Faculdade Cândido Mendes; o Largo da Carioca, onde as sedes da Petrobrás, BNDES, Caixa Econômica e a Catedral Metropolitana convivem com o conjunto colonial da Igreja e com o Convento Santo Antônio; ou a área da Cinelândia, com a presença marcante do Museu de Belas Artes e da Biblioteca Nacional em meio a outras torres.

A participação do Iphan no processo de concessão de licença para construção dessas torres é compreendida através de um trabalho metódico, profundo e minucioso de investigação, para o qual a autora-arquiteta utiliza leituras diversas, documentos iconográficos, gráficos e textuais, plantas cadastrais e perspectivadas; croquis de elevações de massas, fotografias, discussões e concessões de licenças, enfim tudo o que pudesse levar a entender as idas e vindas das negociações e procedimentos das solicitações de construções, as negativas, réplicas e pareceres finais acerca das concessões para construção. Interessante notar que, apesar de sua “quase longa” e enraizada atuação profissional nas “hostes iphanianas”, como a própria autora diz, ela não tem quaisquer pré-concepções formadas, mas busca uma linha de análise isenta e imparcial, num vai-e-vem crítico-interpretativo que desvenda, como em um trabalho de escavação arqueológica, as ações sucessivas ao longo do tempo no centro do Rio de Janeiro.

Cêça delimita o período estudado – 1950 a 1990 (“da construção de Brasília à consolidação do Rio como ex-capital federal”) – salientando que a construção de altos edifícios, no entorno imediato de bens históricos “expressivos de diferentes tempos da centralidade do Rio, só reforçava seu caráter de cidade eminentemente moderna”. Sobre a atitude de “adensar para preservar”, assumida no centro da cidade do Rio de Janeiro, a autora faz seus comentários e análises dentro da ótica do Planejamento Urbano, ao mesmo tempo em que reconhece o esforço do IPHAN desde a década de 30 para preservar, orientar e identificar os bens históricos de significativo valor, acabando por demonstrar que a análise dos processos de licenças para novas construções é fonte de estratégias ativas na transformação do centro, pelo próprio IPHAN. Nessa análise, a autora definiu-se pela demonstração das estratégias criadas para a inserção de novas construções em dois locais específicos: o edifício Arco do Telles e o entorno do Palácio Gustavo Capanema. Os dois exemplos paradigmáticos de sua discussão são o Edifício no Arco do Teles e o entorno do prédio do Ministério. O conjunto do Arco do Teles inclui o moderno edifício construído em 1955-1961 e o casarão histórico tombado em 1938. O casarão foi restaurado em 1961 em troca da autorização dada pelo patrimônio para a construção edifício nos fundos do prédio, como resultado da solução encaminhada por Lucio Costa, no sentido de só conciliar as duas posições, aparentemente antagônicas.

Na abordagem do conceito “adensar para preservar” utiliza ainda a obra de Manfredo Tafuri em sua referência a Max Berg, no início do século XX, que “propôs a construção de torres de serviços ao redor do centro Histório de Breslau, para preservar a antiga estrutura para uso residencial; destacando a condição de “exceção e solução salvadora” de que a utopia dispunha para controlar e preservar as comunidades em centros históricos.

A autora utiliza uma linguagem elaborada, às vezes lúdica, criando momentos irônicos, poéticos, líricos e reverentes quando fala dos “... diferentes tempos da centralidade do Rio de Janeiro” ou quando discorre sobre Lúcio Costa e Rodrigo Melo Franco de Andrade; mas no mais das vezes sua escrita é densa e complexa, brincando com as palavras e seus significados.

Com cuidadosos desenhos e grande volume de informações, o livro é formatado em três partes principais, subdivididas em capítulos. A forma, a função e a norma; Os arquétipos, um tipo e alguns modelos e Os monumentos do limite ou ‘quanto mais a gente sobe, mais o Rio é bonito’.

Na primeira parte a autora apóia-se em diversos autores e teóricos no sentido de buscar elementos e conceitos que referendem e embasem suas hipóteses. Assim, busca as idéias de Giulio Carlo Argan e seu discurso sobre duas culturas em guerra – a da modernidade e a da preservação; utiliza os conceitos de Walter Benjamin, que a ajudam a provar a hipótese paradoxal de que “certa espécie de produção de mercadorias foi tecida pela entidade encarregada de proteger o ambiente urbano”; ou ainda trabalha sobre os diferentes sentidos de verticalidade citando Milton Santos, Manfredo Taduri, Nádia Somek, Maria Adélia de Souza e Silvia Fisher e outros. Numa evolução histórica da “arte de construir cidades”, faz breve histórico dos sentidos da verticalidade; examinando as causas, o desenvolvimento e o significado dos edifícios altos, símbolo de poder, abordando suas conseqüências para o solo, a densidade, a morfologia urbana e a estrutura social urbana. Nessa linha de raciocínio classifica os primeiros edifícios – protótipos da primeira escola de Chicago 1888, como a base dos arranha-céus multifuncionais contemporâneos. Ou seja, ao integrar forma e função, tais edifícios integravam as necessidades das sociedades às soluções arquitetônicas, gerando os tipos mais característicos do funcionalismo e racionalismo modernos, alterando definitivamente o skyline das cidades contemporâneas. Faz ainda uma critica contundente das torres mais altas do mundo, como as Twin Towers de César Pelli , em Kuala Lumpur, que a autora diz “parecerem projetadas para se tornarem os novos obeliscos de Quéops: uma obsoleta e inútil exibição do poder”.

Na segunda parte, a autora trata da trajetória do Iphan, seu surgimento, histórico e papel desde a criação em 1937 até hoje, discorrendo sobre os autores das principais cenas que construíram o pensamento e as ações institucionais da instituição. Na última parte, Cêça discorre com sua palavra precisa, sobre as tipologias do patrimônio como sobrados, torres, arranha-céus em diferentes espaços e relações, além de falar dos processos de verticalização das avenidas Antonio Carlos e Presidente Vargas.

Recheia seu texto de exemplos, adjetivos e referências reverentes aos dois maiores responsáveis pela ética e estética do Iphan, Rodrigo Melo Franco de Andrade, seu primeiro diretor, de 1937 a 1967 e Lúcio Costa. Evidencia a posição de ambos no caso dos Arcos da Lapa, que, como diria Rodrigo Melo Franco de Andrade, “então afogados em construções medíocres”, e que mais tarde, felizmente seriam liberados da ambiência que cercava o aqueduto, em projeto de Lucio Costa que lhe dava total visibilidade. Ao cabo e ao fim, a autora conclui que as idéias do órgão diziam respeito não só à preservação, mas também às novas construções. Ao referir-se à área central do Rio de Janeiro, Cêça descreve-a como “local que abriga a simultaneidade de tempos formais e sociais, (numa alusão à face criativa do trabalho preservacionista), ou seja, aponta e constata a herança do Iphan como uma ação intencional na transfiguração do vazio e do novo”.

Ao longo do livro, percebe-se claramente a tensão existente, em todas as épocas, na implementação de projetos de recuperação e atitudes de preservação. Fica evidente a dúvida, a responsabilidade e o peso da decisão do autor do projeto: o que se quer destacar; em que medida/ o que é mais importante até que ponto ceder? Cada resposta implica em uma decisão metodológica. Daí o acalorado debate que sempre cerca os projetos de restauração e daí a lição da história de unir flexibilidade e saber.

Sobre Lucio Costa, um dos intelectuais que mais contribuíram em diversos campos da cultura brasileira, Cêça sempre tem muito que falar. Suas transcrições sobre a altura das edificações analisadas fundamentam-se nas idéias de Lúcio Costa, deixando cristalina a atuação multifacetada do arquiteto da modernidade e da tradição, mencionando os argumentos do urbanista de Brasília para justificar as torres de seu projeto para a Barra da Tijuca, numa tentativa de impedir a substituição das casas originais pelos edifícios, como acontecera em Copacabana, Ipanema e Leblon; na Barra a idéia era começar pelos prédios, definindo de antemão onde implanta-los ou onde proibi-los.

A análise dos documentos do Iphan mostrou o desenrolar do processo que acabou levando à flexibilização da aplicação do tombamento e dos “novos modelos de proteção”, no que diz respeito à “inserção de novas construções” em meio a bens tombados. A autora acaba concluindo que, ao longo do tempo e por força do mesmo, a estética iphaniana, que acabou definindo a morfologia das ruas do entorno do prédio do MEC, parece inspirar-se basicamente em idéias constantes dos projetos urbanos iluministas e funcionalistas, de base sanitarista e higienista, do urbanista Alfred Agache. Enfim, caracteriza a atuação do Iphan como um “redimensionar da idéia de ter o olho e a mente no futuro”. Afinal, desde sua fundação, o grupo do Iphan possuía “a competência e o saber para permitir e bem construir”, o que lhe assegurava pleno poder político.

Todo este discurso de flexibilização criativa, competência e o saber para fazer, preservar e deixar fazer, o discurso da criatividade nas obras de restauro, conservação e proteção nos parece uma reafirmação de um novo velho caminho, um “abre-alas” para vários casos, sobretudo para as cidades médias e pequenas que, se por um lado, ainda não têm muitos imóveis tombados, por outro lado, são permeadas por certo medo irracional e ilógico de, através dessas ações de tombamento, interferir negativamente no desenvolvimento urbano. Assim, “competência e o saber para permitir” passam a ser, mais do que nunca, e provado está desde sempre, a regra de ouro para a conciliação de opostos e uma convivência adequada e equilibrada em nossas cidades.

sobre o autor

Anita Regina Di Marco é arquiteta pela FAU-USP, com especialização no Iccrom/Roma – em Conservação Arquitetônica e co-autora do livro Sala são Paulo de Concertos: Revitalização da Estação Júlio Prestes, Ed. Altermarket, 2000, junto com Ruth Verde Zein.

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