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LUZ, Vera Santana. Unilabor: um lugar para a utopia. Resenhas Online, São Paulo, ano 04, n. 037.01, Vitruvius, jan. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/04.037/3169>.


Em tempos em que há uma valorização quase hegemônica do sucesso econômico pautado pela competição irrestrita avalizada pelo mercado pode-se ver especial beleza no trazer à luz, neste livro de Mauro Claro, de uma experiência que para nós hoje parece beirar a utopia mas que, paradoxalmente, aconteceu de fato, em tempo e lugar. Há cinqüenta anos atrás foi possível realizar no Brasil, em São Paulo, uma produção de mobiliário industrial associando racionalidade de desenho moderno, ações comunitárias cooperativas e humanismo pastoral cristão. Semelhanças com o projeto moderno não são mera coincidência, são possibilidades de sua realização concreta, neste caso, no Brasil.

O livro faz um trabalho cuidadoso de descrição desta experiência, possibilitada pela iniciativa e liderança do padre dominicano frei João Batista Pereira dos Santos (1913-1985), ao congregar artistas, artesãos, intelectuais e personalidades políticas (Ciccilo Matarazzo, Mário Carvalho de Jesus, André Franco Montoro, Jorge da Cunha Lima, frei Benvenuto Santa Cruz, Maria Thereza Vargas, Marieta Ribeiro de Azevedo, Flávio Império, Cinira Stocco Fausto, Sebastiana Gervásio, Ilsa Leal Kawall Ferreira, Jairo Lopes, Célia Baptista Ferreira, Alexandre Wollner e outros) em torno de um projeto: da criação inicial de uma capela (Capela do Cristo Operário, 1950), decorada com obras de arte moderna (Alfredo Volpi, Yolanda Mohalyi, Elisabeth Nobiling, Geraldo de Barros, Moussia Pinto Alves, Robert Tatin, Giandomennico de Marchis, Bruno Giorgi e Roberto Burle Marx), à constituição de uma fábrica, célula inicial de uma comunidade de trabalho (Unilabor, 1954-1967, na origem composta pela sociedade entre o artista e designer Geraldo de Barros, o marceneiro Manuel Lopes da Silva, o serralheiro Antonio Thereza e o engenheiro Justino Cardoso) pautada por procedimentos de autogestão participativa na criação, produção e comercialização do mobiliário, organicamente associados a várias atividades comunitárias, realizadas por meio do Centro Social Cristo Operário – complementação educacional infantil, teatro, lazer, debates, conferências, discussões políticas, edição de jornal, catequese, tendo como particularidade, sua efetivação na periferia da cidade de São Paulo, a Vila Brasílio Machado, no Alto do Ipiranga. À ação do frei João Batista Pereira dos Santos junta-se a participação de Geraldo de Barros, artista concretista e designer, transformando em prática coletiva numa experiência de desenho abrangente suas preocupações com respeito à relação entre arte e indústria. Remanesce hoje o conjunto arquitetônico, tombado pelo Condephaat (2001), regatada sua memória e à espera de eventuais novas utopias.

Mauro Claro, contudo, não pára na descrição. Oferece aos leitores algumas chaves de sua própria leitura dos fatos, que lhes possam dar sentido histórico e conceitual – do ponto de vista ético, estético e mesmo metafísico.

A experiência de frei João Batista, pautada pelas comunidades operárias francesas, em particular a Comunidade Boimondau e articulada ao movimento Economia e Humanismo, fundado pelo padre Louis-Joseph Lebret, na França, durante a 2a. Guerra Mundial, teve como base a retomada da filosofia de santo Tomás de Aquino – o neotomismo –, força dominante no pensamento católico romano nos primeiros trinta anos do século XX, como tentativa de resposta teórica e política da Igreja aos problemas sociais e embates internos à ordem social burguesa moderna – capitalista, industrial, urbana e secularizada, para fazer frente aos aspectos de alienação, perda de liberdade, criatividade e propriedade do produto final, típicos da divisão de classes da sociedade capitalista, ao tentar conceber uma possibilidade de manter aspectos comunitários em seu interior. A teologia neotomista não põe em contradição a realidade dos fenômenos à verdade sobrenatural, mas propõe à razão humana o dever e a capacidade de compreender a ordem do mundo e reger a ordem das coisas. Mauro Claro aponta para a oposição, presente na Unilabor, dos conceitos de sociedade – respaldado por Marx –, e de comunidade. Nos apresenta também uma leitura de distintas racionalidades, desde o ponto de vista de Mannheim – a racionalidade instrumental, característica da sociedade capitalista, operativa, funcional, organizadora de atos arranjados para a obtenção de um fim estabelecido (neste caso, o lucro) oposta à racionalidade substantiva, libertadora, ato de discernimento humano, a ser construída no projeto da Unilabor, em dicotomia às necessidades de organização racional do trabalho em série.

Às noções de distintas racionalidades, para a compreensão da experiência da Unilabor, Mauro Claro inclui a racionalidade do projeto moderno de design e arquitetura, como medida de aproximação, à semelhança da experiência da Bauhaus, aquela racionalidade mesma que pautou a articulação entre artesão, artista e arquiteto em todo o processo de produção e concepção, e que compreendeu a racionalidade do objeto desenhado: da concepção de desenho ordenado por estruturas geométricas simples e regulares, da economia de meios, da redução de peças, da componibilidade e acoplamento, do desenho como instrumento operativo de decomposição, sistematização e re-integração de partes, da arte como valor de uso além de valor de troca a partir de requisitos de funcionalidade e questões estéticas, da boa forma, compreendendo a inclusão de participação decisória de todos as pessoas envolvidas em todo o processo, do projeto à produção e à comercialização dos objetos, como um meio de combinação dos gestos inevitavelmente repetitivos e alienantes aos de desenvolvimento de autonomia e sentimento de pertinência comunitários.

Mauro Claro completa sua leitura relacionando aspectos da experiência da Unilabor às demais fábricas de móveis semelhantes suas contemporâneas, em maior ou menor grau artesanais ou mais francamente industriais, casos como os da Branco & Preto, da produção de Joaquim Tenreiro, caminho antes iniciado por Lina Bo Bardi e associados no Studio Palma, da Mobília Contemporânea de Michel Arnoult, da Móveis Z de Zanine Caldas, da Ambiente de Leo Seincman e da L1Atelier, de Jorge Zalzupin, dentro do quadro mais amplo de consolidação da arte moderna no Brasil, desde a Semana de Arte Moderna de 22, às inaugurações do MASP e MAM (1947 e 1948) tendo como base a sistematização proposta por Mário de Andrade das fases “heróica, destruidora e construtora” da arte moderna na nova realidade brasileira da época, industrial e urbana, fundamentada pela possibilidade de atualização universal da criação artística brasileira, no direito à pesquisa estética e na estabilização de uma consciência criadora nacional.

Mauro Claro nos propõe ainda uma compreensão dessas experiências no processo de industrialização brasileira e em particular desse processo em São Paulo, desde o planejamento governamental pautado pelos investimentos e consolidação da legislação trabalhista da era Vargas ao programa de metas e ampliação do parque industrial por meio do capital externo de Juscelino Kubitschek e à formação de uma classe operária urbana consolidando uma cultura urbana industrial no processo de constituição de classes sociais modernas no Brasil – proletariado, burguesia e classe média. É dentro desse universo que Mauro Claro propõe a leitura dos fenômenos de trabalho artístico. Seu livro se apresenta, antes de tudo, como uma forma de entendimento do que possa ter sido, na década de 50, uma das faces da modernidade entre nós.

Um livro muito cuidadoso, carinhoso com seus personagens, que contém em germe uma espécie de inquietação sobre as atuais possibilidades de desenho no Brasil. E, para completar esta experiência de beleza, para quem quiser ainda mais, que possa ver também “Sobras em Obras”, um filme de Michel Favre, sobre Geraldo de Barros, realização em parceria da Tradam Productions, Suíça e Tatu Filmes, Brasil em co-produção com a TV SENAC, São Paulo.

sobre o autorVera Santana Luz é formada pela FAU Mackenzie, Doutora pelo Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Paulo, professora da FAU PUC-Campinas desde 1986 realizando projetos e obras de arquitetura em escritório próprio em sociedade com o arquiteto Fernando Vianna Peres na Casa de Projetos

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