Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

how to quote

FELDMAN, Sarah. Aprendendo com o Elevado Presidente Costa e Silva, o Minhocão. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 091.04, Vitruvius, jul. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.091/3029>.


O Elevado Presidente Costa e Silva – o Minhocão – foi construído em São Paulo há quase 40 anos. Ao longo de sua existência e de seus quase três quilômetros de extensão, embora não tenham sido encontrados argumentos que contestem os prejuízos de ordem social, econômica e estética que esta obra de engenharia vem causando, foram raros os momentos de busca de soluções para reverter os efeitos negativos de sua presença na cidade.

Em 2006, mobilizada por uma proposta de demolição parcial do Elevado elaborada pela EMURB (Empresa Municipal de Urbanização) e por mais um debate através de jornais com arquitetos, urbanistas e especialistas em transportes sobre a conveniência ou não de sua demolição, a Prefeitura de São Paulo colocou o tema do Elevado na segunda edição do Prêmio Prestes Maia de Urbanismo. Este concurso deu origem ao livro Caminhos do elevado. memória e projetos organizado por Rosa Artigas, Joana Mello e Ana Claudia Castro, publicado em 2008 pela Imprensa Oficial/ PMSP.

Motivado pelo concurso, o grande mérito do livro está exatamente em ter superado os limites da concepção do concurso e, consequentemente, de seus resultados. A proposta do concurso de “encontrar alternativas criativas para promover a reintegração do espaço do entorno e a adequação da área às normas de uso e ocupação do solo” fragilizou o debate de alternativas ao Elevado que o projeto da EMURB favorecia e reforçou uma perspectiva paliativa do problema. Assim, em resposta à caracterização do Minhocão como “cicatriz urbana” e ao apelo ao binômio criatividade/ viabilidade econômica colocados no Edital e no Termo de Referência, cerca de 80% dos projetos concorrentes (p.84) se alinharam a uma solução curativa – de “ redução de danos”- aderindo à abordagem da cidade como corpo doente ressuscitada no concurso.

Ao agregar a publicação dos projetos premiados a textos que situam o Minhocão na história da cidade e do urbanismo paulistano, o livro problematiza o Minhocão enquanto solução viária e urbanística. Nesse sentido, o texto de Candido Campos Neto e o de Renato Anelli e Alexandre Seixas se complementam. O primeiro fornece um panorama das contradições do desenvolvimento da região da avenida São João e discute o Elevado como elemento que interfere sobremaneira na configuração do centro de São Paulo definida pelos projetos viários que o antecederam. Assim, enquanto o Perímetro Irradiação do Plano de Avenidas elaborado por Ulhoa Cintra e Prestes Maia visa ampliar e potencializar a ocupação do centro da cidade, o Elevado relega o centro para a função de passagem.

O segundo texto interpreta o Elevado enquanto solução viária que se apóia no conceito de via expressa encravada na estrutura urbana, porém segregada do tecido urbano. O texto recupera aproximadamente meio século de construção conceitual da via expressa – dos trilhos de Berlim da segunda metade do século XIX voltados para o transporte público aos projetos coordenados por Robert Moses, entre as décadas de 1930 e 1960, em New York, privilegiando o transporte individual sobre pneus. Anelli e Seixas mostram os deslocamentos e a repercussão das concepções de traçados viários em São Paulo, em planos, como o Plano de Avenidas (1930) e o Plano Urbanístico Básico( 1968) , e em projetos viários, como a avenida 9 de julho( 1939) – subsidiária do conceito das parkways – e a avenida 23 de maio(1967) e o Elevado(1971), ambos referenciados na visão da engenharia de transportes americana do pós-segunda guerra.

Estes dois textos permitem entender o Minhocão para além dos desvarios de um prefeito biônico do período autoritário, ainda que o contexto político tenha sido determinante para os processos de decisão e para sua construção.

Em primeiro lugar, fornecem elementos para entendermos o Elevado como parte de um ciclo de desenvolvimento da capital marcado pela dupla omissão em relação `a área central – do poder público e do setor privado. Neste ciclo, embora elevados investimentos públicos em sistema viário e transportes atinjam a área central, estes não miram sua melhoria, mas a viabilização do crescimento extensivo da cidade. E o setor privado, desde os anos 1950, já havia voltado as costas para as áreas centrais, passando a atuar e forçar aplicações do dinheiro público nas chamadas “áreas nobres” da cidade.

Em segundo lugar, permitem entender o Minhocão e a adoção da concepção de vias expressas não apenas como componentes das políticas federais e municipais associadas à prioridade do transporte individual sobre pneus, mas também como um processo de debates e de realizações que consubstanciam uma concepção urbanística que envolveu arquitetos, engenheiros, urbanistas e empresas de engenharia atuantes na capital, além de consultores internacionais.

Em terceiro lugar, permitem discriminar a opção via expressa da solução projetual do Minhocão. Nesse aspecto, a execução da obra em tempo recorde, como aponta Campos, e a inferioridade em relação a outros projetos de elevados, como mostram Anelli e Seixas, denunciam a desqualificação das obras públicas em São Paulo, a partir dos anos 1960. Esta desqualificação não pode ser dissociada do poder conferido às empreiteiras com a conivência do poder público que o período autoritário legitimou, e que até hoje persiste. As recentes tragédias nas obras da linha amarela do Metrô são versos deste mesmo poema.

O livro se completa com o texto de Ana Paula Nascimento e Renata Motta sobre as intervenções artísticas no Minhocão e o texto das organizadoras do livro que introduz o conjunto de projetos premiados, apresentados através de plantas, fotos,cortes, perspectivas e resumos dos partidos adotados. Nascimento e Motta discutem as intervenções artísticas formalizadas pelo poder público e por grupos de hip hop, de grafiteiros, de teatro, de dança – pelas artes das ruas, segundo as autoras – assim como a presença do Elevado no cinema e na fotografia. Apontam a dualidade destas intervenções – entre a legitimação do discurso oficial e a sinalização de dissonâncias que colaboram para a reflexão sobre a cidade.

As análises do debate dos urbanistas, desde a construção do Elevado, e dos partidos adotados nos projetos concorrentes ao Prêmio, realizadas por Artigas, Mello e Castro, também apontam para uma dualidade – de um lado, as evidências dos prejuízos da obra e de sua demolição como solução; de outro, os custos da demolição, seus transtornos e a apropriação pela população do espaço do Elevado como área de lazer como impeditivos para sua derrubada. O concurso reforça esta segunda posição – é assumida pela maioria absoluta dos concorrentes e, dos oito projetos premiados, apenas uma menção honrosa adotou o partido da demolição.

Para este livro que associa história do urbanismo e gestão pública, é inevitável recorrer a Giulio Carlo Argan – historiador que se elegeu prefeito de Roma (1976–1979),em seu belíssimo texto “ El espacio visivo de la ciudad”:

“Quiero intentar uma definición de esta disciplina que fluctua entre la estética y la sociologia, la economia y la política, la higiene y la tecnologia, y propongo la siguiente: el urbanismo es la ciência de la administración de los valores urbanos“ (1).

Os quatro textos e os projetos premiados que compõem o livro permitem inferir que a permanência do Minhocão representa a prevalência de um valor urbano em São Paulo: a opção pelo transporte individual. Esta é a condição para que o custo da demolição do Elevado se anteponha, há décadas, ao custo de sua permanência. A inversão desta equação e a solução urbanística para as áreas por ele afetadas só se viabilizarão quando o transporte público for socialmente assumido como valor urbano fundamental.

O reconhecimento público do Minhocão como “positive great planning disasters” – que Peter Hall define como qualquer ação de planejamento que, apesar de críticas, oposições qualificadas e reconhecimento de que houve erro, é implementada –(2) ocorre desde a sua inauguração, com as estratégias dos órgãos públicos em associar arte ao Elevado. Assim como o recurso à arte, as opções privilegiadas no concurso também não ignoram o Elevado mais como problema do que como solução, e só podem ser creditadas à persistência de valores urbanos. Sem mudança de valores, a saída encontrada é o pragmatismo, expresso de forma extremamente concisa na máxima popular: “o que não tem remédio, remediado está”.

notas

1
ARGAN, Giulio Carlo (1971). “El espacio visivo de la ciudad”. In ARGAN, Giulio Carlo (1983) Historia del arte como historia de la ciudad. Barcelona. Editorial Laia, p. 223.

2
HALL, Peter ( 1980). Great Planning Disasters.Berkeley. University of California Press, 1982, p. 2.

sobre o autor

Sarah Feldman é professora livre docente do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Autora de São Paulo. Planejamento e Zoneamento, 1947–1972. São Paulo, EDUSP/FAPESP, 2005

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided