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ublicação primorosa, organizada por Maria Cristina Wolff de Carvalho, "Caminhos do Rio a Juiz de Fora" é o resultado impactante da união dos esforços de estudiosos empenhados em fazer a história definitiva da ligação entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora

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LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Seis percursos entre o Rio de Janeiro e as Minas Gerais. Resenhas Online, São Paulo, ano 09, n. 105.01, Vitruvius, jan. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/09.105/3740>.


Esta publicação primorosa, Caminhos do Rio a Juiz de Fora, é o resultado impactante da união dos esforços de meia dúzia de estudiosos empenhados em fazer a história definitiva da ligação entre o Rio de Janeiro e a cidade de Juiz de Fora, o rumo do vasto território abrangendo os arraiais onde aventureiros mil tiravam ouro de aluvião desde os finais do século XVII, área que todos chamavam de “as minas gerais”. Esse contato direto entre aquela região e a capital da Colônia foi inaugurado em 1711 devido aos trabalhos exaustivos de Garcia Rodrigues Pais, filho de Fernão Dias, que, assim, anulou as funções de Parati como o porto de despacho do ouro ali chegado pelo “Caminho Velho”. A ligação do Rio com as terras auríferas capitaneadas por Ouro Preto, deu-se graças a esse denominado “Caminho Novo”, que, na verdade, tentou provocar um afunilamento na trama de comunicações entre as várias localidades de mineração numa só direção do Rio, pois o Governo Ultramarino desejava, antes de tudo, evitar o contrabando ou “descaminho” do ouro através do uso de trilhas clandestinas afastadas dos registros oficiais instalados ao longo dessa nova estrada. Sobretudo o segmento paralelo ao rio Paraibuna ligando a sesmaria de Garcia Rodrigues com a Fazenda do Juiz de Fora rio acima deveria constituir a direção única de todos, o que paulatinamente, de fato provocou ocupação diversificada e ampla da região até então recoberta de densa floresta habitada por índios. E, em direção ao sul, cruzado o rio Paraíba, a mataria dali ainda intocada foi totalmente devassada pelo café já iniciado o século XIX. E, ainda depois disso, já na segunda metade da centúria, é construída a Estrada União e Indústria, por Mariano Procópio. Finalmente, após todos esses eventos, chegam as rodovias do século XX com a prosperidade da indústria e Juiz de Fora torna-se um grande centro econômico. Este resumo introdutório serviu para mostrar ao leitor o cenário sobre o qual debruçaram-se os ensaístas Paulo Cesar Garcez Marins, Francisco de Carvalho Dias de Andrade, Beatriz Blay, Ana Lima Kallás, Maria Cristina Wolff de Carvalho e Marcus Antonio Monteiro Nogueira, além da arquiteta Olívia Malfatti Buscariolli, agora no papel de excelente cartógrafa.

Dá inicio ao livro o ensaio histórico de Paulo Cesar Garcez Marins intitulado “Caminhos de gentes, estradas de fortunas: artérias da história entre Minas, Guanabara, África e Europa”, que, em cerca de vinte páginas, apresenta uma bem cuidada periodização dos ciclos por que passou aquele território ao longo do “Caminho Novo”. Trata da produção açucareira após a expulsão dos invasores franceses por obra e arte dos Correa de Sá e Benevides, cujos sucessores, enquanto abasteciam Minas de açúcar, mantinham intenso tráfico negreiro destinado a incrementar os engenhos e as catas auríferas. A Guanabara seria o “coração articulador” dessas tratativas mercantilistas.

Em seguida, o autor fala do “eixo do ouro e pedras preciosas, de escravos e mercadorias”. E conta das vantagens do ”Caminho Novo”, que demandava um terço do tempo daquele antigamente gasto pelos usuários do “Caminho Velho”.

Marins toca num tema raramente abordado: a inversão do fluxo do comércio havido após o declínio da produção aurífera depois de 1750 dando ensejo a um incremento de uma agricultura de muito proveito e ao surgimento assim de uma arquitetura mais requintada, mormente nas construções religiosas. Lembra-nos que a obra celebrada de Aleijadinho em Congonhas do Campo está entre 1800 e 1805.

Nesse ensaio não são esquecidos os ricaços emanados do grosso comércio, como o de escravos, cuja mão-de-obra a novidade do café estava sempre a solicitar. Como exemplo, cita o caso de Brás Carneiro Leão e de seus descendentes inaugurando o desfile de titulares do Império, agora ligados ao chamado “ouro verde”.

Por fim, Marins trata das estradas de ferro construídas pela iniciativa do Barão de Mauá, a providência que definitivamente garantiu o progresso da região logo envolvida pela atuação de imigrantes e de capitalistas que fizeram de Juiz de Fora uma cidade promissora.

O jovem historiador Francisco de Carvalho Dias de Andrade trata dos Caminhos do Rio a Juiz de Fora: do século XVI a cerca de 1820”. De início, cuida dos tupiniquins e tamoios com suas alianças com portugueses e franceses. Dessa maneira, dá começo à história de toda a área envoltória da Baía de Guanabara situada no sopé da Serra do Mar, onde proliferaram os já citados engenhos de açúcar responsáveis por uma trama de estradas vicinais, várias delas terminando em portos fluviais, como Iguassú, Estrela, Porto de Caxias e outros, todos denominados “vilas de comércio”, que desapareceram com a chegada da estrada de ferro. No sub-título “As paisagens culturais da Baixada Fluminense” refere-se ao saneamento da região através de valas, canais, diques e aterros que acabaram permitindo a instalação daqueles engenhos e de seus canaviais, engenhos de arquitetura peculiar portadora de alpendres à toda volta estabelecendo uma tipologia regional.

Numa segunda parte de seu ensaio, o autor trata dos caminhos em busca das terras agricultáveis fronteiras de serra acima, primeiramente atingidas pelo “Caminho Novo” vindo em sentido contrário por obra e graça de Garcia Rodrigues em 1711. Aqui cabe uma observação: nos dias de hoje, nos é praticamente impossível mapear com precisão itinerários de toda aquela região envolvendo os rios Paraibuna e Paraíba do Sul porque certamente por ali houve um emaranhado de caminhos secundários ligando não só pequenas propriedades recém desflorestadas, mas também, vários rumos destinados ao contrabando do ouro. É uma pena que o autor não tenha consultado o magnífico trabalho de Fernanda Borges de Morais “A rede urbana das Minas Coloniais na urdidura do tempo e do espaço”, tese de doutoramento em três volumes defendida na FAUUSP em 2005, porque iria ter a possibilidade de melhor conectar entre si as tramas viárias lindeiras, a mineira rumo ao mar, sabidamente muito policiada, e a fluminense rumo à serra de índole agrícola, que tão bem estudou, responsável pela fundação e crescimento no século XIX, de Vassouras, Pati do Alferes, Paraíba do Sul (hoje Três Rios), Petrópolis, Juiz de Fora e demais localidades desenvolvidas na economia cafeeira.

O ensaio seguinte “Caminhos do Rio a Juiz de Fora: do século XIX ao XX” coube a Beatriz Blay e a Ana Lima Kallás, que trataram da modernidade iniciada com a nossa independência política, quando é executado o projeto de ligação do Porto da Estrela subindo a Serra do mesmo nome em direção ao planalto mineiro, trabalho feito entre 1839 e 1843 pelo engenheiro Julio Frederico Koeler. Com isso, deu-se a fundação de Petrópolis.

No governo imperial de D. Pedro II, a viagem pela Baía da Guanabara entre o Rio e o Porto da Estrela é bastante melhorada com a introdução da navegação a vapor graças à importação de barcos norte-americanos. Em 1852 o barão de Mauá entra em cena com o seu privilégio em receber concessões ferroviárias e logo surge o sistema de transporte misto marítimo-ferroviário em direção a Petrópolis.

Em 1856 tem início a reformulação do velho “Caminho Novo” pela iniciativa de Mariano Procópio Ferreira Lage, o autor da “Estrada União e Indústria” ligando Juiz de Fora a Petrópolis, via totalmente macademizada, a modernidade de então. Foi inaugurada em meados de 1861, com 144 quilômetros de extensão. Seu trajeto era feito em 12 horas, havendo no percurso 12 postos de muda dos conjuntos de quatro parelhas de mulas. Como era de se esperar, a estrada de ferro, algum tempo depois, provocou o declínio dessa estrada.

No governo do presidente “estradeiro” Washington Luiz, o automóvel aparece como o veículo definitivo e, em 25 de agosto de 1928, é inaugurada a rodovia Rio-Petrópolis que venceu galhardamente a Serra do Mar. Finalmente, nos anos da ditadura militar, surgiu o novo “Caminho Novo”, a BR-040.

Os ensaios anteriormente citados são magnificamente completados pelo trabalho da arquiteta e professora Maria Cristina Wolff de Carvalho que é dividido em dois blocos. O primeiro trata da iconografia antiga da região transpassada pelo “Caminho Novo” e é denominado “Retrato de uma paisagem: do Rio a Juiz de Fora”. No outro bloco, que chamou de “Itinerário e impressões de viajantes”, ela relaciona os depoimentos daqueles estrangeiros a respeito dos locais percorridos e das suas peculiaridades dignas de figurarem em seus diários de jornada em país tropical e exótico.

As paisagens ali reproduzidas, em sua maioria, foram desenhadas ou pintadas por jovens artistas de reconhecido talento, contratados para acompanhar cientistas e botânicos, que lhes solicitavam o registro exato, sobretudo nas cores, quase sempre em verdadeira grandeza, de pormenores de peças botânicas por eles coletadas. Até hoje, no império da fotografia, essas reproduções “feitas à mão” ainda são necessárias em pormenorizações, como sabemos; só que, naqueles tempos, eram primordiais. A exatidão era o requisito básico do artista documentador dos mistérios da natureza. Interessante é o fato desses pintores abandonarem o usual rigor quando pintavam a paisagem dos seus locais de trabalho. Certamente nesse momento reproduziam com atenção os exemplares vegetais, as copas das árvores ou o talhe das palmeiras mas, quando tratavam do cenário envolvente e da arquitetura, divagavam bastante. Para nós, o aspecto mais importante do trabalho de Maria Cristina Wolff de Carvalho é esse da possibilidade que temos de cotejar tais registros iconográficos postos lado a lado e verificar visões personalizadas. Esta nossa constatação o leitor poderá facilmente perceber comparando as paisagens da Fazenda da Mandioca executadas tanto por Martius, como por Ender, e Rugendas. Deste, vê-se que sua visão, algo ligada a lembranças dos Alpes, faz com que a morraria branca do último plano se contraponha às terras verdejantes e acolhedoras da propriedade de seu patrão temporário, o barão von Langsdorff. Chegamos mesmo a pensar que Rugendas também fosse brincalhão inventando coisas inverossímeis como, por exemplo, um belo tatu encarapitado no cimo de alta árvore para embasbacar três personagens finamente encasacados e boquiabertos em plena selva.

Realmente, as paisagens desses viajantes não eram de um modo geral verazes porque, isso é sabido, foram perpetradas a partir de esboços feitos às pressas no local. Thomas Ender chegou a colocar uma torre ao lado de nossa capela de São Miguel Paulista, agenciamento que nunca ocorreu. Desses artistas, o único confiável foi William John Burchell porque usava para executar seus desenhos uma caixa ótica. Esse aparelho possuía pelo lado de fora de sua tampa um jogo de espelhos, qual um periscópio, que projetava sobre a folha de papel o panorama a ser reproduzido. O autor simplesmente, com todo o cuidado e mão firme, corria vagarosamente o lápis sobre os contornos das construções a serem retratadas. Como também era competente astrônomo, com seus instrumentos de astrometria, caso o trabalho não estivesse terminado, no dia seguinte, conseguia colocar o seu desenho exatamente nas mesmas latitude e longitude. O leitor deve apreciar mais devagar as ilustrações de Burchell neste livro, mesmo com auxílio de uma lupa e ver, a precisão de seus registros, tanto no Porto da Estrela como na vila de Paraíba do Sul. Naquele porto fluvial aquarelou a proa coberta de um pequeno veleiro no rio Inhomirim estando sentado a poucos metros da popa. É como se fosse uma fotografia. Aliás ele pode ser chamado de fotógrafo que dispensava o papel químico na caixa escura; trabalhava às claras grafando a luz com a ponta do lápis.

Enfim, havemos de falar do último ensaio do livro, “Caminhos da devoção”, escrito com muita competência por Marcus Antonio Monteiro Nogueira, que exaustivamente nomeia, descreve e mostra as imagens dos respectivos santos oragos dos sucessivos templos surgidos à medida em que as freguesias foram sendo desmembradas umas das outras ao longo do “Caminho Novo” até Juiz de Fora. Colocamos este ensaio na parte final desta resenha porque, na verdade, este assunto referente à religiosidade muito pouco tem a ver com o projeto e a execução da estrada entre o Rio e Juiz de Fora, o tema básico deste livro que traz o leitor desde os primeiros dias do garimpo do ouro mineiro até os dias atuais. E, de mais a mais este ensaio termina nos tempos de dantes, quando nasce Juiz de Fora, com o seu santo Antonio “Fujão” em sua Matriz. Poderia ser atualizado, trazendo até agora a religiosidade da população também envolvida com outros credos.

Concluindo, este é um livro que certamente faltava em nossa bibliografia e é, inclusive, um testemunho do esforço coletivo de pesquisadores teimosos empenhados a enfrentar lacunas incompreensíveis em nossa historiografia.

nota

NE
A publicação em Vitruvius, autorizada pelo autor, aconteceu em fevereiro de 2011, em procedimento de acerto da periodicidade da revista Resenhas Online.

sobre o autor

Carlos Alberto Cerqueira Lemos, arquiteto, é professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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