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Em "De vidro e concreto", Holanda se debruça sobre o espaço das arquiteturas de Niemeyer, nos apresentando uma análise acerca da relação entre espaço interior e espaço exterior: uma crítica acerca do gesto manipulador do envelope arquitetônico

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AMORIM, Luiz. Ar luz razão certa. Resenhas Online, São Paulo, ano 10, n. 114.01, Vitruvius, jun. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/10.114/3942>.


Salvo engano, Stamo Papadaki é o autor da primeira monografia publicada sobre a obra de Oscar Niemeyer levada ao público internacional, alguns anos após a edição do clássico Brazil Builds (1), responsável por revelar para o mundo as espantosas realizações da arquitetura moderna brasileira. Na introdução do seu The Work of Oscar Niemeyer, o primeiro de três livros dedicados ao arquiteto, Papadaki ecoa o que a historiografia nacional já cristalizara como os fatores da emergência daquele magnífico conjunto arquitetônico:

“O modo como Niemeyer aborda o projeto foi condicionado pelos vestígios do barroco colonial e pelos aspectos climáticos e físicos de seu país. O Barroco Luxuriante de Portugal, nascido dentre contornos austeros ibéricos, nunca teve abrigo tão apropriado quanto o cenário tropical e subtropical de muitas partes do Brasil. Por outro lado, umidade e altas temperaturas forçam um uso generoso do espaço e da paisagem que, variando de fantástica a magnificente, fazem obrigatória sua incorporação ao partido arquitetônico. Assim vemos nos edifícios de Niemeyer vistas cuidadosamente selecionadas e emolduradas, brisas aprisionadas e canalizadas, espaços com seus próprios horizontes interiores, proporcionando ao habitante mais que um mínimo de ambiente “suficiente” para viver. […] E suas linhas curvas, inspiradas no barroco, tornadas realidades estruturais mediante a ossatura do concreto armado, amalgam-se às sinuosidades dos pequenos vales aluviais e às formações de altos montes que os emolduram” (2).

O clima e a paisagem tropicais, o barroco de origem ibérica e as linhas sinuosas em concreto armado conjugados em uma unidade inédita são destacados por Papadaki, como os elementos geradores e caracterizadores da obra do arquiteto. Não deixa de escapar ao seu olhar crítico, no entanto, alguns aspectos das edificações até então realizadas que a impregnam de uma qualidade particular ao atender às demandas funcionais do programa: “Niemeyer sabe conceber e justificar o espaço empírico que cria distâncias, perspectivas, ilhas de repouso, necessárias às relações naturais entre pessoas sob o mesmo teto.” Há em Papadaki a sensibilidade para perceber a habilidade de Niemeyer para lidar com a matéria prima da arquitetura – o espaço, e conformá-lo para garantir, em condições diversas, a interação entre pessoas.

Em De vidro e concreto, Frederico de Holanda se debruça sobre o espaço das arquiteturas de Niemeyer. O autor nos apresenta uma análise acerca da relação entre espaço interior e espaço exterior – melhor, uma crítica acerca do gesto manipulador do envelope arquitetônico. Longe de querer abarcar a grandeza e complexidade de uma obra em pleno desenvolvimento, o estudo crítico é precioso por revelar a sabedoria do arquiteto ao lidar com a função precípua da arquitetura – constituir ambientes para o usufruto do homem. Revela, também, que obras recentes são menos eficientes na promoção de uma intensa e permanente mistura de corpos e desejos no contexto das cidades contemporâneas.

Segundo Hillier (3), ocupação e movimento são as funções genéricas do espaço arquitetônico. Toda parcela de espaço permite que o ocupemos para o desenvolvimento de atividades as mais diversas, bem como para o deslocamento dos nossos corpos. A ocupação e o movimento são condições necessárias para a construção da relação entre pessoas – estar presente no mesmo espaço ou estabelecer contato visual em um mesmo ambiente ou em ambientes distintos são condições mediadas pelas características materiais e espaciais da arquitetura. Copresença e cociência são, portanto, mecanismos socioespaciais fundamentais para a estruturação do nosso cotidiano.

A relação entre os espaços livres e contínuos, que definem os espaços urbanos por excelência, e os espaços fechados e descontínuos, que compõem as edificações, constitui, em certa medida, o grau de copresença e cociência das áreas públicas e, por consequência, as maneiras como movimento e ocupação se manifestam nas nossas cidades. Cada edificação é responsável, por meio do seu envelope, por constituir as relações de acesso e visão entre as duas esferas – a pública e a privada –independentemente das atividades que abriguem ou dos atributos simbólicos que a elas tenham sido atribuídos. Portanto, todas as arquiteturas desempenham o mesmo papel, independente de seus valores – como bem ou signo, nos dizeres do autor.

Ao olhar para a obra de Oscar Niemeyer sob tal enfoque, Holanda questiona em que medida suas edificações contribuem para a caracterização dos espaços urbanos nos quais estão inseridos. Essa, digamos, dessacralização (ou desmistificação) de obras emblemáticas da arquitetura do século XX, como o Ministério da Educação e Saúde Pública, renomeado como Palácio Gustavo Capanema, no Rio e Janeiro, o conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, o Parque do Ibirabuera, em São Paulo, e a Catedral de Brasília, na capital federal, para citar apenas algumas obras analisadas pelo autor, permite a construção de um arcabouço reflexivo para além das curvas, das massas, do barroco e dos trópicos ensolarados (4).

Se a arte de projetar é a arte de ordenar a vida humana, Holanda nos mostra como Niemeyer vai, em sua longa carreira, constituindo ambientes urbanos cada vez mais modernos, segundo um progressivo enclausuramento dos ambientes interiores e uma distribuição de portas e janelas que minimizam a possibilidade de copresença e cociência nas cidades que abrigam suas obras. Se a obra de Niemeyer desenvolve-se de uma “arquitetura como construir portas, de abrir; ou como construir o aberto”, para uma arquitetura que “renegou dar a viver no claro e aberto. Onde vãos de abrir, ele foi amurando opacos de fechar; onde vidro, concreto; até refechar o homem”, segundo o lamento concreto de João Cabral de Melo Neto, as consequências dessa transição para as cidades que as abrigam são (e serão) significativas. Os efeitos desse construir fechado, desse separar corpos, desse esvaziar vazios – principalmente os urbanos – são percebidos por urbanitas de ontem e de hoje em seus cotidianos progressivamente mais fechados, separados e vazios. O próprio Holanda nos descreveu, preciosamente, a emergência de uma faceta particular do urbanismo moderno em seu texto clássico A determinação negativa do movimento moderno (5). No contexto descrito, a obra de Oscar Niemeyer não é excepcional. Pelo contrário, como tantas outras, contribui modestamente – pois a emergência se dá pela promoção não coordenada de diversas ações singulares – para a consolidação de uma forma particular de cidade.

No alvorecer do século XXI e do centenário do maior arquiteto brasileiro do século passado, e quiçá deste, o desejo de edificar uma obra com sua assinatura é um desejo de políticos interessados em consagrar uma marca pessoal para o futuro; de intelectuais apreciadores das manifestações tardias do nosso modernismo sedutor; de cidadãos comuns de todo o mundo, pois suas obras sempre serão objetos do interesse das hordas cada vez maiores de turistas – afinal vivemos a era dos movimentos temporários e da economia do ócio e do espetáculo. Afinal, para atender ao receituário dos empreendimentos renovadores de paisagens urbanas faz-se necessária a presença de obra magnífica de autor magistral.

Para todos esses interessados em adquirir uma peça da grife ON, recomenda-se a leitura atenta dos argumentos e análises que Frederico de Holanda nos apresenta. Espera-se com isso que as próximas encomendas cheguem à emblemática cobertura da Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, com algumas recomendações: queremos o Oscar urbanista arquiteto, aquele que tão sabiamente nos contemplou com obras que prezavam pela plena interação entre espaços – os do interior e os do exterior, sejam eles das paisagens naturais ou das urbanizadas – e promoviam o atrito desejável entre os belos corpos dos cidadãos do mundo.

Vida longa para o Oscar Niemeyer urbanista, “quando é mais arquiteto”!

Vida longa para a pena arguta e precisa de Frederico de Holanda!

Vida longa para nossas arquiteturas e cidades plenas de “ar luz razão certa”!

Memorial da América Latina, São Paulo. Arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Eduardo Pompeo Martins


notas

NE
Este texto é o prefácio do livro

1
GOODWIN, Phillip. L. Brazil Builds: architecture new and old, 1652-1942. Fotografias de G. E. Kidder Smith. Nova York, The museum of Modern Art, 1943.

2
PAPADAKI, Stamo. The Work of Oscar Niemeyer. Nova York, Reinhold, 1950, p. i-j (tradução Luiz Amorim). Stamo Papadaki é o autor de outras duas monografias sobre o arquiteto: PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: works in progress. Nova York, Reinhold, 1956; PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer. Nova York, George Braziller, 1960.

3
HILLIER, Bill. Space is the machine: a configurational theory of architecture. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.

4
A referida, digamos, moldura crítica é estimulada pelo próprio arquiteto: “Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”. NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura – 1937-2005. Rio de Janeiro, Revan, 2005, p. 339.

5
Ver HOLANDA, Frederico de. (org.). Arquitetura & urbanidade. São Paulo, Pro Editores, 2003.

sobre o autor

Luiz Amorim é Professor Associado II da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador I do CNPq.

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Oscar Niemeyer

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Oscar Niemeyer

De vidro e concreto

Frederico de Holanda

2010

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