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As múltiplas relações entre Estados Unidos e Brasil no âmbito arquitetônico têm merecido pouca atenção da nossa historiografia, mais preocupada em registrar o intercâmbio de ideias entre os países americanos com a arquitetura europeia

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CAMARGO, Mônica Junqueira de. Por uma arquitetura pan-americana. Resenhas Online, São Paulo, ano 11, n. 129.02, Vitruvius, set. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/11.129/4485>.


A história do continente americano tem ainda muitas lacunas inexploradas, da constituição de seus territórios à relação entre eles. A própria presença dos Estados Unidos, que assumiu papel hegemônico na cultura ocidental da segunda metade do século 20, ainda não foi devidamente investigada no âmbito da América Latina e em particular do Brasil, sendo o trabalho de Fernando Atique uma entrada estimulante pelo que revela dessa história e pelas possibilidades que abre para novas investigações.

Atique tem se mostrado um pesquisador perspicaz e destemido, que se dispõe a trabalhar com fontes primárias inéditas, confrontando-as com textos canônicos e com a mais recente bibliografia, problematizando e recuperando elementos que têm permitido novas leituras de versões consagradas. Assim foi seu mestrado – Memória moderna: a trajetória do edifício Esther, publicado em 2004 , que a partir de acervos particulares trouxe documentação inédita à história da cidade de São Paulo, e mais recentemente seu doutorado, que deu origem ao livro – Arquitetando a boa vizinhança: Arquitetura, cidade e cultura nas relações Brasil- Estados Unidos 1876 –1945, ambos excelentes contribuições ao campo da história.

A perscrutação das relações entre os países da América é uma tarefa necessária para a compreensão do desenvolvimento deste continente, para a qual, em especial para as relações do Brasil, este trabalho se constitui uma pista fundamental. A trajetória traçada por Atique identifica as origens do descolamento dos Estados Unidos do resto da América Latina e a construção de sua supremacia, desde a Doutrina Monroe de 1823, cujo lema América para os americanos, sintetiza as estratégias políticas. As primeiras manifestações a favor de uma integração do continente americano, que remontam ao início dos 1800 com a proposta de Simon Bolivar, consolidar-se-iam a partir do último quartel do século 19 no pan-americanismo, movimento, segundo Atique, com muitos reflexos no contexto brasileiro pré e imediatamente pós-republicano.

Não por acaso, o foco de sua pesquisa está voltado à área da educação, pois trata-se de uma das contribuições, reconhecidamente, de maior relevância da cultura americana, especialmente em relação ao ensino superior. O historiador Nikolaus Pevsner, por exemplo, no seu compêndio Panorama da arquitetura ocidental, cuja conclusão refere-se à arquitetura dos Estados Unidos, estabelece essa relação entre a qualidade do ensino e da pesquisa e a sua produção arquitetônica: "Nos Estados Unidos, graças a um sistema de ensino de história da arte e da arquitetura muito mais sólido e amplamente estabelecido nas universidades e colégios, graças a uma tendência nacional no sentido de fazer as coisas até o fim, com base numa documentação internacional, a pesquisa sobre arquitetura é infinitamente mais ativa e mais bem-sucedida" (1).

A partir de pistas vagas e dispersas, Atique promoveu uma diligência nos arquivos institucionais, recuperando disciplinas, histórico escolar; lista de alunos; nos acervos das fraternitys, – agremiações estudantis de forte presença na vida universitária americana – desvendando informações da trajetória dos estudantes brasileiros, criando um conjunto de documentos de grande valor histórico. Assim, conseguiu identificar o processo de constituição das escolas americanas na América Latina pela ação da rede missionária Board of Foreign Mission; a aproximação de Rui Barbosa à política americana e os acordos por ele promovidos especialmente na área da educação, como descrito à p. 43: "Rui Barbosa foi um dos responsáveis pelo esboço jurídico capaz de legalizar a atuação da State University of New York, no setor educacional brasileiro, no princípio da década de 1890”; e o trânsito de estudantes brasileiros nas universidades americanas particularmente na University of Pennsylvania, medidas essas que tiveram repercussão no ensino brasileiro, especialmente de engenharia e arquitetura e na produção arquitetônica da primeira metade do século 20. A recuperação da trajetória de alguns dos egressos de Penn (George Henry Krug; William Procter Preston; John Pollock Curtis; Christiano Stockler das Neves; Eugênio de Almeida; Edgard Pinheiro Vianna; Fernando Gama Rodrigues e Washington Azevedo) oferece indícios para uma melhor compreensão da produção arquitetônica das primeiras décadas do século 20 no Brasil e das relações entre o neocolonial brasileiro e mission style americano.

As evidências mais visíveis no âmbito do ensino são as relações institucionais, de fundo religioso, entre a Escola de Engenharia Mackenzie e a Universidade de Nova York, com o intercâmbio de estudantes e o reconhecimento de diplomas, esmiuçadas em profundidade por essa pesquisa, bem como as reações por parte da sociedade brasileira. Quanto ao ensino de arquitetura, a influência americana se torna mais aguçada pela participação de um dos egressos de Penn, Stockler das Neves, como criador do curso de arquitetura nessa escola e seu diretor até a década de 1950.

A penetração americana, historiograficamente bastante evidenciada a partir da segunda metade do século 20, nos anos de guerra fria em que aumentou exponencialmente, teve origens longínquas, conforme resgata Atique. Embora Iniciada sorrateiramente pela importação de artigos industrializados, de eletrodomésticos a produtos alimentícios, a estratégia capitalista de criação de demandas como parte de um plano imperialista não passou desapercebida dos nossos intelectuais. Enquanto a ascendência europeia na formação e produção dos arquitetos brasileiros era reconhecida e valorizada pela maioria dos profissionais, tanto teóricos como práticos, haja vista o destaque de le Corbusier na historiografia da arquitetura moderna; a referência à arquitetura americana foi mais discreta, quase velada, quando não ignorada ou mesmo criticada, até com certa ironia, como no seminal texto de Lúcio Costa, de 1934, Razões da nova arquitetura, no qual entre as justificativas para sua irrevogável adesão à arquitetura moderna de matriz corbusiana, destaca a falta de compreensão dos colegas americanos às novas solicitações estéticas, comparando-os aos romanos:

Assim, com 20 séculos de intervalo, a história se repete. Os romanos – admiráveis engenheiros – servindo-se de alvenaria e concreto, ergueram, graças aos arcos e abóbadas, estruturas surpreendentes: não perceberam que a dois passos estava a arquitetura – apelaram para a Grécia decadente. Revestiram a nudez sadia dos seus monumentos com uma crosta de colunas e platibandas de mármore travertino – vestígios de um sistema construtivo oposto. E foram precisamente os gregos em Bizâncio – Santa Sofia – que aproveitaram, tirando-lhe todo o partido da extraordinária beleza, a nova técnica. (1997, p.33).

Aliás existem outras curiosas afinidades entre esses dois povos tão afastados no tempo: a coragem de empreender, a arte de organizar, a ciência de administrar; a variedade das raças, a opulência dos centros cívicos; os estádios e certa ferocidade esportiva; o pragmatismo; o mecenismo; o gosto da popularidade; o próprio jeitão dos senadores e, até mesmo a mania das recepções triunfais – tudo os aproxima. Tudo que o romano tocava, logo tomava ares romanos; quase todos que atravessam o continente saem carimbados: USA.

Por razões que não cabem ser esmiuçadas nessa conversa com o texto analisado, a arquitetura europeia sempre foi, com raras exceções, um bom modelo à produção brasileira, que acabou por contaminar também a nossa crítica e a nossa historiografia, que pouca atenção tem dado ao intercâmbio de ideias entre os países americanos. Por exemplo, são constantes as referências nos manuais brasileiros aos congressos CIAM, especialmente ao quarto de 1933 e sua carta de Atenas, e quase nada se comenta sobre os Congressos Pan-Americanos, ocorridos entre 1920 – o primeiro e 1940 o quinto e último, que como comprova Atique (p.50), "não só gozaram de grande notoriedade, como foram os principais fóruns de debates dos arquitetos do continente americano, antecipando, em certo sentido, e encontrando, muitas vezes, mais prestígio do que os contemporâneos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM". Os temas debatidos nesses cinco encontros são fundamentais da cultura arquitetônica e continuam na pauta das discussões atuais: regulamentação da profissão; urbanismo e patrimônio histórico; ensino e movimento moderno; nacionalismo x arquitetura moderna, e metropolização das cidades da América do Sul, cuja documentação é uma fonte preciosa para a análise histórica de qualquer um desses temas, como a realizada por Atique sobre o ensino, a profissão e a produção dos arquitetos no Brasil.

Cartaz do IV Congresso Pan-Americano de 1930
Imagem divulgação

A contribuição dessa intensa pesquisa tem seu ápice na cuidadosa análise do estilo missões e suas relações com o movimento neocolonial, como mais um resultado do pan-americanismo e do intercâmbio de estudantes e profissionais: "o missões não é arquitetura originada no Brasil, mas, aqui, ele encontrou um campo e foi desenvolvido, dentro de um movimento de pan-americanização cultural e arquitetônico" (p. 213). A farta documentação recolhida sobre o desenvolvimento do estilo missões nos Estados Unidos e sua penetração pelos docentes e discentes dos três cursos brasileiros de arquitetura daquele momento: Escola Nacional de Belas Artes, Escola Politécnica e Escola de Engenharia Mackenzie, bem como a sua disseminação entre projetistas e revistas dá a dimensão da intensa troca entre os profissionais americanos no início do século 20, apesar da sua quase ausência nos panoramas históricos escritos até então.

As novas e muitas referências sobre o desenvolvimento do campo da arquitetura no Brasil introduzidas por Arquitetando a boa vizinhança: Arquitetura, cidade e cultura nas relações Brasil- Estados unidos 1876 –1945 e a perspicaz interpretação desses documentos inéditos por Fernando Atique tornam esse texto leitura obrigatória aos estudiosos da arquitetura desse período.

notas

1
PEVSNER, Nikolaus. Panorama da arquitetura ocidental, 1982, p. 430

sobre a autora

Mônica Junqueira de Camargo é arquiteta, professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da FAU USP. Desde 2008, é editora-chefe desta revista Pós, revista do programa de pós-graduação da FAU USP.

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resenha do livro

Arquitetando a "boa vizinhança"

Arquitetando a "boa vizinhança"

Arquitetura, cidade e cultura nas relações Brasil- Estados Unidos 1876-1945

Fernando Atique

2010

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