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Com foco na atuação da UN-Habitat da ONU, Denise Antonucci organiza uma coletânea de grande interesse acadêmico para debater a questão da moradia digna

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PAVIANI, Aldo. A ONU também trata do urbano. A ação do UN-Habitat nos anos recentes. Resenhas Online, São Paulo, ano 11, n. 130.02, Vitruvius, out. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/11.130/4551>.


De modo geral, poucas pessoas imaginam a Organização das Nações Unidas – ONU envolvida diretamente com questões urbanas. Isso se deve, em parte, a um mundo cheio de conflitos nos quais a Instituição intervém na mediação e busca da paz, seu papel primordial. Não passa uma semana sem que a mídia informe a atuação pacificadora da ONU, marcando presença nas áreas conflituosas do planeta. A imprensa igualmente é pródiga em divulgar esse grande objetivo da ONU com mais ênfase do que as ações órgãos ancilares da organização mundial como a Unesco, Unicef, OMS, OIT, FAO e outros mais. Esses organismos, já de algum tempo, merecem a atenção dos meios diplomáticos, da academia e de outras instituições por meio de eventos científicos e por publicações que trazem à tona problemáticas específicas ligadas, por exemplo, à fome no mundo (FAO), aos direitos dos trabalhadores (OIT), ao mundo da criança (Unicef), à saúde pública (OMS), etc. Todas essas questões movimentam milhares de técnicos especializados, pesquisadores e experts, pertencentes à diplomacia, a institutos governamentais, pesquisadores de universidades e de fora dela.

Justamente, no contexto das problemáticas urbanas e ambientais é que a ONU se desdobra com UN-Habitat (United Nations Human Settlementes Programme), de hoje e com seus predecessores Habitat I e Habita II. É justamente com foco na atuação desse organismo da ONU a partir das “conferências para os fóruns” que Denise Antonucci organizou uma coletânea de grande interesse acadêmico, sob os auspícios da Universidade Presbiteriana Mackenzie, editada em 2012. Vejamos como se desdobram a estrutura e o conteúdo dessa interessante obra.

Na parte formal, uma sugestiva capa nos mostra um apinhado setor da Paulicéia, onde predominam edifícios e tufos de vegetação. Ao fundo, acima do título do livro, a névoa cinzenta da poluição do ar da capital paulista. Igualmente sugestivo é o Sumário, que traz seis fotografias aéreas antecipando os respectivos capítulos: imagens de São Paulo e do Rio em que estão salientes as edificações compactas dominando a paisagem urbana, em prejuízo às poucas praças. Adiante, abrindo os capítulos as mesmas fotografias aéreas – ampliadas – deixam transparecer pormenores das porções urbanas captadas, onde as favelas e/ou bairros pobres são emoldurados por prédios de luxo (abertura dos capítulos 1 e 2). A coletânea possui 132 páginas, os capítulos são de fácil leitura, bem documentados e apresentando a bibliografia e documentos de apoio. Ao final, na segunda orelha, pode-se encontrar o tradicional “Sobre as Autoras”.

Quanto ao conteúdo: o Prefácio de Pedro Novais é elucidador do que se irá encontrar na obra. O prefaciador contextualiza o papel da ONU e suas “agências especializadas, programas e fundos”, atuando firmemente em diversos países, com permissão ou não dos respectivos dirigentes. Novais salienta duas preocupações quanto ao papel da ONU: a soberania dos Estados, quanto à “intromissão” externa em assuntos da alçada dos países e a “questão dos direitos humanos”, quando, em alguns países, são desrespeitados, admitindo-se a atuação, nesses casos, das agências e programas do Organismo supranacional. Antecipa as temáticas a serem abordadas dos capítulos do livro e sobre a temática do “Direito à Cidade”, indicativo de “novos horizontes: se, afinal, o acesso à cidade constitui um direito, ampliam-se as possibilidades de lutar por justiça social”, conclui enfaticamente o prefaciador.

Segue-se uma breve Introdução, de autoria de Denise Antonucci, na qual antecipa o que será tratado nos capítulos subsequentes. Segundo a autora, a ONU considera que, a partir de 2007, o mundo possui mais habitantes urbanos em relação aos que vivem no campo e mais: “o mundo urbano e globalizado revela-se dividido e conflituoso” (p. 15). Com isto em mente, revela que o livro é resultado de “pesquisas acadêmicas” em dois momentos – 2007/2008 e 2009/2010. As pesquisas deram abertura para o interesse e justificativa para a “sistematização de um conjunto de referências teóricas e conceituais”, que levaram à análise da “evolução do tratamento da questão urbana na esfera das relações supranacionais” (p. 16), como resultado de consulta a documentos oficiais da ONU a respeito. Antes de antecipar os conteúdos de cada capítulo, a autora considera que as análises contribuíram para refletir sobre os “paradoxos entre a proeminência econômica das cidades e a expansão da pobreza urbana no mundo contemporâneo”, revelando “uma baixa capacidade de impor a realização de compromissos diplomáticos”, por parte dos organismos internacionais, que abrem “arenas de diálogo”, via Fóruns Urbanos Mundiais (p. 17).

O Capítulo 1, de autoria de Denise Antonucci e Angélica Tanus Benatti Alvim, trata da “UN-Habitat: das conferências aos fóruns”. O enfoque é como se deu a evolução, desde 1976, das conferências para os fóruns – mais ágeis e frequentes nas abordagens dos assentamentos urbanos, denotando uma “mudança de enfoque na ONU sobre a questão urbana” (p. 19). Houve alteração de interlocutores do Estado-Nação para múltiplos atores sociais, ao ser reconhecida a precariedade dos assentamentos humanos. Redefine-se o papel do Estado, reconhecendo-se o papel estratégico “das cidades no âmbito da economia mundial”.

Nesse capítulo, após um parágrafo em que as autoras introduzem “a ONU e as origens do UN-Habitat”, seguem com as demais subunidades: concepção político-filosófica da ONU (p. 21); 19445 – o ano da instituição da ONU (p. 22); origens do Programa UN-Habitat (p. 27) e um fecho para o capítulo (p. 30). Antonucci e Alvim acentuam como o problema dos assentamentos humanos foi tratado pela ONU e “pelas entidades supranacionais e multilaterais, indicando o transbordamento do tema da cidade para além das fronteiras nacionais”, nem sempre seguindo rigorosamente uma agenda cronológica na evolução da problemática. Esse não chega a ser um problema, pois as autoras se apoiaram em farta documentação da ONU, em eventos ocorridos em diversas partes do mundo e baseadas em autores brasileiros e estrangeiros. Esses documentos aumentaram o escopo da análise e enriqueceram o capítulo. Nota-se que houve preocupação com a história até no título da coletânea, referente à urbanização “na virada do milênio”. Mas esse enfoque evolutivo não é rígido, mesmo porque as autoras tiveram que buscar os eventos posteriores à 1ª. e 2ª. Grandes Guerras, que justificaram a substituição da “Liga das Nações”, criada em 1919 (p. 21) pela ONU, em 1945 (p.22), passando pela “Guerra Fria” (p. 23). Breves tópicos são dedicados à atuação da ONU em conflitos como “a invasão do Kuwait pelo Iraque”, o “massacre de Srebrenica”, nos conflitos da Bósnia, a Guerra da Somália (p. 24) e guerras civis, violações dos direitos humanos, genocídios, terrorismo e crime organizado internacional. Esses eventos e o clima de insegurança que pontificou o início do século XXI (p. 25) foram, em alguma medida, merecedores da intervenção da Organização.

Os eventos referidos ensejaram “uma série de debates sobre a necessidade e conveniência de reforma e revisão da Organização” (p. 25). Nesse contexto, surge o Programa UN-Habitat, “subordinado ao Conselho Econômico Social (Ecosoc)”, onde têm assento 54 países, subdivididos em agências executivas e programas e as organizações intergovernamentais especializadas – Unesco, Unicef, FAO, OIT, FMI, OMS e outras (p. 26). No tópico “origens do Programa UN-Habitat”, as autoras consideram desde o exponencial crescimento da população urbana, que, em 2006, chegou a 50% da população total, até a problemática associada a essa evolução. Levam em contra ainda: “a pobreza e abundância, deterioração do meio ambiente, falta de confiança nas instituições, expansão urbana, insegurança no emprego, alienação da juventude, rejeição aos valores tradicionais, inflação e outros problemas econômicos” (p. 27) e chegando ao grande dilema dos povos: a falta de soluções eficazes, que “não são planejadas”. Em diversas passagens, é salientada reunião de chefes de Estado em Vancouver, em 1976, sob a bandeira da Conferência Mundial sobre Assentamentos Humanos, a UNCHS – conhecida como Habitat I. Nessa reunião foram consideradas as causas e consequências da urbanização: assentamentos e ocupações precárias, falta de acesso à terra, à água potável, ao saneamento básico, à infraestrutura urbana e ao emprego (p. 28), questões essas que conclamaram esforços para mudar esse quadro, sobretudo na África e países subdesenvolvidos.

Nesse ponto, abro parêntese para salientar que, no tópico urbanização, o Habitat I incorporava o item “emprego”, mas não o desemprego, que se tornou uma “consequência” na forma pela qual os assentamentos habitacionais são efetivados. De modo geral, a moradia é erguida distante dos locais de trabalho, exigindo pesados investimentos em infraestruturas para viabilizar “corredores de transportes públicos” para que o acesso se faça sem solução de continuidade. Talvez isso se deva ao fato de que, nas décadas de 1970, 1980 e 1990 os países hegemônicos ainda não enfrentavam as crises financeiras que geraram o longo período de instabilidade econômica e de desemprego que afligiu os países desenvolvidos, na virada do milênio e, sobretudo, a partir de 2008, pós crise imobiliária americana.

Ao concluir o capítulo, Antonucci e Alvim, sintetizam os resultados das ações do UN-Habitat, salientando as quatro estratégias para atingir a meta de “cidades sem favelas”: normas legais globais, análise de informações e campo de testes de soluções e de financiamento. Essas metas estavam embutidas em mudanças paradigmáticas em que se estabeleciam premissas da “governança participativa e sustentabilidade” e tendo em mente que o UN-Habitat se manteve como “grande receptáculo de ideias nem sempre convergentes”, que focassem as transformações sociais capazes de atrair “práticas inovadoras” (p. 31).

Esse capítulo é importante para os que se interessem na forma pela qual a ONU, como instância supranacional e agregadora, estabeleceu estruturas para o equacionamento dos problemas urbanos. Os tópicos tratados, além de uma interessante retrospectiva da criação de agências e programas pela ONU, são elucidativos de como muitas reuniões convergiram para o fomento de gestões locais que superassem o viés assistencialista de governantes, chamando múltiplos atores para o levantamento e solução dos problemas urbanos em diversos países. Por isso, as autoras chamam a atenção para o fato de que: “o UN-Habitat é atualmente a instância internacional responsável pelo monitoramento dos esforços dos Estados na implementação dos objetivos traçados nos diversos fóruns em prol de cidades e sociedades mais justas e sustentáveis” (p. 31). Em “Referências” é indicada a bibliografia que deu base para o interessante capítulo introdutório.

No Capítulo 2, Angélica T. B. Alvim e Denise Antonucci abordam “As conferências das Nações Unidas sobre assentamentos humanos (1976-1996): contexto e perspectivas”. Esse capítulo recebe especial cuidado nos aspectos históricos da evolução urbana pós Grandes Guerras. Possui certa sobreposição com relação ao Habitat I, realizado em 1976 em Vancouver e o Habitat II levado a efeito em Istambul, em 1996, com a vantagem de anotar o que houve de avanço na abordagem dos assentamentos humanos nos vinte anos decorridos entre um evento e outro. Em ambas as conferências o enfoque salientou a análise dos assentamentos humanos, havendo convergência de propósitos, mas, no Habitat II, houve preocupação no envolvimento da sociedade civil, buscando a solução de problemas locais.

Após desenvolverem “um breve panorama da urbanização mundial a partir dos anos 1950”, as autoras analisam cada uma das conferências, iniciando com Habitat I, com sede em Vancouver e acontecida em 1976, passando mais adiante para o Habitat II, ocorrido em Istambul, vinte anos depois. Em ambas, com apoio em diversos autores e em documentos como a “Declaração de Vancouver”, Alvim e Antonucci se debruçam nas metas dos eventos em análise: “O desafio é estabelecer um mundo economicamente justo e igualitário, que carece de mudanças em áreas de interesse internacional”. As autoras salientam haver uma preocupação com uma “Nova Ordem Econômica Internacional” (p. 41), na qual se procuraria atingir metas como:

“a elaboração de políticas efetivas e estratégias de planejamento adaptadas às condições locais; o estabelecimento de assentamentos mais eficientes considerando todas as necessidades humanas; implementação de possibilidades de participação popular; a utilização conjunta de ciência, tecnologia e financiamentos internacionais na formulação e implementação dos programas de assentamentos; utilização dos mais eficientes meios de comunicação para adquirir informação sobre as experiências internacionais no campo dos assentamentos humanos; o estabelecimento de laços de cooperação internacional e regional; e a criação de condições para a atividade econômico-social” (p. 41).

Essas indicações servem de base para delinear a “Resolução Final do Habitat I” bem como para nortear as demais conferências sobre assentamentos humanos. Nesse ponto, as autoras inserem dezenove itens componentes da “Declaração de Vancouver” (p. 42 a 44), para a qual sugiro a atenção do leitor. Também de grande interesse se reveste o “Plano de Ação de Vancouver 1976”, que é um encerramento de um ciclo no qual se dá ênfase à ação dos Estados, que poderiam se apoiar em sessenta e quatro recomendações sumariadas em tópicos como “políticas e estratégias de assentamentos; planejamento dos assentamentos; habitação, infraestruturas e serviços; terra; participação pública e instituições e gerenciamento” (p. 45). Essas indicações são descritas nas páginas seguintes com apoio em autores que se ocuparam com as conferências e em documentos da UNCHS (United Nations Centre for Human Settlements). A passagem do tempo, consideram as autoras, pode ter tornado obsoletas algumas das recomendações, mas algumas (delas) permanecem válidas até hoje (p. 48).

O mesmo tratamento esmerado é conferido por Alvim e Antonucci à conferência ocorrida em 1996, em Istambul – a Conferência Habitat II. Inicialmente, é realizada uma descrição dos eventos e procedimentos que antecederam a conferência, que foi adotada por 171 países participantes e, em resumo, chegou a 600 recomendações, que se enfeixam em uma centena de compromissos (p. 48). A organização do evento contou com um brasileiro de renome, Jorge Wilheim. Em 2007, Wilheim deu entrevista às autoras, que captaram muitas informações de um experimentado “insider”. Avançando nas temáticas da Conferência Habitat I, a Habitat II “adotou dois temas de igual importância: a questão da moradia adequada para todos e o desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos em um mundo em urbanização” (p. 50). Abro um segundo parêntese para informar que ao longo desse capítulo há inumeráveis referências ao termo sustentabilidade sem que as autoras indiquem como essa questão foi conceituada e/ou desdobrada em suas implicações. Atualmente, todos se ocupam com a questão da sustentabilidade ambiental, quando justamente nos campos e nas cidades os problemas ambientais são crescentes e indicam a incapacidade do homem manter a flora, a fauna e o território habitado livre de dilapidações – cruciais inimigas da conservação/sustentabilidade e que estão presentes em todos os lugares. Parece, claramente que, na velocidade dos desgaste naturais provocados pelo homem, que a sustentabilidade é mais um desses termos da moda a configurar uma meta distante: seria uma utopia?

Em sequência, a obra trata da Declaração de Istambul para Assentamentos Humanos – Habitat II e da Agenda Habitat, encaminhando-se para os Princípios, Objetivos da Agenda Habitat e os Compromissos da Agenda Habitat (p. 51 a 55). Esses itens são a essência do que se concluiu em Istambul, sendo merecedores de atenta leitura por parte dos interessados. Pode-se dar destaque a um elemento chave da conferência no fato de que

O direito à habitação foi reafirmado com a necessidade do direito de posse, proteção contra discriminação e acesso igual para a habitação adequada e acessível para todas as pessoas. Esse objetivo se revela em padrões sustentáveis de produção, consumo, transporte e desenvolvimento dos assentamentos, prevenção de poluição, respeito pela capacidade de manutenção do ecossistema e a preservação de oportunidades para gerações futuras (p. 52).

Esse tópico, em que as autoras, traduzindo o documento da UN-Habitat, referem como sendo “uma nova era de cooperação, uma era de cultura e solidariedade.” Isso levaria à construção de “um mundo onde cada um possa viver em uma casa segura, com a promessa de uma vida decente de dignidade, boa saúde, segurança, felicidade e esperança”, isto é, uma visão atomista oferecendo um sentido de esperança que deve ter permeado o evento.

Alvim e Antonucci, a seguir, descrevem os seis compromissos da Agenda Habitat para o meio urbano, quais sejam:

  • promover o uso sustentável do solo [comento que deveriam ter grafado uso da terra, pois se trata de utilizar uma área (terreno) para a habitação, como mais adiante afirmam “melhor uso possível da terra”] (p. 56);
  • desenvolver aspectos sociais – erradicar a pobreza, criar empregos e integrar as questões sociais;
  • desenvolver assentamentos humanos sustentáveis e saudáveis;
  • conservar e reabilitar o patrimônio histórico;
  • melhorar as economias urbanas;
  • prevenir desastres.

Após explicitar “dissonâncias e convergências da Agenda Habitat”, as autoras desenvolvem a questão do “eixo político”. Nesse tópico, é resumidamente antecipado em uma criativa comparação entre a Conferência de 1976 (Vancouver) e a de 1996 (Istambul). Trata-se do “Quadro 3”, que se desenvolve entre as páginas 63 e 67, com comparações dos diferentes aspectos tratados nas duas conferências como, por exemplo, o papel do Estado, as políticas e processos de planejamento e as relações internacionais.

O mesmo tratamento comparativo é realizado pelas autoras no “eixo socioeconômico”. Inicialmente, é realizado em sumário desse aspecto e, mais adiante, entre as páginas 70 e 71, apresentam o “Quadro 4”, em que comparece o cotejo entre o que se tratou (e concluiu) em Vancouver em relação a Istambul, em termos de “segurança pública”, “diversidade e identidade”, “captação de recursos” e “direitos”. Essa elaboração facilita o entendimento de como as questões tratadas evoluíram entre um evento e outro, facilitando o leitor na compreensão dos problemas discutidos e dos encaminhamentos indicados pela UN-Habitat.

O último eixo temático trata das questões físico-ambientais. Esse eixo recebe uma análise apoiada em autores que igualmente escreveram ou acompanharam a evolução das conferências levadas a cabo em 1976 e 1996. Na conferência de Vancouver “aparece pela primeira vez o reconhecimento das diversas formas de habitação informal – como favelas e loteamentos irregulares -, apenas no Habitat II (Istambul) tais assentamentos serão alvos de políticas públicas” (p. 73). Nos anos 1970, surge o termo ecodesenvolvimento, surgido na Conferência de Estocolmo, revigorado em Vancouver como “ideia-força”, segundo as autoras, apoiadas em Vieira (1996), para indicar uma forma “criativa” de iniciativas de dinamização econômica sensíveis aos fenômenos de degradação do meio ambiente e da marginalização social, cultural e política, (p. 74). O ecodesenvolvimento cede espaço para um termo largamente utilizado até hoje: desenvolvimento sustentável, a partir dos anos 1980, visando associar às questões ambientais aos problemas de desenvolvimento econômico. “A busca por uma vida saudável, segura e produtiva, segundo a Agenda Habitat, ocorrerá por meio da compatibilização entre desenvolvimento econômico e social e proteção ambiental”, indicam Alvim e Antonucci, antes de apresentar o Quadro 5, em que comparam as duas conferências em termos de recomendações sobre a temática econômico-social e a ambiental (pp. 76 a 78). O Capítulo 2 foi bem elaborado e fornecesse farta documentação e análises comparativas, muito úteis para quem deseja acompanhar as conferências patrocinadas pela UN-Habitat, passando por outros eventos, inclusive o “Grande Encontro da Terra”, o ECO-1992, realizado há vinte anos no Rio de Janeiro (p. 75). Ao fechar o capítulo, as autoras apontam os múltiplos avanços ocorridos, em termos de:

  • indicação de novas práticas para a redução da pobreza e para o desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental;
  • novas agendas para um mundo cada vez mais urbanizado;
  • avanços em termos de direitos humanos, direitos à moradia digna com intervenção nos assentamentos precários (favelas);
  • novas formas de relações dos atores urbanos no interior da definição do um novo papel para o Estado, quanto à agenda de políticas urbanas e habitacional (p. 80 e 81).

No Capítulo 3, Volia Regina Costa Kato e Silvana Ziani nos trazem as temáticas que envolvem Fóruns urbanos mundiais do UN-Habitat: tensões e impasses de uma ordem histórica de transição. Em relação aos capítulos anteriores, que versam a respeito das conferências de 1976 e 1996, respectivamente realizadas em Vancouver e Istambul, o presente capítulo indica os avanços efetivados pela UN-Habitat, resaltando as tensões e os impasses “de uma ordem histórica de transição paradigmática da modernidade”, citando Boaventura de Sousa Santos (p. 85). Inicialmente, as autoras resumem os “antecedentes dos fóruns urbanos mundiais” (p. 87) para descrever os “diálogos e ações em movimento” (p. 90), traduzidos em novos encontros mundiais em: Nairóbi (2002), Barcelona (2004), Vancouver (2006), Nanquin (2008) e Rio de Janeiro (2010).

Em síntese esses fóruns mundiais, repetem as temáticas das Conferências, agregando novas preocupações em relação aos desafios de um mundo em urbanização acelerada, reafirmando “discursos de consenso em relação aos compromissos internacionais de combate ao que passa a ser denominado urbanização da pobreza (p. 90), com a comprovação da pouca efetividade ou “descontinuidade” no cumprimento das “Metas do Milênio”. A rigor, bem observado por Kato e Ziani, as temáticas propostos nos encontros citados “evidenciam uma repetição das questões consideradas estratégicas e condensadas nas Metas do Milênio, na busca de angariar consensos e, sobretudo encontrar caminhos de efetivação dos compromissos” (p. 94). Após sumariar o que se efetivou nos debates, as autoras passam a considerar o que ocorreu em Nairóbi, em 2002, sob o título “rearranjos político-institucionais” em relação urbanização mundial, que é amplamente explicitado nessa unidade. À página 98, as autoras sintetizam reconhecer-se, em Nairóbi, que:

“a urbanização é um processo dinâmico interconectado e de difícil controle, concretizado na escala mundial e que por isso mesmo os efeitos da pobreza e das iniquidades sociais que afetam as cidades dos países em desenvolvimento tendem a produzir efeitos ampliados sobre todas as outras”.

Já em 2004, o encontro de Barcelona trata de questões ligadas às interlocuções e à diversidade cultural, como atestam as temáticas abordadas, com destaque para: diálogos entre parceiros; realidades e governança urbana; pobreza urbana; recursos urbanos; desastres urbanos e reconstrução, entre outros. Cada um dos itens é a seguir descrito, chegando à síntese: o Fórum de Barcelona reafirma:

“o reconhecimento dos desafios do futuro, considerando as fortes implicações da acelerada e extensiva urbanização mundial em relação ao atendimento das necessidades básicas da população, em especial nas megacidades ou em áreas de conurbação regional; sobre a qualidade de vida urbana; e sobre as suscebilidades de conflitos decorrentes da proximidade de diferenças culturais” (p. 101).

Em Barcelona, o Brasil foi considerado um dos países em que houve “significativos” avanços nas questões das políticas sociais por contar com projetos para atender as populações pobres.

Kato e Ziani passam a examinar os demais Fóruns: em 2006, em Barcelona, em 2008, em Nanquin e, em 2010, no Rio de Janeiro. Sintetizam-se as preocupações constantes nesses eventos que incluem: cidades sustentáveis, financiamento da habitação (tema que atravessa a maioria das discussões), participação coletiva, inclusão de minorias e da população vulnerável, equidade e inclusão social, riscos ambientais (tema que ganha força em razão das mudanças climáticas globais e que as autoras ressaltam ao longo do artigo). Seguem-se: custos da habitação, busca de recursos para implantar infraestruturas (têm destaque o debate sobre o papel das agências internacionais para a melhoria das condições de vida nas favelas) entre outras temáticas acontecidas – muitas vezes de forma repetitiva nessas reuniões. Destaca-se “o direito à cidade” como elemento agregador das preocupações para atingir essa grande meta e “garantir o ambiente, o crescimento e o desenvolvimento urbano sustentável”, como debatido em 2010 e dentro das premissas da UN-Habitat (p. 107).

O direito à cidade é tema que demarca o andamento dos debates e do estabelecimento de ações concretas, que tiveram avanços em relação aos diálogos havidos anteriormente ao Fórum do Rio de Janeiro, em 2010. Para concretizar o direito à cidade, Kato e Ziani ressaltam que mulheres, jovens e moradores de favelas devem ultrapassar “barreiras” para

“o acesso aos serviços urbanos básicos e aos benefícios oferecidos pela cidade, e a participação deles como parceiros do fórum (que) legitimou o objetivo proposto para o evento: promover o direito à cidade um “esforço coletivo que tem que ser perseguido da mesma forma por governos, setor privado, sociedade civil e público em geral, garantindo que todos tenhamos uma atuação coletiva para unir o urbano dividido” (traduzido pelas autoras do Relatório da quinta sessão do Fórum Urbano Mundial, Rio de Janeiro, 2010)”.

Com A participação do Brasil no UN-Habitat, Silvana Zioni e Volia Regina Costa Kato, encerram a coletânea. O Capítulo 4 foi inscrito na obra de forma pertinente e positiva. Penso que não poderia deixar de sê-lo. Esse fecho da obra demonstra claramente o pioneirismo do Brasil, como um dos fundadores da ONU e como um país que liderou, no continente, ações para a paz e os direitos humanos. Para esse fim, participou de 23 missões de paz do Conselho de Segurança, sendo um membro com assento em vaga temporária deste conselho. Atualmente, é o 14º país em contribuições orçamentárias para o ONU. O Brasil se oferece como candidato e mesmo pleiteia vaga permanente no Conselho de Segurança, aguardando a reforma institucional na Organização.

Neste capítulo, as autoras indicam argumentos e farta documentação para quem deseja se inteirar do papel que o Brasil desempenhou e desempenha no seio da comunidade mundial. O país abriga em seu território cerca de vinte representações da ONU – escritórios regionais e a representação do Rolac (Regional Office for Latin America and the Caribbean), que atende todos os países latino-americanos e o Caribe (ver lista dessas representações à página 117). Essa proeminência do Brasil se deve ao fato de que o governo brasileiro, por seu Ministério das Cidades, acentua que “quando se defende o direito à cidade, defende-se o direito ao espaço democrático que rompe com a exclusão e com o processo de fragmentação existente hoje em nossas cidades” (p. 115). Para tal propósito, deseja unir o “urbano dividido”, tal como foi defendido no Rio de Janeiro no V Fórum Urbano Mundial, em 2010.

Igualmente, no encerramento da obra fica patente que um elenco de profissionais empenha-se para bem representar o Brasil no Fórum Urbano Mundial e em todas as conferências levadas a efeito. As autoras citam como personalidades proeminentes: o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, que atuou no projeto para a efetivação do UN-Habitat, a II Conferência Mundial sobre Assentamentos Humanos, realizada em Istambul, em 1996; o embaixador Paulo Sérgio Pinheiro, com destaque no governo brasileiro, entre 2000 e 2008, por ter relatado na ONU a situação dos direitos humanos; Ermínia Maricato, participante do Conselho Consultivo da Rede Global de Pesquisa sobre Assentamentos Humanos e Raquel Rolnik, que foi secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, tendo atuado como relatora especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia.

Para estimular os interessados nas temáticas tratadas na coletânea, sugiro a leitura das subunidades a seguir listadas, que demonstram o teor e a profundidade do que foi investigado por Zioni e Kato.

  • a representação do UN-Habitat no Brasil (p. 119);
  • o Brasil no contexto do UN-Habitat (p. 120-123);
  • como são avaliados os objetivos de desenvolvimento do milênio no Brasil (p. 124-129).

Ao finalizar o capítulo e a coletânea, as autoras mostram, de forma otimista, o papel do Brasil no âmbito internacional e o seu desempenho diplomático e político ao se desincumbir de missões importantes desde a fundação da ONU:

“A atuação do Brasil no âmbito das discussões que atravessaram os Fóruns Urbanos Mundiais e o fato de sediar o encontro internacional de 2010 denotam o reconhecimento de seu papel de vanguarda especialmente pela implantação de novos marcos político-institucionais de regulação das políticas públicas urbanas, congregados na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade, nos quais os direitos sociais passam a ser priorizados” (p. 130).

Em conclusão: ficou evidente, ao longo da obra Urbanização na virada do milênio: enfoques e perspectivas do programa UN-Habitat, de como a ONU e suas agências e programas se empenham para debater a questão da moradia digna, pela qual os desvalidos têm facilitado o acesso à cidade e a seus benefícios. Em todas as conferências e com o trabalho de inumeráveis especialistas do mundo inteiro fica evidente o empenho em levar a bom termo os compromissos para elevar os padrões de vida das populações pobres, especialmente os habitantes de favelas. Ficou explicitado que a moradia se tornou um direito dos cidadãos. Penso que, frente à crise mundial, as futuras conferências e debates deveriam incorporar não apenas o direito à moradia, mas igualmente direito ao trabalho remunerado condignamente. Sugiro que moradia e trabalho estejam próximos um do outro, pois, sobretudo nas grandes metrópoles mundiais, avoluma-se o grande fardo dos deslocamentos diários para o trabalho, que recai sobre ombros dos empobrecidos habitantes das periferias dos grandes aglomerados urbanos. O flagelo do desemprego se avoluma e faz sofrer os menos preparados educacionalmente, geralmente trabalhadores pobres. Essa temática fica ainda mais necessária em um mundo abalado por crises econômicas, que se refletem no crescente volume de desempregados – nos países desenvolvidos e nos “em vias de desenvolvimento”, indistintamente.

Ao final, considero importante essa obra que vem a público sob o patrocínio da Universidade Presbiteriana Mackenzie e a recomendo aos que desejam atualizar-se em questões ligadas ao urbanismo, à geografia das cidades, à sociologia e antropologia urbanas, e logicamente à história urbana. A indicação procede à medida que não são muito frequentes lançamentos de obras/coletâneas que nos trazem ensinamentos sobre o papel e o trabalho da ONU, especialmente do UN-Habitat como a excelente Urbanização na virada do milênio: enfoques e perspectivas do programa UN-Habitat.

sobre o autor

Aldo Paviani é professor emérito da UnB e professor titular do Departamento de Geografia e Pesquisador Associado da Universidade de Brasília.

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resenha do livro

Urbanização na virada do milênio

Urbanização na virada do milênio

Enfoques e perspectivas do programa UN-Habitat

Denise Antonucci (Org.)

2012

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