Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
O documentário Bernardes conta a surpreendente história de um homem incrível e das suas ideias inovadoras, há muito esquecidas, um arquiteto brilhante, injustamente ignorado e que tem agora reconhecido o seu valor neste tributo.

how to quote

COSTA, Pedro Campos. Blowing in the Wind. Sergio Bernardes e o apagamento de um personagem histórico. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 158.01, Vitruvius, fev. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.158/5425>.


No início, Thiago Bernardes faz duas perguntas que nos remetem para a obra do seu avô: Por que é que a gente está a fazer este filme? Por que é que pararam de falar dele? Ao longo do filme tentamos encontrar as respostas, mas vão surgindo outras questões à medida que se torna clara a ligação íntima entre estas duas perguntas – para responder à primeira é necessário responder à segunda.

A arquitetura está umbilicalmente ligada à política. A palavra política descende da palavra polis – termo grego que se refere à cidade-estado – e as palavras urbano, urbanidade ou urbanismo descendem de urbs. A polis e a política, a cidade é inerentemente política. A arquitetura e a política têm uma relação íntima e um objetivo comum; elas ligam-se naturalmente uma à outra como ferramentas para a transformação, uma transformação coletiva. O documentário Bernardes têm a qualidade fabulosa de nos relembrar, uma vez mais, que o arquiteto trabalha com a sociedade para gerar transformação. Se consideramos este desejo de transformar inconsequente, ingênuo, ou mesmo irresponsável é porque provavelmente já nos acostumamos a ver a política como um exercício de mera diplomacia ou de auto‐promoção e a arquitetura como um serviço ou uma técnica, obscurecida pelas teias da burocracia, ou mesmo como uma disciplina autista, focada orgulhosamente sobre si mesma.

Plano Rio do Futuro, 1965. Arquiteto Sergio Bernardes
Imagem divulgação

Sérgio Bernardes foi um arquiteto que desafiou os limites da profissão. Tinha uma enorme consideração pelo território, imaginava o futuro e ambicionava provocar grandes mudanças na sociedade. A sua força motriz era ir cada vez mais longe. Bernardes acreditava que a arquitetura não deveria terminar no “know how” mas sim no “know why”, que é o mesmo que dizer que esta não se deve limitar a responder a um dado programa, deve sim criar o próprio programa em si. Com o LIC – um Laboratório de Investigação Conceptual construído dentro do seu próprio atelier nos anos 80 – Bernardes leva mais longe a sua abordagem transdisciplinar. Cria um corpo de conhecimentos e investigações de ponta sobre todo o território brasileiro e desenvolve estratégias de especulação em escalas territoriais ainda maiores, mas ele age e usa essa pesquisa com a finalidade única de construir (transformar), em total sincronia com sua crença no poder transformador da arquitetura. Devido a essa motivação fundamental para a transformação, ele acaba por cruzar o limite entre política e arquitetura, candidatando-se à Prefeitura do Rio de Janeiro. Mas mesmo enquanto político não consegue abandonar o papel do arquiteto, e foi provavelmente por isso que ele perde as eleições.

Plano Rio do Futuro, Copacabana, 1965. Arquiteto Sergio Bernardes
Imagem divulgação

A questão sobre a invisibilidade de Bernardes na história permanece, contudo, sem resposta. Nos tempos modernos, a natural visão heróica do arquiteto, dá-nos vários exemplos de arquitetos que colaboraram com ditaduras militares. Poderíamos referir o caso de Corbusier na Argélia como um dos mais conhecidos. Mas a maior contribuição deste filme para o debate arquitetônico é a sua dissecção do processo pelo qual os arquitetos e a arquitetura são validados – como o cânone acadêmico é construído ou como as narrativas dos vencedores se sobrepõem às outras. Como é possível que se apaguem impiedosamente algumas figuras da história enquanto se realçam outras? Não é assim que toda a história é construída? Surpreendo-me sempre por ter descoberto a obra de Pancho Guedes, e de outros arquitetos portugueses modernistas que construíram nas colônias de Angola e Moçambique durante a ditadura de Salazar, não em Portugal (onde estudei arquitetura e estes nomes nunca foram mencionados) mas na Holanda, onde eram admirados. A história e as narrativas são feitas por e nas redes de poder, nos corredores da influência e nos salões dos vencedores. Ao compreendermos a história do poder, desvendamos a essência da própria História.

“Enquanto que a palavra política sugere a ideia de superfície e superficial, a palavra poder evoca centro e profundidade. Tendo a história de superfície perdido o seu charme, a história política torna‐se história em profundidade, tornando-se a história do poder”.
Jacques Le Goff, 1971

Por todas estas razões, este filme vai certamente incentivar a pesquisa e o debate, e certamente contribuirá para reescrever esta estória e uma parte da história esquecida da arquitetura moderna brasileira.

Mas, este filme é, afinal de contas, uma simples homenagem a um grande arquiteto; uma bonita carta de amor de todos os que o amavam e que foram inspirados por ele. Esta homenagem emocional acaba por emocionar os espectadores por osmose. Provavelmente, alguns estudantes de arquitetura, alguns arquitetos e eventualmente alguns políticos, mas o filme vai contaminar especialmente aqueles que, como Sérgio, são sonhadores incorrigíveis, investigadores e inventores do futuro. Olhar mais além. Esta é a lição do homem que dizia que não tinha passado, tinha só presente e futuro. And the answer my friend, is blowing in the wind.

nota

NE – Este texto foi originalmente encomendado pela The Architecture Foundation para acompanhar a estreia britânica do documentário Bernardes, como parte da série The AF series Architecture on Film.

ficha técnica

título
Bernardes

direção
Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros

ano
2014

duração
1h31min

argumento
Thiago Bernardes

roteiro
Gustavo Gama Rodrigues, Paulo de Barros e Yan Motta

fotografia
Stefan Heiss e Paulo de Barros

sobre o autor

Pedro Campos Costa; arquitecto em Lisboa e curador de Homeland, que transformou o Pavilhão Português num Jornal, na 14ª Exposição Internacional e Arquitectura, La Biennale di Venezia.

comments

158.01
abstracts
how to quote

languages

original: português

others: english

share

158

158.02

Arquitetura e política de Josep Maria Montaner e Zaida Muxí

Paolo Colosso

158.03

Pequeña suma de arquitectura

María Elia Gutiérrez Mozo

158.04

Pensar a Habitação de Interesse Social

Exercício do desenho do amanhã, que já poderia existir hoje

Jonathas Magalhães Pereira da Silva

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided