Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
Há 70 anos se encerrava a maior tragédia já vivida pela humanidade: a Segunda Guerra Mundial, com milhões de mortos. Filmes e livros narraram infinitas vezes o conflito entre aliados e barbárie nazifascista.

how to quote

TORELLY, Luiz Philippe. Noticias da Segunda Guerra Mundial. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 161.02, Vitruvius, maio 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.161/5519>.


Finda há setenta anos, a 2ª Guerra Mundial continua a inspirar a realização de um sem número de livros e filmes e arrebatar uma legião de aficionados das mais diversas idades, nacionalidades, formações e interesses. As causas deste “encanto” certamente são muitas e até díspares. Creio eu, e isso não é nenhuma novidade, que essa paixão se deve a belicosidade humana inata e ao receio atávico do estrangeiro, aliada a uma mística de que foi a última guerra “justa”. Tal sensação se deve em muito, ao principal adversário dos aliados: Adolf Hitler, o condutor do insano e aterrador III Reich, e sua política de expansão territorial e extermínio em massa de populações civis, judeus, ciganos e homossexuais entre outros grupos. O que é difícil até hoje de entender, é porque o Ocidente e principalmente Inglaterra e França, assistiram passivamente a escalada alemã rumo ao nazismo. Decorrente em parte segundo muitos historiadores, das severas condições do Tratado de Versalhes impostas à Alemanha. Hitler, quando publicou Mein Kampf (Minha Luta) em 1923, já alardeava o que faria se chegasse ao poder. Chegou e fez como prometido sob os olhares bestificados de uns e complacentes de outros.

Bruno Gantz como Hitler, cena do filme A Queda! As Últimas Horas de Hitler (Der Untergang), direção de Oliver Hirschbiegel, 2005
Foto divulgação

É difícil acreditar que alguma guerra seja justa, pelo sofrimento que provoca especialmente naqueles que de longe são suas principais vítimas: soldados e a população civil. Os responsáveis quase sempre movidos por interesses inconfessáveis, muitas vezes até se transformam em heróis, ou como no caso de Mussolini e no mais recente de Sadam Hussein, balançam na ponta de uma corda. As lições parecem não ser apreendidas e a guerra continua a castigar os inocentes em várias partes do mundo.

Como nasci nos anos 1950, fui bombardeado desde a tenra idade pela máquina de Hollywood e seus filmes grandiloquentes e heroicos. O que mais me marcou e o revi várias vezes foi o Mais longo dos dias (The Longest Day), sobre a invasão da Normandia. O famoso “Dia D”. Estrelado pela nata dos galãs do cinema americano, o filme é um épico do gênero, que mostra desde os preparativos até o exitoso desembarque que iria dar início ao fim da guerra menos em de um ano depois. Quem se lembra do “click”, “click”, aparelhinho onomatopaico utilizado para encontrar os colegas no breu da noite francesa? Mais recentemente o filme O resgate do soldado Ryan, mostra o episódio do “Dia D” com tintas mais realísticas e sob um prisma inusitado, mas com o mesmo enfoque hollywoodiano do primeiro.

Cena do filme Mais longo dos dias (The Longest Day), direção de Ken Annakin, Darryl F. Zanuck, Bernhard Wicki, Andrew Marton e Gerd Oswald, 1962
Foto divulgação

Havia também uma série na TV, na qual Winston Churchill em pessoa, acompanhado de seu chapéu coco e seu indefectível charuto, narrava acontecimentos e batalhas cruciais, como “El Alamin” no norte da África ou a caça ao “imbatível” encouraçado alemão Bismarck. Suas célebres frases, proferidas durante a batalha da Inglaterra quando Londres era pesadamente bombardeada pelos nazistas, eram repetidas a exaustão: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”, “Eu só tenho a oferecer sangue, trabalho, suor e lágrimas”.

As séries de TV Combate e Ratos do Deserto, que toda semana eram ansiosamente aguardadas, eram debatidas arduamente. Em função da “guerra fria” a frente leste da guerra, a mais sangrenta e de maior morticínio de civis, era ignorada exatamente por ter sido vitoriosa a Rússia, então a maior inimiga dos americanos. Um pouco mais adiante, nos anos 1960, a Guerra do Vietnã provocou profundo desengano e um forte abalo na imagem que os Estados Unidos produziram utilizando a ferramenta mais insidiosa e mimética: o entretenimento. Mas o interesse por fato histórico tão complexo e abrangente, determinante do tempo e circunstâncias em que vivemos, já havia em mim se instalado, como em milhões de pessoas por todo o mundo.

Patrulha da FEB nas imediações do Monte Castello
Foto divulgação [Projeto Memória Viva/Portal FEB]

A atração pela 2ª Guerra se explica em parte pelo fato de que mesmo no Brasil, que teve uma participação reduzida no conflito, as repercussões e acontecimentos foram intensos. O afundamento de diversos navios por submarinos alemães em nossa costa; a possível existência de redes de espionagem pelo fato do país abrigar numerosas colônias de alemães, italianos e japoneses, os principais países do Eixo; a presença de exilados judeus e de outras nacionalidades, entre eles o famoso escritor Stefan Zweig, autor de Brasil, país do futuro, que se suicidou em Petrópolis com receio de ser capturado pelos nazistas; e por último e mais importante, a formação da Força Expedicionária Brasileira – FEB, enviada para os campos de batalha da Itália no final de 1944 e início de 1945, já no contexto do novo alinhamento entre as nações que a guerra provocaria. Foram 25 mil homens que seguiram para o maior conflito da história – 1500 deles não voltaram –, emulados por intensa campanha protagonizada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, responsável pela construção ideológica da ditadura Vargas. Ladino do jeito que era, o Presidente já devia saber que aquela altura dos acontecimentos, com a guerra praticamente ganha, o mundo ia mudar muito e o Brasil também. Os brasileiros não fizeram feio, lutando em terra e clima estranhos com armas e equipamentos aos quais estavam pouco afeitos. João Barone, da banda Paralamas do Sucesso, em seu simpático livro 1942, O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida, nos fala da participação brasileira, em seus antecedentes e ações. Ao contrário do que muitos pensam, não foi “para americano ver”. Na Itália a passeio, fui ao cemitério de Pistóia render minhas homenagens àqueles homens simples, sacrificados por razões das quais muitos deles ignoravam.

Era difícil alguém, especialmente nas grandes cidades que não conhecesse um “pracinha”, apelido carinhoso concedido aos nossos soldados. Eu mesmo conheci mais de um. Tive um tio, casado com a irmã de meu pai, que foi a guerra. Ele tinha o hábito para uma criança entre curioso e assustador, de fumar cachimbo e falar sozinho, palavras que entendíamos ser alemão. Minha mãe dizia: “deve ser trauma de guerra”. Havia também D. Sara, judia polonesa amiga da minha avó, que vendia joias e tinha um número tatuado no braço. O avô da minha mulher Fritz Weinert, alemão de Berlim, mas residente há muito tempo no Brasil, foi preso por instalar uma antena de rádio em sua casa em Salvador. A paranoia antigermânica o deixou preso sem acusação por dois anos.

Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Josep Stalin
Foto divulgação [Guilford County Veterans Memorial Committee]

Dos filmes e seriados de TV, e da famosa e bem cuidada coleção II Guerra Mundial, da editora Codex, vendida em fascículos no final dos anos 1960, fui migrando para os relatos de historiadores e a literatura. Não posso deixar de iniciar por Winston Churchill e História da Segunda Guerra Mundial, um cartapácio de mais de 1200 páginas na edição resumida em português. A original em inglês possui mais de 6.000 páginas, o que o levou a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Ascensão e queda do Terceiro Reich, do jornalista americano William Shirer, também é um clássico do gênero. Mostra com farta documentação como os “ovos da serpente” foram chocados, e as consequências arrasadoras para dezenas de milhões de pessoas. Não esquecer que ambos, um inglês e o outro americano, nos oferecem uma visão de parte dos vencedores do conflito, o que não chega a ofuscar a qualidades das obras, para os leitores atentos. Stephen Ambrose também é um autor de grande importância que merece registro pela adaptação de seus livros ao cinema. Dentre eles, O mais longo dos dias já citado e a série de TV Band of Brothers, de produção apurada, mas que igualmente as suas congêneres anteriores, glamouriza a miséria da guerra e promove a 4ª ou 5ª geração de heróis americanos.

Dois outros autores têm contribuições muito relevantes com um enfoque diferenciado dos anteriormente citados. O primeiro deles, o jornalista e escritor russo Vasily Grossman, produziu um clássico do jornalismo de guerra: Um escritor na guerra. Um relato pungente e da mais refinada literatura, de um front oriental sanguinolento e de violência extrema. Vasily acompanhou o exercito russo desde o enfrentamento da invasão alemã em 1941, até Berlim em 1945. Era judeu, comunista sincero e admirador de Lenin, no meio de um conflito onde os contendores eram antissemitas. Seus relatos nos deixam perplexos e insones. Registrou igualmente as atrocidades dos dois lados, com uma sinceridade extrema e incomoda. Em suas próprias palavras, viveu “a cruel verdade da guerra”, o que confere a sua obra dramaticidade e fidedignidade incomuns.

Cena do filme Stalingrado, a batalha final (Stalingrad), direção de Fedor Bondarchuk, 2013
Foto divulgação

Antony Beevor é um historiador inglês que nos últimos anos tem produzido livros sobre capítulos específicos da II Guerra, com rigor na pesquisa histórica e estilo agradável e coloquial. Stalingrado, Berlim 1945: a queda e O dia D: a batalha pela Normandia, são alguns deles, recortes de páginas dramáticas onde os limites foram muito além do que se poderia imaginar até então. Stalingrado talvez seja o mais arrebatador, pelas circunstâncias e pelo significado. O exército russo encurralado a 100 metros da beira do rio Volga em uma resistência frenética a máquina de guerra alemã, até então invencível, prepara ao paradoxal abrigo da neve e do frio extremo, a armadilha que o levará a vitória. O exército alemão é cercado em um abraço de ferro e são feitos 240 mil prisioneiros. Era fevereiro de 1943 e os ventos da guerra começam a mudar de direção.

O joio e o trigo, como diz a Bíblia, estão sempre misturados. Em um mundo com conflitos tão generalizados, abrangentes e paroquiais, a verdade não é meramente factual como nos ensinam. É fruto de construção sistemática e, portanto poluída pela ideologia e a parcialidade. Mas creio que sua busca, o Santo Graal dos homens e mulheres, será sempre um dos fins últimos da espécie humana. Foi nessa busca que encontrei os livros de Primo Levi, judeu italiano, químico, escritor e poeta.

Cena do filme A lista de Schindler (Schindler's List), direção de Steven Spielberg, 1993
Foto divulgação

Alguns livros nos impactam visceralmente e aceleram mudanças que estavam latentes, aguardando a faísca da consciência libertadora. Levi foi prisioneiro em Auschwitz e milagrosamente, por sua condição de químico, escapou ao holocausto e pode denunciar suas agruras e de outros milhões de “invisíveis” que padeceram as atrocidades inimagináveis perpetradas pelos nazistas. Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém as denominou “a banalidade do mal”. Após a leitura de seus livros, não é possível mais ver os aspectos épicos, heroicos, estratégicos, militares ou o que quer que seja. Só é possível ver o sofrimento das pessoas comuns, que ao fim do dia querem ir para a casa, levando o pão que a labuta diária permitiu e descansar em paz com os seus.

Sua obra é memorialística, embora às vezes se utilize do romance como linguagem. Em Se não agora, quando?, narra a luta dos partizans judeus na Rússia contra a invasão alemã e seu retorno para Itália repleto de peripécias por uma Europa arrasada após sua libertação. Em É isto um homem?, Levi vai às profundezas mais insólitas das atitudes que os seres humanos são capazes de praticar em condições extremas. É um livro que sacode nossa consciência de consumidores do século 21 e nos faz perder o sono, mas em compensação subir alguns graus na compreensão da natureza humana, em poder se somar aqueles que alertam sobre a concretude de novos holocaustos, que desde a 2ª guerra não param de acontecer.

Barbara Sukowa em cena do filme Hannah Arendt, direção de Margarethe von Trotta, 2012
Foto divulgação

Não há outra forma de evitar a repetição do passado, senão através do estudo e da reflexão. Precisamos o quanto antes adotar novas visões de mundo, mais generosas e igualitárias, com as pessoas e com o planeta. Simples assim. Não haverá III Guerra Mundial, pois não haverá ninguém para registrá-la como fizeram com a I e a II.

sobre o autor

Luiz Philippe Torelly é arquiteto e urbanista. Trabalha no Iphan.

comments

161.02
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

161

161.01

Mímesis repaginada

Sobre três livros de Luiz Costa Lima

Thiago Castañon

161.03

Deambulações narrativas de Francesco Careri na construção estética do espaço

Luciana Jobim Navarro

161.04

África do Sul

Com um guia na mão e um website na tela

Maria Fernanda Derntl

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided