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Um momento que resume uma vida virtuosa pode ser visto no documentário Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz, dirigido por Pedro Gorski e Laura Artigas.

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GUERRA, Abilio. Resumo de uma vida. Breve comentário sobre o documentário Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 164.06, Vitruvius, ago. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.164/5657>.


O tempo está em suspenso, quase paralisado. As respirações estão contidas, pois é da consciência de todos que aqueles momentos na eminência de acontecer serão únicos, definitivos, irrevogáveis. O que ocorrerá a seguir é do desconhecimento comum, mas se têm a certeza prévia que o roteiro está escrito desde sempre, que os fatos só poderiam se desenrolar naquele encadeamento perfeito. Mesmo sem uma explicação razoável disponível, a maioria das pessoas consegue intuir sua proximidade, pressentir sua manifestação no próprio corpo, como acontece quando a brusca paralização dos ventos antecipa a tempestade devastadora.

Estes segundos – que o efeito de retardamento perceptivo pode nos iludir como se fossem minutos ou horas – podem ser nomeados com o termo kairós, uma das variações usadas pelos antigos gregos para designar a temporalidade. Em busca de precisão, poderíamos nos socorrer na definição de Marilena Chauí para o termo: kairós é a compreensão do tempo oportuno, capacidade de poucos, daqueles que lideram e sabem exatamente quando as coisas devem ser decididas. Generais, reis e grandes líderes têm este dom de domar o tempo, agir de forma decidida e decisiva no momento preciso, que não pode ser nem antes, nem depois. Aos demais pobres mortais resta a capacidade comum da intuição, para saber da eminência do seu espocar.

O olhar um tanto perdido de Vilanova Artigas, surpreendentemente fragilizado e hesitante em seus gestos desconexos, é o centro da cena. Olha e espera. Eduardo Kneese de Melo, Milton Vargas, Carlos Guilherme Motta, Flavio Motta e José Arthur Gianotti, outros protagonistas importantes da história, vão ocupando seus lugares, se preparando para a solenidade. São especialistas de áreas diversas do conhecimento e a eles cabem os papéis de inquiridores do velho professor.

Há alguns anos, ele foi o grande mentor e fomentador das transformações no ensino da arquitetura e do urbanismo que se materializaram em uma nova escola, a escola paulista, com programa, métodos, ação e prédio inovadores. Ao mesmo tempo caldeira e carvão no preparo de uma nova liga de princípios, modus operandi e finalidades, vitórias coletivas – pois foram muitas as adesões – e difíceis – pois foram muitas as batalhas e valorosos os oponentes, alguns dentro do campo aliado. Contudo, a fortuna e as vicissitudes do desenvolvimento histórico colocam agora em cena a figura alquebrada do velho cansado, exausto, rebaixado à condição de simples auxiliar de ensino na disciplina de Estudos de Problemas Brasileiros que ministra na escola que engendrou.

Flavio Motta, amigo de anos, começa uma arenga sobre um de seus projetos. Está constrangido e não é qualquer edifício. Comenta um aspecto do prédio da escola de arquitetura como se ele fosse um organismo vivo, como se tivesse vontade e desejos. Ele se anima e o discurso fica mais interessante. A parede resolve descer e se tornar apoio, cansou de ser apenas vedação e quer ser estrutura, diz Motta. O pilar, que já é apoio e já é estrutura, não se contenta com sua condição unívoca e resolve subir para ser também parede, para cumprir a função distinta de vedo. Motta titubeia um pouco, pede desculpas ao amigo inquerido, solicita autorização para prosseguir em seus comentários. Assim, quando a hesitação de Motta se desdobra em uma concessão gentil, a ordem das coisas é restabelecida. Como nos contos infantis, a magia contamina o ambiente e a metamorfose se dá diante de todos. O aluno assustado se transforma em mestre, recebe de volta a cátedra que lhe havia sido surrupiada. Vilanova Artigas assume a palavra, para dominar o ambiente, soltar o tempo até então aprisionado e permitir que todos voltem a respirar normalmente.



Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz, trailer oficial, direção de Laura Artigas e Pedro Gorski

Gravadas por ocasião do concurso para reassumir a condição de Professor Titular de Projeto, essas cenas reais ocorreram em junho de 1984. Elas abrem e fecham o documentário Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz, dirigido por Laura Artigas e Pedro Gorski, lançado recentemente durante a exposição sobre a obra do arquiteto no Instituto Cultural Itaú. O filme acompanha muito bem as principais facetas do personagem – a sofisticação de sua abordagem filosófica e estética, seu comprometimento ético e político com os fundamentos de sua profissão, seu entendimento quase religioso sobre o papel do ensino e da transmissão do conhecimento, sua visão de mundo abrangente e genuinamente generosa – e os fatos, percalços e anedotas de sua riquíssima trajetória. Contudo, do ponto de vista narrativo, os dois grandes momentos do filme se dão na utilização das sequências que registraram o concurso, com montagem ágil do escasso material disponível, se obtendo um timing perfeito no encadeamento de emoções variadas que se expressam nos rostos do protagonista e do enorme contingente de personagens secundários e figurantes. Tal como na cena histórica presente na tela, o público atual sentado na plateia é revolvido pelo redemoinho emocional.

Momentos assim são raros. Eles são resumos de uma vida. Como as mônadas de Leibniz, carregam em si, como um microcosmo pequenino e compacto, todas as potências e virtualidades do macrocosmo vasto e intangível. É como se um gênio maligno tivesse tramado para que toda a majestosa trajetória do arquiteto se encaminhasse para esse único instante, para esse momento decisivo. Todas as dúvidas e angústias vividas pelos outros e do próprio estão retratadas no olhar perdido do início; e todas as realizações do mestre e de seus companheiros de jornada se resumiram na retomada da palavra por Vilanova Artigas, no controle restabelecido de seu discurso e de sua narrativa.

O que sobra desta cena compacta em dois atos – um primeiro que se equilibra entre o patético e o trágico; um segundo que se expande na (re)afirmação de um discurso – não é a vergonha ou humilhação, como muitos a descrevem, mas a serenidade diante de um resumo de uma vida exemplar.

nota

NA – resenha do filme Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz, dirigido por Laura Artigas e Pedro Gorski, o presente texto foi preparado para o evento de inauguração do Projeto Marieta, ocorrido no dia 15 de agosto de 2015, em São Paulo. O filme, que fez parte da programação, tem a seguinte ficha técnica: filme Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz; roteiro Laura Artigas; direção Laura Artigas e Pedro Gorski; produção Gal Buitoni e Luiz Ferraz / Olé Produções; produção executiva Gal Buitoni; consultoria de criação Marcelo Machado; montagem Fernando Honesko; montagem do trailer Denis Marcondes; coordenação de pesquisa Rosa Artigas; pesquisa de arquivo Camila Camargo; direção de fotografia e câmera Zé Mario Fontoura; direção de arte Ricardo Fernandes; trilha sonora e som Guilherme e Gustavo Garbato – Casa da Sogra Soluções Sonoras; pós-produção Quanta Post.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

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